“Uma vez que estou aqui como ex-ministro, não é como ex-secretário de Estado, académico ou técnico, vou recordar a situação como a encontrei quando assumi o cargo de ministro da Economia, em 12 de março de 2005: havia em Portugal um verdadeiro ‘cocktail’ explosivo no setor elétrico”, declarou Manuel Pinho.
Falando na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas na energia, o antigo governante do executivo socialista de José Sócrates acrescentou que “Portugal tinha um elevado défice na sua balança de eletricidade com Espanha e importava a quase totalidade dos combustíveis fósseis que consumia”.
“Era muitíssimo superior aos maiores défices de balança de pagamentos que jamais foram atingidos”, observou.
No que toca às empresas energéticas, “viva-se um pântano em resultado da situação criada pelo cruzamento dos interesses políticos e económicos”.
“A Galp estava na iminência de ser controlada por uma empresa italiana [ENI] […], a EDP, por seu lado, estava na iminência de ser controlada pela maior empresa elétrica espanhola [Iberdrola]”, precisou Manuel Pinho.
Ao mesmo tempo, teve conhecimento de “um projeto nuclear de 1.600 MWh” e, também nessa altura, a Comissão Europeia aplicou um “processo a Portugal por atraso na transposição de diretiva sobre liberalização do mercado de eletricidade”.
“Como se diz na gíria, não tive um minuto para respirar”, referiu.
E assinalou: “Vou cometer uma inconfidência - não sou um herói e só não me demiti logo do cargo de ministro porque senti que nunca mais me conseguiria olhar ao espelho se fosse incapaz de resistir aos ‘lobbys’”.
“Foram tempos muito difíceis, mas passados dois anos tudo tinha mudado”, sublinhou Manuel Pinho, falando em decisões como não permitir entrada de capital estrangeiro na Galp e na EDP, não dar aval ao projeto nuclear, que iria “criar um monstro energético”, e estipular “metas de eficiência energética ambiciosas”.
Perante os deputados, o antigo governante assegurou que “não teria ficado no governo nem mais um dia se estes projetos contra o interesse nacional tivessem ido avante”.
“Continuo a acreditar que cumpri o meu dever de defender o interesse nacional”, argumentou, notando que assume “todas as decisões políticas de energia” tomadas enquanto foi ministro.
O nome de Manuel Pinho tem surgido diversas vezes nas audições da comissão de inquérito, sendo o ministro que tinha a pasta da economia, em 2007, aquando da passagem dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) para Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).
Manuel Pinho assumiu a decisão tomada em Conselho de Ministros no dia 15 de março de 2007, que alterou o decreto-lei de 2004, fixando o preço das compensações a pagar à EDP em 50 euros o megawatt/hora (Mwh), ao contrário dos anteriores 36 euros por MWh.
Hoje, na audição, o antigo governante considerou que “a esmagadora maioria dos portugueses não quer saber nada de rendas excessivas”.
“Quer é ver baixar as faturas [da luz] e isso não acontece pela voracidade fiscal do Estado”, justificou.
Numa anterior audição, nesta comissão de inquérito, Pedro Sampaio Nunes - secretário de Estado do governo de Santana Lopes que criou os CMEC - disse que, em 2004 e em 2005, "não havia dinheiro nenhum" e, por isso, "pesou o facto de se poder engordar o porco numa futura privatização da EDP".
Aludindo a esta expressão, Manuel Pinho indicou hoje que, apesar “das políticas públicas que tiveram como objetivo engordar o porquinho”, os lucros da EDP “não aumentaram” desde 2005.
“Por mais que se alimente este porquinho, ele não engorda”, adiantou.
Antes, numa audição parlamentar de 17 de julho deste ano, Manuel Pinho explicou que herdou a parte final da execução dos CMEC, pagos à EDP, realçando que a conceção, aprovação e autorização foram de governos do PSD.
Referindo-se à privatização da EDP, Pinho afirmou então que "a política do Governo", que integrou liderado por José Sócrates, era a "salvaguarda do interesse estratégico nacional", defendendo ainda que "o PSD é o pai dos CMEC e a mãe das barragens".
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