
Se olharmos para o debate desta noite que opôs Luís Montenegro a André Ventura como uma espécie de termómetro pós eleições das relações entre PSD/AD e Chega, a conclusão é clara: nem o líder do PSD quis suavizar o discurso face ao Chega, nem o líder deste partido quis ensaiar aproximação para efeito pós eleitoral. Do ponto de vista da estratégia política ficámos, assim, com um líder do PSD centrado em garantir ao eleitorado moderado que mantém o "não é não" face a acordos com a direita radical, e um líder do Chega centrado em garantir que é a opção certa para eleitorado descontente com os partidos-âncora.
O tema de arranque não podia ser mais óbvio: André Ventura arrancou o debate com a situação, noticiada esta quinta-feira, de uma grávida que teve o filho à porta de casa . É verdade que com isso fez com quase metade do tempo de debate fosse em torno do tema da saúde, mas não significa que tenha conseguido passar uma mensagem de alternativa política. Por um lado porque Montenegro não se intimidou - mesmo sabendo que a gestão da saúde é uma das maiores fragilidades do seu governo - e quase conseguiu apanhar Ventura num jogo que o líder do Chega gosta de jogar ao perguntar-lhe se "sabia mesmo o que aconteceu com a situação da grávida".
Sobre os temas de governabilidade e eventuais acordos entre partidos, os dois líderes falaram, cada um, para o seu eleitorado - ainda que André Ventura tenha mantido a piscadela de olho à ala que lhe pode ser mais próxima no atual PSD, recordando os tempos em Luís Montenegro o elogiava no partido e os resultados que alcançou em Loures.
“Aquele gajo é mesmo bom”
“Como é estranho o André Ventura queixar-se destes 50 anos de preponderância de dois partidos e esquecer-se que militou no PSD durante 17 anos - são 17 anos que correspondem a 70% da vida adulta do André Ventura. O André Ventura inscreveu-se no PSD em 2002 e desvinculou-se em 2019. Nunca teve uma palavra sobre aquilo que defende agora”, assinalou o atual presidente social-democrata.
Luís Montenegro fez ainda questão de apontar que André Ventura, entre outros cargos, foi conselheiro nacional do PSD e autarca do partido.
“A única vez que nos encontramos, no PSD, não fui eu que fui ter consigo a uma campanha eleitoral. Foi o Luís Montenegro que se colou à minha campanha eleitoral em Loures”, contrapôs. Ventura contou mesmo que Montenegro disse o seguinte sobre si: “Aquele gajo é mesmo bom”.
“Andou na minha campanha em Loures colado a mim. Agora dê-me lá um exemplo de eu ter andado colado a si em outro sítio qualquer? Sabe como é que diria Sá Carneiro? Um pouco de vergonha na cara. Era isso que eu lhe aconselhava”, atirou o presidente do Chega.
O líder do PSD ripostou: “Vergonha na cara, uma coisa que o André Ventura não tem”.
“Mas na altura ele era colaborante com tudo aquilo que o PSD defendia e andava de bandeirinha na mão e até achava que o melhor líder era aquele que está hoje à frente dele”,acrescentou Luís Montenegro.
O líder do PSD invocou, aqui, a imaturidade do Chega para a governação que apresenta como razão para uma impossibilidade de acordo político.
“Eu já fui muito claro sobre essa matéria e creio que as portuguesas e os portugueses, mesmo aqueles que votaram no passado no Chega, compreendem bem que é impossível governar com o Chega. É impossível por três razões fundamentalmente. O Chega não tem fiabilidade de pensamento, comporta-se politicamente como um catavento, muda de opinião muitas vezes, e isso não é adequado ao exercício de funções governativas, nem à colaboração na atividade de um governo”, disse o líder do PSD. O Chega “não tem maturidade nem decência”, sublinhou.
“Luís Montenegro não quer contar nem com o Chega, nem com ninguém. Luís Montenegro quer muletas na Assembleia da República, como teve a Iniciativa Liberal, como teve o CDS. Não contará connosco, e eu quero dizer cara a cara, que não contará connosco”, sublinhou por seu lado, André Ventura.
O resto do debate foi dedicado a questões de crescimento económico e das premissas dos dois partido nesse âmbito e ao apelo de Montenegro aos eleitores do Chega..
“A sua utilidade é a mesma, quer tenha uma representação de um deputado ou de 50. Por isso eu quero aqui dirigir-me sobretudo às pessoas que votaram no Chega e que hoje podem encontrar um caminho de esperança votando na AD, porque é votando na AD que vão ver muitos dos seus problemas resolvidos”.
André Ventura, a quem coube a intervenção de fecho, reclamou uma auditoria às despesas do Estado e o aproveitamento que o PSD tem feito das ideias do Chega. "Eu quero mesmo que todos os pensionistas tenham uma pensão equivalente ao salário mínimo. Sabe o que é que eu vi nos últimos dias? Que o Luís Montenegro veio atrás de André Ventura e pensou assim: de facto, isto é uma boa ideia".
Artigo editado às 10h52
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