Estes dois vetos foram anunciados através de uma nota no sítio oficial da Presidência da República na Internet.

De acordo com essa nota, Marcelo Rebelo de Sousa vetou a alteração do regime de atribuição do nome próprio "considerando que o decreto não garante um equilíbrio no respeito do essencial princípio da liberdade das pessoas".

Quanto às medidas a adotar pelas escolas para implementar a lei que estabelece a autodeterminação da identidade e expressão de género, o chefe de Estado considera que "o decreto não respeita suficientemente o papel dos pais, encarregados de educação, representantes legais e associações por eles formadas, nem clarifica as diferentes situações em função das idades".

O Presidente da República devolve este diploma para que a futura Assembleia da República "pondere introduzir mais realismo numa matéria em que de pouco vale afirmar princípios que se chocam, pelo seu geometrismo abstrato, com pessoas, famílias, escolas em vez de as conquistarem para a sua causa, numa escola que tem hoje em Portugal uma natureza cada vez mais multicultural".

Relativamente ao chamado "nome neutro", Marcelo Rebelo de Sousa defende que "é legítimo como escolha dos progenitores", mas que "não deve impedir a opção por nome não neutro se for essa a vontade de quem teve essa decisão".

O chefe de Estado critica também esse decreto por "permitir que uma pessoa, que decida mudar de género, possa fazer registar unilateralmente essa alteração em assentos de casamento dessa pessoa ou de nascimento de filhos, nomeadamente menores, sem que a pessoa com quem foi ou é casada seja consultada ou sequer informada, tal como sem que o outro progenitor ou o filho maior se possam pronunciar ou ser informados".

Em carta dirigida à Assembleia da República, o Presidente afirma que "estes dois pontos justificam a devolução sem promulgação" do decreto que modifica o regime de atribuição do nome próprio e de averbamentos aos assentos de nascimento e de casamento, alterando o Código do Registo Civil.

Apesar das críticas, o chefe de Estado vê no decreto uma tentativa de "garantir um equilíbrio no respeito do essencial princípio da liberdade das pessoas" e assinala a "não imposição, mas também não proibição, de os progenitores indicarem o sexo dos seus descendentes menores no seu registo de nascimento".

Este decreto foi aprovado em votação final global em 05 de janeiro, com votos a favor da maioria das bancadas do PS e do PSD, da IL, do BE, PAN e Livre, votos contra do Chega e de 21 deputados do PSD. Abstiveram-se o PCP, nove deputados do PSD e oito do PS. Foi enviado para promulgação em 17 de janeiro.

O decreto que estabelece o quadro jurídico para a emissão das medidas administrativas a adotar pelas escolas para a implementação da Lei n.º 38/2018, que estabelece a autodeterminação e estabelece o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género foi aprovado há mais tempo, em 15 de dezembro.

Teve votos a favor de PS, BE, PAN e Livre, votos contra de PSD, Chega e IL e a abstenção do PCP. Seguiu para promulgação em 10 de janeiro.

Entretanto, em 15 de janeiro a Assembleia da República foi dissolvida. Só depois das legislativas antecipadas de 10 de março estas matérias poderão voltar a ser objeto de legislação.

Segundo o chefe de Estado, "a aplicação nas escolas das medidas preconizadas no diploma tem necessariamente de ser ajustada às várias situações e, em particular, a idade das crianças e adolescentes" e nesta matéria é preciso ter em conta "o papel dos pais".

"O decreto peca por uma quase total ausência desse papel de pais, encarregados de educação, representantes legais e de associações por eles formadas", critica, na carta enviada à Assembleia.

Para o Presidente, "o tipo de medidas a aplicar tem de ser adaptado às várias idades, incluindo a capacidade jurídica de tomar decisões, sendo que os pais ou tutores legais têm uma intervenção essencial".

"Mas, muito mais importante é o facto de que as medidas previstas neste diploma se aplicam quer a crianças de 5/6 anos, quer a adolescentes de 13 ou 14. E, neste plano, não é apenas a questão abstrata da capacidade jurídica que conta, é a da capacidade psicossociológica e da sua conjugação com o papel de pais, encarregados de educação, ou representantes legais", acrescenta.

De acordo com o chefe de Estado, não se deve "lidar com crianças de 5/6 anos do mesmo modo que com adolescentes de 13/14 anos, sem sequer se prever a participação consultiva, mesmo não vinculativa, de pais ou encarregados de educação na definição das medidas e sua adequação a cada situação escolar", quando estão em causa "as atividades a desenvolver na escola, o vestuário ou o acesso a casas de banho ou balneários".

"No mínimo, um papel acrescido de pais, encarregados de educação e representantes legais ou suas associações, poderia introduzir realismo numa matéria, em que de pouco vale afirmar princípios que se chocam, pelo seu geometrismo abstrato, com pessoas, famílias, escolas, em vez de as conquistarem para a sua causa", argumenta.