As ações foram organizadas pelo coletivo Humans Before Borders (HuBB), inserida na campanha “Evacuar Moria já”, à semelhança de outros países europeus, com o objetivo de “fazer pressão sobre o Governo e despertar a sociedade civil” para que os refugiados possam ser dispersados pelos países da UE, disse à Lusa Raul Manarte, psicólogo humanitário e um dos organizadores.

“É uma realidade tão terrível e inacreditável que é a nossa obrigação mostrar o que acontece de há cinco anos para cá, as condições são deploráveis, não são admissíveis ou imagináveis. Não há água quente, eletricidade ou um psiquiatra na ilha. Já tive menores com ataques de pânico porque souberam que a família morreu no Afeganistão e tive que retirá-los para atender pessoas que foram esfaqueadas”, relatou o também músico, que esteve no campo situado na ilha grega de Lesbos, em fevereiro.

No Porto, em frente do Centro Português de Fotografia (antiga Cadeia da Relação), cerca de uma centena de pessoas acabou por se juntar à demonstração que seguiu as regras da Direção Geral da Saúde para a covid-19, com distanciamento social e uso de máscara, empunhando cartazes em que se podia ler: “Estamos no mesmo barco”, “Solidariedade não tem bandeiras” ou “O meu nome é Europa e não vi nada”.

Além dos relatos dos ativistas, escutou-se ainda um longo áudio gravado durante e depois do incêndio no campo de refugiados, marcado também pela violência policial que se seguiu com gás lacrimogéneo lançado sob os deslocados que exigiam melhores condições e clamavam por liberdade.

No início deste mês, chegaram a Portugal 25 menores não acompanhados de Moria e há o compromisso do Governo de acolher mais 28 até ao final do mês, além da disponibilidade mostrada pelo executivo de receber 500 crianças desacompanhadas e do acordo bilateral com a Grécia, que prevê o acolhimento até 1.000 pessoas dos vários campos de refugiados do país helénico.

“Não há falta de recursos económicos e humanos, esta roda gigante da política nacional e internacional só gira se a sociedade civil a empurrar com muita força e todos juntos, quando isso acontece as coisas rolam. Temos chamado atenção para Moria, a consciencialização aumentou e fomos ouvidos no Parlamento. Como fomos ao Parlamento, conseguimos aumentar a pressão e o governo decidir acolher menores. Falta mais ação da sociedade civil ou do governo ou uma coisa está dependente da outra?”, questionou Raul Manarte.

Para o psicólogo, que participou em várias missões humanitárias noutros países, a sociedade civil tem um poder determinante ao “capitalizar a vontade política” e admitiu que tem havido progresso, tanto na sociedade, como na classe política, usando como exemplo a ação de hoje que foi marcada com dois dias de antecedência e uma angariação de fundos durante a pandemia que teve “uma resposta inacreditável”.

“Faltam duas coisas à sociedade civil: acesso a informação precisa e opções de ação, ou seja, mostrar o que podem fazer para ajudar. Se não souberem o que se passa, não vão fazer nada, se forem apenas invadidas por notícias deprimentes, sem a sensação que têm poder para mudar algo, também não vão fazer nada. Tentamos dar as duas coisas, informação e opções de ação”, indicou.

Tal como na cidade nortenha, em Lisboa participaram “entre 100 e 200 pessoas” na manifestação que se realizou em frente ao Teatro D. Maria II, que “ironicamente” exibia a mensagem “bem-vindos a casa”, segundo a ativista Sofia Grilo.

Além da organização deste tipo de ações, o coletivo HuBB compromete-se a enviar uma carta por dia ao primeiro-ministro, ministro dos Negócios Estrangeiros, ministra de Estado e da Presidência, e ao ministro da Administração Interna.

“As cartas e as manifestações vão continuar até haver ação, para além de intenção e boa vontade. Para as coisas resultarem têm de ser feitas a longo prazo, porque isto depois passa e os decisores já não sentem essa pressão, tens que meter sempre o assunto na praça e agrupar a sociedade civil sem a sobrecarregar. Não queremos desanimar as pessoas com tantas notícias más, queremos aumentar empatia e puxar a ação”, finalizou Raul Manarte.

Milhares de famílias dormem no asfalto, nas calçadas ou no campo em Lesbos há várias noites, depois dos gigantescos incêndios de terça e quarta-feira, que destruíram o centro de registo e de identificação de Moria, sem causar vítimas.