Um cidadão menos atento à política que hoje tenha decidido assistir ao debate entre Mariana Mortágua e Rui Tavares terá provavelmente ficado confuso sobre aquilo a que estava a assistir. Foi-lhe apresentado como um debate eleitoral, contexto em que habitualmente se espera que duas partes apresentem posições e propostas diferenciadas – porque não fazem parte do mesmo partido político –, mas durante 25 minutos o que viu foi uma conversa pontuada por sorrisos, elogios mútuos, e uma espécie de concordância global apenas recortada de divergências no detalhe.
Valeu a este debate uma moderadora muito competente que procurou clarificações e debate onde os debatentes desejariam não ter de se confrontar.
Ainda assim, não foi um debate de onde Mariana Mortágua e Rui Tavares saem em pé de igualdade.
Quem ganhou
À primeira vista ninguém, porque nenhum dos dois líderes parecia ter qualquer interesse em derrotar o outro. Mariana Mortágua sorriu, cumprimentou, assumiu as convergências e Rui Tavares devolveu-lhe com a mesma moeda. Só que os dois líderes não detêm o mesmo espaço na esquerda em que ambos se reveem: o espaço do Bloco de Esquerda é maior do que o de Rui Tavares. E, apesar do líder do Livre ter afirmado, em mais uma demonstração de cortesia, que “toda a esquerda precisa de crescer”. E que “todos os os partidos querem os votos venham de onde vierem”, e Mariana Mortágua ter sublinhado que os dois partidos “têm objetivos comuns” bem como “diagnósticos comuns para os principais problemas”, no dia 10 de março, quando cada eleitor se fechar na cabine de voto, apenas votará num deles.
De onde resultam duas leituras. A primeira é a de uma frente não declarada de esquerda, em que o que importa é o somatório de votos entre PS, BE, Livre para um entendimento a dia 11 de março em que todos poderão integrar uma mesma solução de governação.
A segunda é menos cortês do que todo este debate deu a entender – e é a razão pela qual Mariana Mortágua terá mais a ganhar com esta conversa de amigos do que Rui Tavares. Se a diferença entre BE e Livre não é coisa que se veja, na política, como na selva, funciona a lei do mais forte e para quem vê no Livre um versão mais temperada, europeia, equilibrada da Esquerda que o BE representa, pode não ter ficado com muitos motivos para votar no partido de Rui Tavares nas eleições de 10 de março.
Quem perdeu
Apesar da simpatia mútua, partiram de Rui Tavares os cumprimentos mais lisonjeiros. Logo no arranque, quando comentavam a polémica do dia de hoje sobre os debates em que Luís Montenegro aceita, ou não, estar, o líder do Livre elogia a eficácia de Mortágua no debate com o líder do PSD. “Podias ter deixado um bocadinho para nós”, diz-lhe simpaticamente.
Mariana foi sorrindo e acenando, mas é dela que parte a primeira farpa do debate. “O Rui fez-me uma acusação de abrir as portas à demagogia nacionalista”, atira para cima da mesa, em resposta à pergunta sobre o que os distingue.
Rui Tavares faz questão de dizer que não é bem assim, que essa é uma “citação em segunda mão” – ou seja, não a disse. E, na resposta, diz que têm diferenças sobre a Europa, as famílias políticas em que se filiam e em relação ao “método e à forma como fazemos as coisas”.
Esse foi um momento para discutir propostas sobre a habitação, confrontando a proposta do Livre sobre a criação de sobretaxa do IMT sobre prédios de luxo, que sirva para um fundo de emergência da habituação com a de Mariana Mortágua de proibir a venda de casas a não-residentes. “Um multimilionário do Dubai paga com felicidade essa sobretaxa”, de novo é Mortágua que lança a farpa mais agressiva, vincando a “sua” esquerda da esquerda de Rui Tavares.
Voltará à carga, minutos depois com o tema do Rendimento Básico Incondicional, uma proposta do Livre – de que Rui Tavares ainda não tinha afalado –, mas que Mariana traz para o debate para em poucos segundos declarar como inviável à luz das contas. “Há um conflito à partida. Sendo universal teria de ser para toda a gente. 28 mil milhões de euros se fosse 200 euros por pessoa”.
Na resposta, Rui Tavares ainda teve espaço para elogiar o combate do B” sobre a não-obrigatoriedade de conta bancária – “que é uma luta do Bloco e bem feita” – mas na volta não recebe elogios, mas, de novo, e entre sorrisos, Mortágua a vincar na sua posição. “ É um pouco estranho que o Livre apresente há cinco anos o RBI no seu programa”, afirmou, sustentando a sua defesa por apoios sociais versus um rendimento universal.
Toda esta discussão, importa dizer, resultou de uma pergunta da moderadora aos dois líderes sobre como propõem fazer a economia do país crescer. “Acho que à esquerda estamos de acordo”, disse Rui Tavares, “a direita não sabe como se faz crescimento económico”, disse Mortágua e ambos falaram de melhorar salários e erradicar a pobreza, mas nenhum disse como.
A fechar o debate, um tema em que Mariana Mortágua e Rui Tavares conseguiram concordar em discordar: o Bloco de Esquerda apoia a saída da NATO e o Livre quer uma política de cooperação e defesa conjunta na Europa. Pode não parecer uma discordância total, mas é.
Promessas:
Habitação:
- Criação uma sobretaxa do IMT sobre prédios de luxo que sirva para um fundo de emergência da habituação (Livre)
- Mutualização da receita de IMT de forma a retirar incentivo aos municípios na venda de casas de luxo e repartição da receita de forma transversal (BE)
Apoios sociais
- Teste piloto, por exemplo numa das ilhas das regiões autónomas do Rendimento Básico Incondicional (Livre)
- Alargamento da semana de 4 dias (BE)
Defesa
- Portugal deve sair da NATO (BE)
- A Europa deve ter uma cooperação e uma estratégia conjunta de defesa (Livre)
E acordos pós-eleitoriais?
Não se discutiram cenários pós-eleitoriais, mas todo o debate foi pontuado pela ideia da Esquerda como um todo. “Toda a esquerda precisa crescer”, foi a frase de Rui Tavares mais explícita nessa matéria. Uma comunhão de interesses, certamente, como e com que peso para cada um dos partidos, é discussão para 11 de março.
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