A posição consta de um comunicado do banco central cabo-verdiano na sequência da informação veiculada no âmbito da investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), processo conhecido como ‘Luanda Leaks’, que aponta o BIC-CV como utilizado pela empresária em contratos com origem na China de proveniência duvidosa.
“O BCV vem acompanhando o Banco BIC Cabo Verde, desde a sua criação até à presente data, tendo a última inspeção sido feita em finais de 2018, a qual incidiu sobre o cumprimento das normas respeitantes à prevenção de lavagem de capitais e combate ao financiamento do terrorismo, processo inspetivo esse que corre ainda trâmites”, lê-se no comunicado.
O documento acrescenta que “em função do desfecho do processo”, o BCV “retirará as devidas consequências, nomeadamente em matéria prudencial e contraordenacional”.
“O BCV continuará atento às informações relacionadas com o Banco BIC Cabo Verde, ICAR [Instituição de Crédito de Autorização Restrita], visando tomar, em tempo, eventuais medidas que se revelarem necessárias”, refere ainda o comunicado.
Em entrevista à agência Lusa em outubro, na cidade da Praia, Isabel dos Santos disse ter investido cerca de 100 milhões de euros nos últimos anos na economia cabo-verdiana, primeiro nas telecomunicações e depois nas finanças.
Também afirmou que está a preparar um investimento na economia digital naquele país, um setor prioritário para o Governo cabo-verdiano.
A licença ICAR atribuída ao BIC-CV permite à instituição realizar apenas operações com clientes não residentes, apesar da intenção, por concretizar, anunciada pela administração pelo menos desde 2017, de alargar a mesma para autorização genérica, para poder passar a realizar operações com clientes residentes.
O BIC-CV funciona desde 2013, quando, através da portaria 37/2013, de 24 de julho, o Ministério das Finanças autorizou, “a título excecional”, recorda o BCV, a aquisição, por um grupo de investidores privados, da totalidade do capital social do BPN – Banco Português de Negócios, IFI. “Em consequência, alterou-se a denominação de BPN, IFI para Banco BIC Cabo Verde, IFI, atualmente, Banco BIC Cabo Verde, ICAR”, acrescenta.
O comunicado do BCV sublinha também que à “data do presente comunicado, a Eng.ª Isabel dos Santos detém, indiretamente, através da Santoro Financial Holdings, SGPS, SA e da Finisantoro Holding Limited, 42,5% do capital social do Banco BIC Cabo Verde”, embora “não exercendo qualquer função nos órgãos sociais da instituição”.
No relatório e contas de 2018 do banco, consultado pela Lusa, é referido que o lucro do BIC Cabo Verde caiu 59,4% em 2018, face ao ano anterior, para 5,2 milhões de euros.
“Esta diminuição é explicada, essencialmente, pela diminuição da margem obtida nas operações de intermediação financeira com outras entidades do universo BIC, em resultado da liquidação no final de 2017 de parte significativa destas operações”, lê-se no documento.
O banco terminou 2018 com capitais próprios de 57,5 milhões de euros e ativos de 442,8 milhões de euros (-1,2% em termos homólogos).
A carteira de crédito a clientes – exclusivamente não residentes – desceu 21,1%, para 42,6 milhões de euros: “Sendo que os investimentos em carteira própria de títulos, incluindo instrumentos de dívida soberana e ‘corporate’ portugueses ascendem a 38,7 milhões de euros”.
Além disso, a carteira de depósitos de clientes não residentes fechou em 2018 nos 270,6 milhões de euros, uma quebra homóloga de 15,5%.
Embora sem se referir neste caso ao BIC-CV, o banco central, enquanto Autoridade de Regulação e Supervisão do sistema financeiro nacional, afirma que tem dado “particular atenção aos mecanismos de controlo interno” dos bancos que operam no país, “como forma de garantir maior eficácia de gestão e controlo dos riscos associados, nomeadamente os de lavagem de capitais e financiamento do terrorismo”.
Destaca, nomeadamente, “o reforço dos requisitos de idoneidade, quer do potencial adquirente quer dos gestores”, acrescentando que “90% das instituições de crédito já foram alvo de inspeções on-site, resultando em processos de contraordenação e aplicação de coimas por incumprimento dos deveres estipulados pelas normas atinentes à matéria”.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) revelou no domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.
Isabel dos Santos disse estar a ser vítima de um ataque político orquestrado para a neutralizar e sustentou que as alegações feitas contra si são “completamente infundadas”, prometendo "lutar nos tribunais internacionais" para "repor a verdade".
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