Do que se trata?

De visita ao Brasil para assistir à tomada de posse de Lula da Silva, Marcelo Rebelo de Sousa gravou a sua tradicional mensagem de Ano Novo aos portugueses na Embaixada de Portugal em Brasília.

E o que disse?

A principal mensagem foca-se na gestão de expectativas quanto a 2023, especialmente tendo em conta de que se esperava que 2022 fosse um ano bem melhor do que acabou por ser, a nível global.

Se “2022 parecia ir ser um ano de desconfinamento, de viragem e de esperança”, o Presidente da República constatou que um ano depois “a pandemia [de covid-19] não desapareceu nalgumas áreas do globo” e “a guerra ultrapassou a diplomacia, sem a certeza quanto ao tempo e aos efeitos”.

“Um ano depois, sabemos que, em Portugal, apesar daquilo em que estivemos melhor do que muita Europa, 2022 não foi o ano da viragem esperada e entramos em 2023 obrigados a evitar que seja pior do que 2022”, alertou.

Portanto, fez um balanço de 2022?

Em parte, sim. O Presidente da República começou por destacar que, há um ano, Portugal estava em vésperas de eleições legislativas antecipadas.

“Um ano depois, sabemos que os portugueses escolheram dar maioria absoluta ao partido que governara nos seis anos anteriores, passando a não depender, portanto, dos antigos apoios partidários, nem de um entendimento com o maior partido da oposição”, observou.

“Um ano depois, sabemos que Portugal aguentou melhor do que alguma Europa no crescimento, no turismo, no investimento estrangeiro, na autonomia energética e no défice do Orçamento, mas sofreu e sofre na subida dos preços, no corte dos rendimentos, no corte dos salários reais, nos juros da habitação, no agravamento da pobreza e nas desigualdades sociais”, enfatizou.

Sobre a expectativa de que os fundos europeus, “somados ao turismo e ao investimento estrangeiro, já em alta, iriam fazer de 2022 o ano da viragem”, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que um ano volvido se sabe que a Europa “se viu forçada a ocupar-se mais tempo com a guerra [na Ucrânia] e com a reação à dependência, na energia e na inflação, do que com os fundos europeus – como usá-los e controlá-los – com o crescimento das economias, com as suas reformas internas, com o seu papel global no mundo”.

“Um ano depois, sabemos que o crescimento no mundo não existiu ou foi insignificante, o comércio internacional não se normalizou, a subida dos preços disparou, a pobreza e as desigualdades da guerra somaram-se à pobreza e às desigualdades da pandemia”, acrescentou ainda.

Por estas razões, Marcelo afirmou ainda que “2023 pode vir a ser, no mundo, na Europa e em Portugal, o ano mais importante até 2026, senão mesmo até 2030”.

E que mais disse o Presidente da República?

Apontou baterias ao Governo, lembrando que este, tendo maioria absoluta, tem “responsabilidade absoluta” no que toca à manutenção da estabilidade política existente em Portugal.

Para o Presidente da República, só o Governo e a sua maioria “podem enfraquecer ou esvaziar” a estabilidade política “ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade”.

“Está ao nosso alcance tirarmos proveito, neste tempo de guerra e de instabilidade noutras paragens, da situação privilegiada de paz e de segurança, para atrairmos turismo, investimento externo e localização de recursos humanos qualificados”, defendeu.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, está também ao alcance de Portugal tirar “proveito de fundos europeus que são irrepetíveis e de prazo bem determinado”.

“Ora, tudo isto está ao nosso alcance. E nunca me cansarei de insistir que seria imperdoável que o desbaratássemos”, avisou. Por isso, salientou, o ano que agora começa “é decisivo”.

“Se o perdermos, em intervenção internacional, em atuação europeia, em estabilidade que produza resultados e que seja eficaz, em oportunidade de atração de pessoas e meios, em uso criterioso e a tempo de fundos europeus, de nada servirá a consolação de nos convencermos de que ainda temos 2024, 2025 e 2026 pela frente”, afirmou.

Como reagiram os partidos?

  • O secretário-geral adjunto socialista, João Torres, sublinhou "uma convergência plena" com a mensagem de Ano Novo de Marcelo, garantindo que o PS tem todas as condições "para continuar a assegurar a estabilidade política" em Portugal. O dirigente do PS garantiu ainda que o partido “honrará essa escolha por parte dos portugueses e o compromisso da estabilidade que firmou com eles na sequência” das eleições legislativas antecipadas que venceu com maioria absoluta em 2022.
  • O presidente da Mesa do Congresso do PSD, Miguel Albuquerque, afirmou em nome do partido que a atual crise política resulta das “barafundas do Governo” socialista, que classificou como “um corpo político em decomposição”, que está “atolado numa bolha” e é “fulcro de guerras internas entre ministros”. “A constatação é só uma: 2022 foi um ano perdido e 2023 começa com uma crise política inesperada, curiosamente que surgiu no seio do próprio Governo”, disse o também chefe do Governo Regional.
  • O Chega acusou Marcelo de falhar na sua mensagem por não ter dado um "alerta vermelho" e "não exigir responsabilidade política" ao Governo pela sucessão de demissões. André Ventura realçou a importância de Marcelo Rebelo de Sousa não querer “ser um fator de instabilidade”, mas deixou uma crítica forte porque “foge aos temas que preocupam os portugueses”, como a “enorme crise política” com sucessivas demissões no executivo.
  • A Iniciativa Liberal admitiu rever-se na mensagem de Ano Novo do Presidente da República, mas criticou Marcelo Rebelo de Sousa por ser pouco exigente com o Governo num momento de instabilidade governativa. O líder parlamentar liberal, Rodrigo Saraiva, afirmou que, “infelizmente”, o Presidente põe “todo o ónus da estabilidade no Governo, o que demonstra que deveria ele próprio ser mais criterioso e mais exigente” com o executivo num momento de crise política, após a demissão de três governantes em poucos dias.
  • O Bloco de Esquerda usou a mensagem de Marcelo para acusar o Governo de estar desfasado da realidade ao falhar na identificação de "um conjunto de problemas sociais" que "precisam de resposta". “O Presidente da República faz referência a um desfasamento da realidade e, claramente, parece ser essa a situação em que está o Governo do Partido Socialista, de não identificação de um conjunto de problemas sociais, nos serviços públicos, na política de rendimentos, na habitação, que precisam de resposta, precisam de uma atuação radicalmente diferente daquela que está a ter o governo do PS”, afirmou o eurodeputado do BE José Gusmão.
  • O PCP colou Marcelo ao Governo, considerando que a mensagem de Ano Novo mostrou que, no "fundamental", partilha das visões do executivo, avisando que sem combate às desigualdades, a instabilidade governativa surgirá "independentemente da expressão institucional" do executivo. “Neste início do novo ano, o que os portugueses esperariam ouvir do senhor Presidente era a afirmação do seu papel em fazer cumprir a Constituição e os direitos que nela estão consagrados”, afirmou o dirigente comunista Jorge Pires numa reação ao discurso de Ano Novo do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, adiantando que “nesse plano” a mensagem foi “escassa”.
  • O Livre concordou com a ideia defendida pelo Presidente da República de que “2023 é decisivo”, alertando que “Portugal tem 10 anos para se reinventar”. Rui Tavares defendeu que a mensagem de Ano Novo de Marcelo Rebelo de Sousa foi “muito clara” e que o Presidente da República “tem razão”. “Se me permitem ser mais enfático ainda, Portugal tem 10 anos para se reinventar e é bom que o Presidente da República, os políticos em geral, os comentadores toquem a rebate porque toda a sociedade tem que se consciencializar que estando a Europa em mudança, em transformação acelerada e estando a democracia sob riscos acrescidos em vários países, mas também em Portugal, caso a política falhe em dar respostas ao país, nós falharemos esta janela muito curta para o país se reinventar”, alertou.
  • Inês de Sousa Real, do PAN, disse esperar que, no ano que começou, o primeiro-ministro “esteja disponível a voltar à Assembleia da República com mais regularidade” e o Presidente da República “se mantenha vigilante” tendo em vista a manutenção da estabilidade.