Não aconteceu muitas vezes desde que há memória, mas já houve outros ex-presidentes dos Estados Unidos a serem investigados por crimes, como Richard Nixon (caso Watergate, que levou à sua renúncia), ou Bill Clinton (primeiro o caso Whitewater, de que foi ilibado, depois o caso Monica Lewinsky, em que pagou multa e escapou à acusação). Mas nunca nenhum chegou a ser formalmente acusado e levado a tribunal. Com excepção de Ulysses S. Grant, o 18.º homem a ocupar a presidência dos EUA.

Estava-se em 1872, e Grant foi apanhado em flagrante e detido por excesso de velocidade. O episódio não parece ter tido grandes repercussões na altura, segundo o jornal "The New York Times". No entanto, em 1908 o jornal "The Sunday Star of Washington" publicou uma entrevista com o polícia responsável pela detenção do presidente, William West. Aparentemente, Ulysses Grant, que tinha sido advertido apenas dois dias antes pelo mesmo crime, estava a fazer uma corrida de carruagens com amigos na via pública. A fiança foi fixada em 20 dólares, uma barbaridade para a época.

Mas, pelo mundo fora, foram já presos diversos chefes de Estado, a maioria de países da América Latina. Lula da Silva, atual presidente do Brasil, é o caso mais paradigmático: em abril de 2018 foi preso, condenado a oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Acabou por cumprir 580 dias, no fim dos quais foi libertado por causa de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou todas as condenações impostas até então.

Também o ex-presidente Michel Temer foi preso a 21 de março de 2019, no âmbito da operação Lava Jato, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. O político, filiado no MDB (Movimento Democrático Brasileiro), beneficiou do regime de delação premiada, que dá ao investigado ou réu uma vantagem em troca da sua colaboração com as autoridades.

Temer seria libertado quatro dias depois, para voltar a ser preso a 9 de maio e solto mais uma vez a 14 do mesmo mês, quando o Supremo Tribunal de Justiça decidiu conceder-lhe um habeas corpus e substituir a prisão por medidas cautelares, como a proibição de manter contato com outros investigados, a entrega do passaporte e o bloqueio de bens.

E não arredamos pé. Ainda no Brasil, Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por voto direto, chegou ao poder com apenas 40 anos, pela mão do PRN (Partido da Reconstrução Nacional). E foi ele quem inaugurou os processos de impeachment, tendo sido afastado temporariamente. Renunciou no fim de 1992, antes de aprovado o processo de impugnação. Acabaria condenado pelo Senado por crime de responsabilidade, perdendo os direitos políticos por um período de oito anos.

Collor de Mello foi senador por Alagoas dois mandatos consecutivos, entre fevereiro de 2007 e fevereiro de 2023. Em maio deste ano foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Alberto Fujimori, o peruano com ascendência japonesa, foi presidente do Peru entre 1990 e 2000, altura em que fugiu para o Japão e tentou renunciar ao cargo por fax, depois de ter sido descoberto um esquema de corrupção, ao mesmo tempo que era alvo de denúncias de abusos de direitos humanos. O Congresso rejeitou a renúncia e levantou-lhe um processo de impeachment. Preso em 2007 e condenado a 25 anos de prisão em 2009 por crimes contra a humanidade e corrupção, acabou por ser indultado em 2017, aos 79 anos, pelo então presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski. Mais tarde, foi PPK, como ficou conhecido, quem correu o risco de acabar na cadeia, sobretudo pelas ligações à construtora brasileira Odebrecht. Renunciou à presidência do Peru (2016-2018) para evitar o impeachment, apenas dois anos depois de ser eleito - e de ter derrotado Keiko Fujimori, a filha de Alberto Fujimori. As investigações de lavagem de dinheiro continuaram e chegou a ser proibido de deixar o país.

Carlos Andrés Pérez governou a Venezuela em dois períodos distintos: de 1974 a 1979 e de 1989 a 1993. Foi destituído (depois de ter sofrido duas tentativas de golpe de Estado em 1992), e acusado de desvio de dinheiro público, que o levaria à prisão domiciliária em julho de 1994. Libertado, em 1999 foi-lhe decretada nova prisão, mas passou o resto da vida foragido. Morreu nos Estados Unidos em 2010.

Na segunda presidência, Carlos Andrés Pérez impôs um pacote de medidas duramente criticadas e que levariam ao Caracazo (por ter o epicentro em Caracas), uma rebelião popular espontânea a 27 de fevereiro de 1989, cuja gota de água foi a subida do preço dos transportes públicos. Nesse dia houve autocarros apedrejados e queimados em todo o país, lojas, supermercados e centros comerciais invadidos e saqueados. Os militares foram chamados para controlar a situação e seguiu-se um massacre.

A história de Carlos Menem, presidente da Argentina entre 1989 e 1999, tem contornos ligeiramente diferentes. Nunca esteve atrás das grades (uma prerrogativa dos senadores do país), mas colecionou condenações. Em 2013 foi condenado a sete anos de prisão por contrabando de armas e em 2015 a quatro anos e meio e proibição até ao resto dos seus dias do exercício de cargos públicos, pelo desvio de dinheiro ao longo de dez anos como presidente. Morreu aos 90 anos, em Buenos Aires, no início de 2021.

O presidente da Nicarágua entre 1997 e 2002, Arnoldo Alemán, foi indiciado por lavagem de dinheiro, fraudes e outros crimes, e condenado a 20 anos de prisão, convertidos em prisão domiciliária em 2003. Estima-se que tenha desviado mais de 100 milhões de dólares de dinheiro público para contas controladas por si e pela sua família no Panamá. Em 2009 foi absolvido de todas as acusações.

E, por falar em Panamá, Ricardo Martinelli, ex-presidente e empresário, foi preso em 2017, em Miami, nos Estados Unidos, a pedido da Interpol. Governou o país de 2009 a 2014 e terá utilizado a autoridade e dinheiro público para espiar mais de 150 concidadãos. Também é citado por participar em esquemas de corrupção e desvio de verba durante o seu mandato, além de ter dois dos seus filhos denunciados por receber luvas da Odebrecht.

Por último, Otto Pérez Molina, presidente da Guatemala entre 2012 e 2015 (o mandato terminava em 2016). O general na reserva renunciou ao cargo um ano antes do fim, no meio de um escândalo de corrupção e subornos. Foi preso na Cidade da Guatemala  horas depois.

Mudando de continente, chegamos à Coreia do Sul. Park Geun-hye foi a primeira mulher presidente no país, entre 2013 e janeiro de 2017, altura em que foi destituída. Na origem do processo, um escândalo de corrupção, tráfico de influências, abuso de poder e extorsão. Presa em março, foi condenada uma semana depois a 24 anos de prisão.

A lista segue com Mohamed Morsi, o primeiro presidente eleito por sufrágio no Egito, em 2012, altura em que o país era o epicentro de uma série de revoltas no mundo islâmico, a Primavera Árabe. Foi quando a capital foi tomada por milhares de pessoas, que exigiam a cabeça de Mubarak, que se apressou uma eleição confusa, acabando por eleger Morsi.

O governo dura pouco, sofre um golpe militar um ano depois. Morsi é preso e condenado por incitar a morte de manifestantes da oposição em 2012, com pena agravado por crimes de espionagem contra o Qatar.

No Iraque, Saddam Hussein teve um papel decisivo no golpe de 1968, que levou o seu partido a um domínio de longo prazo no país. No início dos anos 1970, nacionalizou o petróleo e outras indústrias, a banca estatal foi posta debaixo do seu controlo e o sistema acabou insolvente. Saddam foi o 5.º presidente do Iraque, de julho de 1979 a abril de 2003, chagando a acumular com o cargo de primeiro-ministro.

Reprimiu movimentos e sobreviveu à guerra Irão-Iraque, à Guerra do Golfo, à invasão do Kuweit e às sanções da ONU. Foi amplamente criticado pela brutalidade da sua ditadura e ao longo de década e meia mais de 250 mil iraquianos terão sido mortos. A 20 de março de 2003, os Estados Unidos invadiram o Iraque, com o apoio militar do Reino Unido, da Austrália e da Polónia. Portugal (Durão Barroso) também deu a sua benção. O líder iraquiano foi acusado de possuir armas de destruição maciça e de ter ligações à Al-Qaeda. Saddam Hussein foi capturado em dezembro desse ano, julgado a 5 de novembro de 2006 e condenado à morte por enforcamento.