A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registada numa área do planeta. Tem cerca de cinco milhões e meio de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (território pertencente à França).

A Amazónia brasileira perdeu mais de uma Alemanha em área de floresta entre 2000 e 2017. São cerca de 400 mil km² a menos de área verde, segundo um estudo da Universidade de Oklahoma publicado na revista científica Nature Sustainability. Do lado de cá, para dar um exemplo, a Europa plantou uma floresta do tamanho de Portugal (artigo com paywall) entre 1990 e 2015.

Em época de queimadas e incêndios, o fumo já chegou a São Paulo, onde o dia criou noite. Na segunda-feira, uma nuvem de fumo produzida por queimadas no Paraguai, Bolívia e também na região amazónica dentro do território do Brasil, transformou o dia em noite na cidade de São Paulo, onde o céu pareceu escurecer pouco depois das 15:00 locais.

E os alarmes tocam em todo o lado: perder a floresta brasileira não é apenas problemático para o Brasil — mas para todo o planeta.

Está a arder assim tanta floresta?

Sim. Mais de metade dos fogos no Brasil este ano são lá.

Os dados são do "Programa de Queimadas" do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) brasileiro. Dos conjuntos de ecossistemas no país, o mais afetado é o da Amazónia, com 51,9% dos fogos, seguindo-se o cerrado — ecossistema que cobre um quarto do território do Brasil — com 30,7% dos focos registados este ano.

O cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ficando atrás em extensão apenas da floresta amazónica, com dois milhões de quilómetros quadrados.

Segundo o portal de notícias UOL, em números absolutos, Mato Grosso é o estado com mais focos de incêndio registados no Brasil, com 13.109, sendo seguido pelo Pará, com 7.975.

Situação de emergência — no inverno

Recorde-se que no hemisfério sul, onde está o Brasil, é inverno. No início de agosto, o governo do Amazonas decretou situação de emergência no sul do estado e na Região Metropolitana de Manaus devido ao "impacto negativo da desflorestação ilegal e queimadas não autorizadas".

"O Amazonas registou, de janeiro a julho deste ano, 1.699 focos de calor (focos com temperatura acima de 47°C, registados por satélite, que indicam a possibilidade de fogo). Destes, 80% foram registados em julho, mês em que teve início o período de estiagem", declarou o estado do Amazonas no seu ‘site'.

Depois de o Amazonas decretar a situação de emergência, o governo do Acre declarou, na sexta-feira passada, estado de alerta ambiental, também devido aos incêndios em matas.

O número de focos de incêndio no país já é o maior dos últimos sete anos.

Ao jornal 'Estadão', o investigador Alberto Setzer explicou que o clima em 2019 está mais seco do que no ano passado, o que propicia incêndios, mas garante que grande parte deles não tem origem natural.

“Nesta época do ano não há fogo natural. Todas essas queimadas são originadas em atividade humana, seja acidental ou propositada. A culpa não é do clima, ele só cria as condições, mas alguém coloca o fogo”, afirmou Setzer.

A expectativa do especialista é que a situação piore ainda mais nas próximas semanas com a intensificação da seca.

Entretanto, Bolsonaro ataca o instituto que controla a desflorestação

O Inpe, órgão do Governo brasileiro que levanta os dados sobre a desflorestação e queimadas no país, foi alvo de críticas recentes por parte do Presidente Jair Bolsonaro, que acusou o Instituto de estar a serviço de algumas organizações não-governamentais por divulgar dados que apontam para o aumento da desflorestação da Amazónia.

As recentes divulgações do Inpe apontam que a desflorestação da Amazónia cresceu 88% em junho e 278% em julho, comparativamente com o mesmo período do ano passado. No entanto, o Governo brasileiro nega esses dados.

E diz que as Organizações Não-Governamentais podem estar por trás dos fogos

“O crime existe, e isso aí nós temos de fazer o possível para que esse crime não aumente; mas nós tiramos dinheiros de ONGs. Dos repasses de fora, 40% ia para ONGs. Não tem mais. Acabamos também com repasse de dinheiro público. De forma que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro”, disse Bolsonaro esta quarta-feira no Palácio da Alvorada.

“Então”, acrescentou, “pode estar havendo, sim — pode, não estou afirmando — ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos.”

O presidente brasileiro tem o “sentimento” de que os incêndios estão a ser usados pelas organizações para fazer campanha contra o executivo. “Pelo que tudo indica, foi para lá o pessoal para filmar e tocaram fogo. Esse que é o meu sentimento”, afirmou, citado pelo portal G1.

Mas, qual é a importância de uma floresta tropical?

Pulmões do planeta, assim como os oceanos, as florestas absorvem entre 20% e 30% dos gases causadores do efeito estufa emitidos pelo homem, uma percentagem constante, apesar do aumento das emissões nas últimas décadas. De modo claro: sem elas, a mudança climática seria muito pior.

E o que se passa com estes pulmões do planeta?

Particularmente vulneráveis às mudanças climáticas e vítimas de uma desflorestação voraz, as florestas tropicais mostram sinais de dificuldades respiratórias, o que leva a temer que não consigam continuar a desempenhar o papel de sumidouros de carbono, algo vital para travar (ou abrandar) o aquecimento global.

O aumento de CO2 na atmosfera estimula a fotossíntese. A princípio, isto é uma boa notícia para o clima: mais árvores e folhas absorvem mais CO2, responsável pelo aquecimento global.

Nas florestas tropicais, que representam quase um terço dos três biliões de árvores do planeta, outros fatores — que vão do aumento das temperaturas até à falta de nutrientes — limitam a fotossíntese, segundo uma série de estudos publicados recentemente e citados pela agência France-Presse.

"Durante muito tempo, falou-se das florestas tropicais como sumidouros de carbono. As reservas de biomassa aumentavam de maneira regular. Mas atualmente a situação mudou: as reservas permanecem estáveis", explica Jean-Pierre Wigneron, do Instituto Nacional Francês de Investigação Agrónoma.

A partir de dados obtidos por satélite, o investigador e colegas calcularam que a biomassa vegetal aérea da zona tropical permaneceu estável desde 2010, como mostra um estudo publicado em julho na revista "Nature Plants".

Outra publicação, na "Nature Communication" desta semana, que também teve em consideração as emissões procedentes da terra, vai mais longe: os trópicos tornaram-se em contribuintes líquidos de CO2.

"Uma seca extensa e mudanças importantes na utilização das terras numa região, onde os solos são ricos em carbono, são condições que poderiam provocar uma libertação de carbono do solo", comenta o coordenador da investigação, Paul Palmer.

Em 2017, um estudo publicado na "Science" já tinha lançado o alarme, com a informação de que os trópicos emitiam mais CO2 do que capturavam, uma consequência do desmatamento que envia o gás para a atmosfera.

Além de confirmar a tendência, os dois novos estudos mostram a intervenção de outros fatores nas dificuldades das florestas tropicais para respirar: o aumento das temperaturas e a seca, observadas durante o fenómeno "El Niño" de 2015-2016.

Os governadores locais criticam Bolsonaro

Os governadores dos estados brasileiros da Amazónia criticaram as iniciativas do Governo do presidente Jair Bolsonaro, que levaram Noruega e Alemanha a suspender as suas contribuições para o Fundo Amazónia, contava no início da semana a agência France-Presse.

O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazónia Legal, do qual fazem parte nove dos 27 estados brasileiros, defende que estas contribuições permitem financiar a preservação da floresta da Amazónia e, num texto publicado no domingo, propõem "dialogar diretamente" com os países que financiam o Fundo Amazónia.

"O bloco amazónico lamenta que as posições do Governo brasileiro tenham provocado a suspensão dos recursos. Nós, governadores da Amazónia Legal, somos defensores incondicionais do Fundo Amazónia", refere a nota, assinada em nome do governador do Amapá, Waldez Góes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), presidente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazónia Legal.

Na nota, o consórcio diz ser "radicalmente contra qualquer prática ilegal de atividades económicas na região" e refere que os governadores contactaram o Governo federal brasileiro e as embaixadas dos países financiadores no sentido de iniciar conversas multilaterais com Estados estrangeiros.

Os governadores defendem também a criação de uma instituição regional, o Banco da Amazónia, que se encarregaria da gestão financeira do fundo, substituindo o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES).

O que é isso do Fundo Amazónia?

Criado em 2008, o Fundo Amazónia é mantido, maioritariamente, com doações da Noruega e Alemanha, e é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social.

A captação de recursos para o Fundo Amazónia é condicionada pela redução das emissões de gases de efeito estufa oriundas da desflorestação, calculados por um comité técnico — ou seja, é preciso comprovar a redução da desflorestação na Amazónia para viabilizar a captação de verbas.

Na semana passada, tanto a Alemanha como a Noruega suspenderam o envio de verbas para o Fundo Amazónia, justificando a decisão com o aumento da desflorestação daquela que é a maior floresta tropical do mundo.

A ministra alemã do Ambiente, Svenja Schulze, anunciou no passado dia 10, em entrevista ao jornal alemão ‘Tagesspiegel’, a suspensão do financiamento de projetos para a proteção da floresta e da biodiversidade na Amazónia, no valor de 35 milhões de euros, devido ao aumento da desflorestação na região.

"Apoiamos a região amazónica para que haja muito menos desflorestação. Se o Presidente [Bolsonaro] não quer isso por agora, então precisamos de conversar. Eu não posso simplesmente continuar a dar dinheiro enquanto continuam a desflorestar", acrescentou a ministra ao jornal alemão ‘Deutsche Welle’.

Da mesma forma, também a Noruega bloqueou a transferência de 30 milhões de euros para o Fundo Amazónia, considerando que Brasília "já não quer parar a desflorestação" e acusa-a de ter "rompido o acordo".

"O Brasil rompeu o acordo com a Noruega e com a Alemanha desde que suspendeu o conselho de administração e o comité técnico do Fundo Amazónia", afirmou o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, ao jornal norueguês ‘Dagens Naeringsliv' (DN), também durante a semana passada.

Desde que foi criado, em 2008, o fundo recebeu 828 milhões de euros oriundos da Noruega.

Mas o que quer Bolsonaro na Amazónia?

Desenvolvimento. Jair Bolsonaro está disposto a legalizar a mineração na Amazónia para levar o progresso aos territórios indígenas do país — apesar das críticas da comunidade internacional.

Quarenta anos depois da mina de "Serra Pelada", conhecida como a que já foi a maior mina de ouro a céu aberto do mundo, a corrida do ouro continua a cercar a Amazónia, onde a mineração persiste, apesar de décadas de luta contra a extração.

Segundo dados recolhidos pela Rede Amazónica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (Raisg) e divulgados em dezembro de 2018, o Brasil tem 321 pontos de mineração ilegal distribuídos em 132 áreas, concentrados nas margens do rio Amazonas e no rio Tapajós.

Indígenas e ambientalistas têm denunciado nos últimos meses um forte avanço dos mineradores na terra Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, que tem 9,6 milhões de hectares distribuídos entre os estados brasileiros de Roraima e Amazonas.

Estima-se que estiveram nas reservas 20.000 garimpeiros ilegais nos últimos meses, quase seis vezes mais do que há um ano, disse à Efe um ativista ambiental que trabalha na região e que prefere não se identificar por receio de represálias.

Na opinião do ativista, a mineração ilegal cresceu durante a crise económica que ainda é sentida no Brasil, e devido à redução do controlo na região e ao discurso do presidente Bolsonaro, que estimulou os mineradores.

Para o presidente, as proteções das reservas indígenas são um empecilho

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro reiterou a sua intenção de rever todas as demarcações indígenas que considera um obstáculo ao crescimento económico e de legalizar a mineração artesanal nessas terras protegidas.

"Eu quero que o índio, se ele quiser explorar a mineração na sua terra, faça isso, porque há diamantes e ouro nas reservas. E se o índio quiser plantar em sua terra, deixe-o fazê-lo, porque muitos dos 'defensores' da terra querem vê-los sem fazer nada e como seres pré-históricos ", disse Bolsonaro recentemente, citado pela Lusa.

A invasão de garimpeiros nas terras dos Yanomami — a maior desde 1992 — deixou um rasto de poluição nos rios, hoje manchados de mercúrio, e aumentou a sedimentação no leito, causando a destruição da floresta, segundo a ONG ISA.

A presença da mineração ilegal também é sinónimo de violência e prostituição e esconde um “risco iminente" de contacto com os índios isolados.

Bolsonaro, no entanto, considera que os indígenas estão a ser manipulados por organizações não-governamentais e assegura que os povos originários não querem que o Estado cuide das suas vidas.

E o que pensam os brasileiros?

Bom, uma sondagem mostrou que 86% dos brasileiros se opõem à entrada de empresas de mineração para a exploração de terras indígenas — é expressamente proibido por lei —, segundo um levantamento divulgado este mês pelo Instituto Datafolha, contratado pela ONG Instituto Socioambiental (ISA).

A atividade é atualmente ilegal, mas Bolsonaro pretende regularizá-la para oferecer "dignidade" aos trabalhadores e fornecer-lhes informações para "preservar o meio ambiente".

A Constituição brasileira estabelece que a mineração em territórios indígenas só pode ser realizada com a aprovação prévia de uma lei pelo Congresso Nacional.

Além disso, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece que os povos indígenas devem ser consultados em todas as fases de qualquer projeto de mineração "para determinar se seus os interesses estão a ser prejudicados".

(Com Lusa e AFP)