A sede regional do PSD Madeira estava pouco habitada quando, ainda a largos minutos do anúncio das projeções, chega ao quinto e último piso, destinado aos militantes e simpatizantes do Partido Social Democrata que por ali quisessem passar a noite eleitoral, um vulto laranja. Da cabeça aos pés.
Pára diante da televisão, olha para as horas e segue para a varanda onde cumprimenta toda a gente. É a dona Margarida Coelho, também conhecida como a laranjinha do dr. Alberto João.
Margarida tem 74 anos de idade, 43 de militante. Tomou-lhe o gosto desde nova, quando ia às urnas com a mãe e a partir daí filiou-se no partido. ”Já dei a volta à ilha da Madeira com o dr. Alberto João, inaugurações de túneis, estradas... depois veio a doença e não fui a mais nenhuma. Faz um ano que adoeci”, conta ao SAPO24.
As vestes cor-de-laranja de hoje são só para dias de festas, mas diz que nunca sai sem uma peça de roupa laranja. Garante que lá em casa só as paredes é que não são cor-de-laranja, ao mesmo tempo que fala do seu altar ao PSD com fotografias de Alberto João Jardim e Miguel Albuquerque acompanhados por uma imagem da Nossa Senhora da Saúde.
“Sou laranjinha e com muito orgulho, a mim ninguém me vira”, assegura.
Ao lado, um grupo de jovens da JSD, brincam com a icónica militante madeirense: "Nós só queremos Margarida a presidente, Margarida a presidente". A laranjinha responde: "que coisa linda que haveria de ser, eu a presidente".
Nós só queremos Margarida a presidente, Margarida a presidente
Ri-se e ri-se com uma descontração que mais ninguém ali tinha, que mais ninguém ali era capaz de ter a pouco mais de cinco minutos de a RTP Madeira divulgar as primeiras sondagens daquela que tinha sido apelidada por Paulo Cafôfo, candidato socialista, como a “eleição mais importante desde o 25 de Abril”.
Cumprimenta as “queridas” e os “queridos” que vão chegando e sabe que vai correr tudo bem. Pelo menos é o que nos diz. Há tempo para mais conversa, há sempre tempo para empurrar os nervos para dentro e quando lhe perguntam de quem gosta mais, se do dr. Alberto João Jardim, se do dr. Miguel Albuquerque, diz que não consegue escolher.
Mas na memória tem ainda bem presente o momento em que, em janeiro deste ano, ambos lhe prepararam uma pequena homenagem no Congresso Regional do PSD Madeira. Recebeu um “grande ramo de flores” e um aplauso de pé.
Diz que é casada com o partido, não mente e não lhe custou a mudar de ‘marido’ de Alberto João Jardim para Miguel Albuquerque, ainda que continue a ser conhecida por ser a grande companheira do primeiro.
Na televisão ao lado anunciam-se as projeções: PSD pode amealhar entre 37% a 41% dos votos, o PS alcança 34% a 38% dos votos, o CDS-PP 5% a 7% e o JPP 3% a 5%. Seguia-se a CDU (PCP/PEV), com 1% a 3%, o BE, também com 1% a 3% , e o PAN, com 1% a 2%.
A bipolarização das votações era evidente e ameaçava atirar para fora do parlamento regional partidos como o Bloco de Esquerda, CDU ou PTP ao mesmo tempo que prometia reduzir os mandatos atribuídos ao JPP.
Margarida bate palmas, feliz no meio de uma plateia cética à espera da evolução dos números.
A palavra de ordem era “esperar” e prometia arrastar-se pela noite dentro. Ao fundo da rua, na sede do CDS fazia-se isso mesmo. Ao SAPO24, Rui Barreto dizia que queria esperar para ter a certeza se chegava ou não ao quarto deputado, mas sublinhava que esta é uma vitória do centro-direita na Madeira que claramente derrota uma força de esquerda.
Era o primeiro sinal.
Dois minutos a pé, ao lado, na Praça Amarela, o palco montado pelo Partido Socialista era um deserto. Sem um número de militantes que se fizesse ver - ou ouvir -, os jornalistas eram a plateia para um partido que esperava que os números rodassem.
A melhor votação da história do PS na Madeira já estava confirmada e Rui Caetano, membro da direção do PS Madeira, dizia que as “projeções deixam tudo em aberto”. Esta era a primeira vez que em 43 anos de democracia no arquipélago que os socialistas tinham a verdadeira hipótese de chegar ao poder.
O centro do Funchal era o centro da política madeirense esta noite com as sedes de campanha e dos partidos a sucederem-se à medida que se desce uma avenida. Junto à 5 de outubro, numa perpendicular, no espaço Paulo Martins, o Bloco de Esquerda não esconde a desilusão de poder vir a eleger, no máximo, um deputado.
Bloco de Esquerda: Os sentimentos em relação às primeiras projeções são de desilusão
Com Paulino Assunção recatado na sede, o deputado e dirigente regional Ernesto Ferraz vem falar com o SAPO24. “Os sentimentos em relação às primeiras projeções são de desilusão. No entanto acreditamos que nas freguesias mais urbanas, com mais eleitores isto mudará obrigatoriamente para cima. Tivemos uma campanha na rua, junto das populações e um feedback que não se repercute aqui”, diz.
Sobre o cenário de coligação de centro direita em cima da mesa, não tinha dúvidas: será “mais do mesmo, se calhar pior, se é que é possível afundar mais”.
A culpa é da bipolarização, dizem os partidos mais pequenos. E não mentem. Depois do PS não ter ido além dos 11% nas últimas duas eleições para o parlamento regional (11,5% em 2011 e 11,4% em 2015), o crescimento dos votos no Partido Socialista secou a oposição em seu redor e fez com que socialistas e sociais-democratas, juntos, conquistassem 75% dos votos.
Na rua, quer fosse na Praça Amarela ou à porta da sede social-democrata comentavam-se os resultados, já oficiais, de Porto Santo onde se fez maioria absoluta do PS e da vitória socialista na freguesia de Santo António, historicamente laranja.
Um militante socialista conta que que o PSD mandou para Porto Santo mais de 400 pessoas para irem lá votar, pessoas lá registadas nas casas de férias. “Voltam todos com a corda ao pescoço”, diz Paulo.
Os foguetes não se deitam antes da festa e apesar dos primeiros números oficiais darem alguma esperança na reviravolta ao PS, quando saíram os resultados oficiais, na sede do PSD fez-se rapidamente a matemática do 21+3=24 e os gritos de festa ecoaram de uma ponta à outra do edifício.
Aproximaram-se os militantes para ouvir falar Rui Barreto, do CDS, que conquistou três deputados e a capacidade de decidir quem poderá governar com maioria absoluta. Agora em público, evoca a vitória do centro direita e na sede laranja já cheira a laranjada de coligação.
Paulo Cafôfo: A maioria da população não votou no PSD e é por isso que não desisto da mudança desta terra, não desisto de mudar a Madeira
Do outro lado, ouve-se Paulo Cafôfo a pintar a derrota de não chegar a governo, realçando a votação histórica do Partido Socialista e assumindo estar disposto a negociar com os restantes partidos da oposição uma frente contra o PSD.
Mas o CDS não estava para aí virado e quando Miguel Albuquerque assumiu o púlpito numa sala cheia de militantes disse que já tinha falado ao telemóvel com o número um da lista centrista. Quase que ninguém se lembra que esta é a primeira-vez que o PSD vence sem maioria absoluta tal é a festa.
Miguel Albuquerque sai em apoteose e desce a rua com o partido. Uns metros mais à frente Rui Barreto é levado em braços pelos apoiantes. Já se sabe que a direita ganhou.
Miguel Albuquerque: a extrema esquerda e o partido socialista mais uma vez foram derrotados na Madeira
À frente da sede do CDS, Rui Barreto prepara-se para entrar e levanta a mão a um carro do PSD que passa a buzinar em surdina de casamento ou campeonato de futebol. Barreto sorri e acena. Lá em cima confirma ao SAPO24 a chamada de Albuquerque e conta que nem tinha dado por isso, mas que já tinha duas chamadas não atendidas de Paulo Cafôfo.
A história vai-se escrever na próxima semana, mas parece certo que 43 anos depois, a dona Margarida vai ter de aprender a amar pelos dois.
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