Marcelo Rebelo de Sousa falava na apresentação do novo livro do ex-chefe de Estado cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca, intitulado “Escritos Ucranianos”, que decorreu no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa.

Numa intervenção a encerrar a apresentação da obra, o chefe de Estado português lembrou a reação europeia ao conflito na Ucrânia, que teve início em fevereiro de 2022 após a invasão da Federação Russa, com “sondagens, opiniões públicas” que foram “esmagadoramente pró ucranianas”, salientando que tal “não foi assim” em África, na América latina ou na Ásia.

“Eu tive diálogos vigorosos na altura da cimeira dos Oceanos [da Organização das Nações Unidas, que decorreu em Lisboa], já a guerra tinha começado há alguns meses, estávamos no verão do ano passado, com pares de países irmãos que só não terminaram muito mal porque nos dávamos muito bem, do ponto de vista das relações povo a povo, Estado a Estado e pessoa a pessoa, mas muito duras (…) o gelo com que terminou a conversa…”, descreveu Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República explicou algumas das dificuldades que teve no diálogo com outros chefes de Estado de vários continentes sobre a guerra, detalhando que uma delas era explicar “primeiro, que não era uma guerra europeia, [era] entre dois estados vizinhos que tinham querelas antigas, históricas, e que, portanto, era um assunto que devia ser resolvido entre eles sem intervenção de mais ninguém”.

“Segundo, que não era uma guerra que estava a criar problemas económicos e financeiros para todo o mundo, e portanto, era injustíssima em relação aos outros continentes, porque ignorava os outros continentes. Terceiro, que não era capaz de explicar aos outros continentes que tinha uma natureza global e que não só todos sofriam, como todos eram implicados no que estava em causa”, disse.

“Eu estava, por exemplo, em países africanos, e o relevo dado à guerra era, depois daquele período mais apaixonado inicial, foi diminuindo na comunicação social, e era minúsculo. Muito mais importante era o que sucedia ali em países vizinhos ou em questões internas, e portanto, era muito difícil de explicar”, detalhou.

Marcelo lembrou uma votação no âmbito das Nações Unidas em que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) “se partiu, não foi ao meio: ficou uma minoria a votar a condenação [da ação russa] e a maioria ou saiu da sala ou se absteve”. Marcelo acrescentou: “Foi uma, depois isso conheceu alteração imediatamente subsequente, mas falava-se”.

“O que é facto é que isso dá a este livro, na altura em que começou a ser escrito, um lado inédito, porque foi uma opção apaixonada, foi uma coisa afetiva”, considerou Marcelo Rebelo de Sousa sobre a obra do ex-chefe de Estado cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca.

O chefe de Estado português deixou vários elogios ao antigo Presidente de Cabo Verde, que considerou “um amigo”, dizendo que Jorge Carlos Fonseca “é um grande ex-Presidente” e gracejando que também está “a estagiar para isso”.

Também Jorge Carlos Fonseca, momentos antes, destacou a relação “de amizade, muita cumplicidade” entre si e Marcelo Rebelo de Sousa.

“Escritos Ucranianos” é o primeiro livro que o ex-presidente da República de Cabo Verde Jorge Carlos Fonseca publica na Imprensa Nacional Casa da Moeda de Portugal, na coleção “Olhares”.

Trata-se de uma coleção que a editora pública dedica ao género ensaio, composto por cem fragmentos, entre poesia e prosa poética, que refletem o conflito do leste europeu a partir das ilhas atlânticas de Cabo Verde.

Jorge Carlos Fonseca, de 72 anos, foi Presidente de Cabo Verde, em dois mandatos, de 2011 a 2021, e até ao momento publicou 27 livros, entre jurídicos, poesia, contos, prosa, crónicas.

Político (da área do Movimento para a Democracia — MpD, no poder em Cabo Verde), jurista nas áreas de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional, professor universitário e escritor, foi o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros após as primeiras eleições livres em Cabo Verde (1991) e foi eleito o quarto Presidente em 07 de agosto de 2011 — e reeleito em 2016 -, após ter falhado a eleição na primeira tentativa, em 2001.