A presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressivos, Maria João Rodrigues, considera que a União Europeia "vai ter mesmo" de avançar em matéria de asilo, energia ou segurança, em que “tem estado a marcar passo", perante a guerra na Ucrânia.

"A União Europeia, para responder a uma mudança tão drástica do seu contexto, está agora a dar-se conta de que tem de se dotar de instrumentos que tem hesitado em construir, mas que agora vai ter mesmo de construir", disse à Lusa a ex-eurodeputada e antiga ministra do Emprego.

Entre esses instrumentos estão, para Maria João Rodrigues, "um verdadeiro sistema europeu de asilo, com uma verdadeira coordenação entre os Estados-membros", e "uma política enérgica" que responda "à transição climática" e, em simultâneo, "que garanta uma união energética europeia e uma maior autonomia da Europa" nesta área, "para não estar sob chantagem russa".

"Em terceiro lugar, a União Europeia tem de avançar na construção de uma capacidade de defesa que proteja as suas fronteiras, mas também permita ajudar países vizinhos que estejam a ser objeto de uma intervenção brutal como aquela a que estamos a assistir", acrescentou, em declarações à Lusa em Marselha, França, à margem dos trabalhos da 9.ª Cimeira Europeia das Regiões e dos Municípios, que termina hoje.

Nesta "frente da segurança", Maria João Rodrigues disse estar a falar também "em novos instrumentos que a Europa tem de desenvolver em matéria de cibersegurança".

"Estamos a perceber o que é hoje a guerra no século XXI, não se trava só por meios militares, de armamento, trava-se cada vez mais por meios de informação, com a utilização das redes sociais, das plataformas, da imprensa, e com o choque de narrativas completamente diferentes, a ponto de negarem o acesso aos factos, à evidência, por parte dos cidadãos, como estamos a ver na Rússia", afirmou, sublinhando que os russos "estão neste momento a ser bombardeados com informação altamente deformada ao ponto de se lhes negar perceber que está a ocorrer uma guerra na Ucrânia movida pela Rússia".

Para Maria João Rodrigues, a invasão russa da Ucrânia "está a traduzir-se num despertar da população europeia para o contexto que a rodeia".

Neste momento, defendeu, "o que está em causa é saber qual é a relação de forças que a Ucrânia, apoiada pela União Europeia e muitos outros aliados a nível mundial, poderá estabelecer com a Rússia para a obrigar a recuar nos seus intentos e fazê-la reconhecer que é impossível hoje em dia, no século XXI, pôr em causa a soberania e a independência de um país que está organizado democraticamente".

Sublinhando que a guerra na Ucrânia, "em primeiro lugar, está a ser uma grande tragédia", com "custos humanos que já estão a ser enormes e podem ser ainda bastante maiores", a ex-ministra portuguesa afirmou, porém, que "ao mesmo tempo, como toda a história europeia prova, em momentos de crise aguda há também oportunidades únicas".

"Assim como a covid, que tem sido uma enorme tragédia e desafio para a União Europeia, se transformou também numa oportunidade" - porque "está a permitir construir passo a passo uma União Europeia de saúde" e acelerou a digitalização -, "o mesmo poderá agora acontecer face a esta nova frente de crise" e "pode ser criada a oportunidade para a Europa ultrapassar o seu impasse em frentes onde ela tem estado a marcar passo", considerou.

Há novos riscos de desigualdades regionais na UE

Segundo Maria João Rodrigues,  a designada "transição verde e digital" pode fazer aumentar as desigualdades regionais, num alerta que disse ser também para Portugal.

"Estamos já a verificar que há regiões que estão a descolar em termos económicos, em termos de prosperidade, porque estão mais avançadas na transição digital e energética e, portanto, é muito importante que as regiões se encontrem aqui e exijam uma verdadeira política de coesão europeia para contrariar esse risco de aumento das desigualdades regionais", afirmou.

Esta cimeira de Marselha, organizada pelo Comité das Regiões Europeu, foi pensada e organizada antes da invasão russa da Ucrânia, na semana passada, e a previsão, realçou, era ser "um grande encontro dos eleitos" a nível regional e local, "uma enorme coletividade", com mais de um milhão de pessoas, e um nível de poder "muito importante do sistema democrático" da União Europeia (UE).

"À partida estava preparado para se centrar no pós-covid e em tudo o que é recuperação do pós-covid e, portanto, no sentido de formatar o que deve ser a transição ecológica, energética, digital, que vai exigir mobilização de todos os instrumentos financeiros que a Europa criou nesta situação excecional. Era isso que estava previsto nesta cimeira. A meu ver, tem de continuar a ser discutido porque nessa transição verde e digital as desigualdades regionais podem aumentar", reforçou.

A guerra na Ucrânia veio acrescentar, para a ex-eurodeputada e antiga ministra do Emprego, a perceção de que é necessária "uma política europeia mais forte" na frente energética, industrial e da coesão social, "com apoio aos refugiados" e "a criação de serviços sociais mais eficazes".

"Tudo isso hoje é necessário não só para reduzir as divergências na Europa, mas para dotar a Europa de mais autonomia estratégica face a potências agressivas como a Rússia. Ou seja, há hoje uma tomada de consciência de que precisamos de políticas europeias mais fortes não só por razoes económicas e sociais, mas por razoes geopolíticas, para defender a soberania democrática europeia" afirmou.

A 9.ª Cimeira Europeia das Regiões e dos Municípios termina hoje e é organizada pelo Comité das Regiões Europeu, a assembleia da UE dos representantes regionais e locais dos Estados-membros.

*A Lusa viajou a convite do Comité das Regiões Europeu