Marcelo Rebelo de Sousa discursava na Academia das Ciências de Lisboa, na sessão de lançamento do livro "Mário Soares, 100 Anos", com fotografias de Alfredo Cunha e Rui Ochoa e textos de Clara Ferreira Alves, que contou com a presença do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, na primeira fila.

No mês em que se assinala o centenário do nascimento do antigo presidente da República Mário Soares, o chefe de Estado questionou: "E agora? O vazio do contraste entre aquilo que evocámos e o quotidiano que vivemos, como vamos compaginar?".

Em seguida, defendeu que se deve pegar nos "traços essenciais afirmados por Mário Soares" e sublinhar "a sua importância em Portugal de 2024, 2025", a começar pela "luta contra a ditadura".

"A maioria esmagadora dos portugueses hoje não sabe o que é lutar contra uma ditadura. Não sabe, nunca lutou. E por isso também não dá grande valor, ou o valor que deveria dar à democracia", considerou.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, "é preciso recordar a diferença entre ditadura e democracia todos os dias, sobretudo naqueles dias em que há menor aceitação para os erros da democracia", e estar alerta para "o plano inclinado de uma democracia iliberal para a ditadura", que é "tantas vezes sedutor, mas perigosíssimo".

"Depois, recordar que as democracias dependem de uma prioridade cimeira que se chama povo. A soberania popular não é apenas uma inscrição na Constituição. Mário Soares foi o exemplo de quem acreditou nisso e viveu isso toda a vida. É o povo quem mais ordena, não é uma inspiração providencial, não é um messianismo vindo do mesmo ou de outro planeta. Não, tem de ter legitimidade popular", acrescentou.

O presidente da República elogiou também "a luta de Mário Soares" depois do 25 de Abril de 1974, "de cada vez que entendeu que havia um desvio em relação à vontade popular, o constrangimento em relação à vontade popular", quando "o povo votara na Constituinte a realidade era o oposto da Constituinte" eleita em 25 de Abril de 1975.

"Era preciso que a legitimidade eleitoral vencesse a legitimidade revolucionária, respeitando o papel que ela tinha tido inicialmente, mas que se esgotara pelo próprio reconhecimento dos capitães de Abril. Pois essa foi uma luta que durou até à primeira revisão da Constituição [em 1982], e prosseguiu depois até à eleição do primeiro presidente da República civil [nas presidenciais de 1986, que o próprio Mário Soares venceu, sucedendo ao general Ramalho Eanes]", referiu.

Na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, atualmente, sobretudo os mais novos "não têm certamente essa noção, e no entanto é um ensinamento da vida de Mário Soares".

"Outro ensinamento: o de que não há democracia sem liberdades, todas, todas. E a capacidade de abrir para mais igualdade, mais justiça social. E quando se diz todas: as liberdades de representação política, o papel dos partidos políticos, o papel do parlamento", apontou.

O chefe de Estado realçou como "Mário Soares respeitava o papel do parlamento" e o quanto isso é importante: "Porque em democracia há erros e os partidos cometem erros e desgastam-se pelos erros que cometem, mas a solução não é suprimir os partidos, diminuir os partidos ou reduzir o papel dos Parlamentos. É, pelo contrário, reformá-los".

Segundo o presidente da República, "esse é um desafio de Mário Soares hoje, amanhã, depois da manhã, nos próximos dias, semanas, meses e anos: corrigir para não deixar criar vazios".

"Porque, tendo a política como a economia e a sociedade do horror ao vazio, o vazio pode ser preenchido não por uma democracia mas por uma democracia dita iliberal, meio caminho para a ditadura", advertiu.