“Eu não faço totoloto com os cardeais e o Papa que vai vir”, porque a “Igreja tem sido surpreendida tantas vezes com coisas destas”, respondeu à Lusa o também bispo de Leiria-Fátima sobre a possibilidade de os portugueses com assento no conclave serem eleitos.

“Os cardeais que estão lá são gente consciente da responsabilidade que têm”, confiou José Ornelas, considerando que o caminho trilhado por Francisco será para continuar.

Por isso, “não é propriamente uma questão de impor uma linha”, mas “vai ser sobretudo que tipo de linguagem, que tipo de atitudes é que a gente vai escolher para continuar este caminho da Igreja”, explicou.

Antes do conclave, que só deve ter início depois do luto oficial de nove dias decretado pela Santa Sé pela morte de Francisco, decorrem Congregações Gerais de cardeais que servem para discutir o dia-a-dia do funcionamento da cúria, mas também questões da Igreja.

Vários analistas apontam que o discurso de Bergoglio há 12 anos foi decisivo para ser eleito sucessor de Bento XVI. Em 2005, quando Ratzinger foi eleito, a homilia que fez na missa exequial de João Paulo II foi considerada essencial para assegurar uma vitória no conclave que se seguiu.

Desta vez, a missa exequial foi presidida pelo decano do colégio dos cardeais, Giovanni Batista Re (95 anos), que já não terá assento no conclave, mas a sua homilia elencou a ação do Papa Francisco em favor do migrantes e refugiados, bem como os seus esforços em prol da paz, além do processo de transformação da Igreja Católica.

Agora, durante “estes dias, vai haver diálogo entre os cardeais” para se conhecerem e perceberem as ideias de cada um, salientou Ornelas.

Por isso, “mais do que fazer totoloto”, os fieis “devem fazer ‘toto-oração’ para se unirem àqueles que vão escolher o Papa e sentirmo-nos também corresponsáveis na nossa atitude de oração e de fraternidade para que seja escolhido o homem que Deus quer para guiar a Igreja”, defendeu o presidente da CEP.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) prometeu hoje aos católicos portugueses que o caminho de abertura iniciado pelo Papa Francisco é “algo sem retorno”, com mudanças estruturais a serem decididas na assembleia eclesial em 2028.

“É evidente que o estilo do ministério do Papa Francisco não sairá da mesa mental dos cardeais eleitores”, afirmou José Ornelas, presente em Roma para o funeral do líder da Igreja Católica.

“Hoje em dia já há coisas que já não se podem dizer e fazer dentro da Igreja” depois “deste caminho feito” pelo Papa Francisco, considerou o presidente da CEP.

“Eu não acredito que seja possível um retorno a maneiras de ver a Igreja que contradigam o fundamental de tudo isto: todos somos verdadeiramente irmãos, porque temos um mundo, um pai no céu, e todos também temos o dever e o gosto de trabalhar e de agir dentro da Igreja e de lutar por um mundo melhor em ligação com os outros”, procurando “criar pontes” com outros setores da sociedade, defendeu o também bispo de Leiria-Fátima.

Para o presidente da CEP, Francisco deixa “um caminho riquíssimo” para a Igreja, desde os documentos pastorais que incluem preocupações com a “ecologia da humanidade”, mas também a promoção da discussão interna para promover alterações estruturais na relação com o mundo.

O Caminho Sinonal, um projeto de auscultar todos os setores da igreja para discutir temas até então tabu, desde o papel das mulheres, aos divorciados passando pelas minorias sexuais, deverá ter como ponto final uma grande assembleia eclesial em 2028, onde serão apresentadas as propostas finais.

Sobre o futuro, Ornelas recusa ter medo: “Pode não ser tudo igual, mas encontramo-nos juntos, pelo menos a lutar para chegarmos a uma compreensão diferente que não seja simplesmente o conflito”.

Alimentar os “medos é jogar na teoria do conflito”, considerou, admitindo que existem vozes conservadoras, que considera minoritárias.

“Sabemos que o Papa tinha, de facto, pessoas dentro da Igreja que discordavam, até a nível hierárquico”, mas “mesmo essas pessoas, que têm uma visão mais hierárquica das coisas, não estariam tão livres para impor um programa desses a esta Igreja que faz este caminho sinodal desde há quatro anos”, assegurou.

O projeto sinodal faz com que a “Igreja caminhe com a humanidade ao serviço de todos e este ‘todos, todos, todos’ que sai da Jornada Mundial da Juventude”, em Portugal, mostra que “todos têm lugar nesta casa”, explicou José Ornelas.

Francisco “disse ‘daqui a três anos, vamos fazer uma assembleia eclesial, não só simplesmente de bispos, mas uma assembleia eclesial para ver o que é que a Igreja já mudou a partir” desta discussão interna, recordou o líder da CEP, considerando que o Papa deixa “um percurso que foi começado” e que permite “abrir tantos percursos novos”.

Por isso, “a questão do Sínodo não pode ser interrompida”, porque não basta “pensar num documento para dar aos fiéis” com normas de funcionamento, mas o Papa quis “envolver os fiéis na elaboração desse documento e não simplesmente contar com eles como os destinatários, mas como protagonistas do caminho da Igreja”.

“Não estamos a falar de temas simplesmente eclesiais. O caminho da sinodalidade para a Igreja” é “mais do que isso”, porque vai definir a relação com o mundo por parte dos católicos.

“Isto não nasceu simplesmente com o Papa Francisco”, mas Bergoglio “ligou-os num discurso compreensível para todos”, disse José Ornelas.

Francisco morreu “numa casa de serviço”, algo que “também é simbólico”, numa referência à sua escolha de ficar na casa de Santa Marta em vez do Palácio Apostólico.

E, com a sua morte, deixou “um legado de estímulo” à Igreja, exortando-a a “levantar-se e caminhar”, acrescentou.

A presença no Santuário de Fátima ajudou o jesuíta Francisco a tornar-se mais mariano e incentivou-o a defender o papel da mulher na Igreja Católica, afirmou hoje o bispo de Leiria-Fátima.

O Papa Francisco foi sepultado na única basílica papal de Roma devotada ao culto mariano, Santa Maria Maior, um caminho que surpreendeu quem o conhecia no passado, reconheceu José Ornelas, também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

Muitos elementos do clero católico “rejeitam a mariolatria”, o culto excessivo a Nossa Senhora, reagindo “contra uma Maria que parecia contraposta à ideia de Deus e de Jesus como central”, admitiu o sacerdote, em declarações à Lusa.

Como Francisco, “eu também fui aprendendo a conhecer Fátima”, salientou o prelado madeirense (71 anos), que já foi bispo de Setúbal, recordando as conversas com o líder da Igreja Católica, que morreu na segunda-feira.

“O Papa disse-me a mesma coisa num encontro pessoal que tive com ele antes da Jornada Mundial da Juventude: ‘Sabes, eu não tinha nem sequer uma grande perceção de Fátima, mas quando fui a Fátima, sabes o que é que me impressionou? O silêncio”, recordou José Ornelas.

“Para mim, desde aquele dia em que, de joelhos, diante da imagem [de Maria] e sentia as moscas, para mim, Fátima passou a ser um conceito de silêncio e de escuta”, acrescentou ainda o bispo, recordando a conversa com Francisco.

No seu entender, “quando se escuta o coração da Igreja que bate em Fátima como bate noutros lugares”, é visível que “Maria é um caminho leva as pessoas a entenderem o mistério da vida, o mistério da fé, o mistério da Igreja, o mistério de Deus”.

Por outro lado, o culto mariano é também um caminho para valorizar o papel da mulher na Igreja, salientou José Ornelas, admitindo que ainda há muito por fazer nesse processo.

Maria lembra a “existência do feminino que falta trabalhar na Igreja e que se deve trabalhar, uma herança que este Papa tem repetido à sociedade para quem quer ouvir”, disse.

“Quando o Papa fala tanto de mulheres”, há quem diga que “Maria ofusca o papel do feminino na Igreja, mas, bem pelo contrário, ela põe a mulher no centro para dizer que queremos uma igreja materna e paterna”, explicou.

“As metáforas do pai e da mãe servem-nos muito para entender quem é Deus” e essa visão até poderia ser estendida, considerou José Ornelas: “podíamos chamar mãe nossa que estás nos céus”, numa referência à principal oração católica.

Nascido como Jorge Mario Bergoglio em Buenos Aires, em 17 de dezembro de 1936, Francisco foi o primeiro jesuíta e o primeiro latino-americano a chegar à liderança da Igreja Católica.

A sua última aparição pública foi no domingo de Páscoa, no Vaticano.

*Por Paulo Agostinho da Agência Lusa