De um lado, um projeto que promete revitalizar e revolucionar o Martim Moniz, zona histórica da cidade de Lisboa que, de acordo com os promotores, o vereador do Urbanismo da câmara municipal, Manuel Salgado e o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, estava bastante degradada. Na placa central, que até outubro acolhia 10 quiosques metálicos concessionados a uma empresa, dará lugar a múltiplos contentores marítimos que acolhem comércio local, restauração de todo o mundo e um espaço de exposições de arte urbana, prometendo dar nova vida ao local procurando, ao mesmo tempo, garantir a multiculturalidade existente.
Do outro, os moradores e representantes de diversas associações locais, que enchiam uma das salas do Hotel Mundial, fizeram questão de manifestar-se contra “mais um espaço de esplanadas” e mais uma “zona de diversão” virada para o turismo, pedindo o fim do “ruído”, a colocação de “bancos”, a construção de “jardins”, “parques infantis” e a “devolução” da praça a quem vive nesta zona da capital.
Pelo meio, um presidente da Junta de Freguesia, Miguel Coelho (eleito pelo PS) que reconhece não ter competência legal para reverter aquilo que está concessionado e pensado para o Martim Moniz, que pessoalmente “não gosta” do que lhe foi apresentado e preferia ter “jardins” e um “parque infantil”, para assim chamar “população”. E um vereador, Manuel Salgado que, refém de uma concessão “assinada em 2017” e com “a duração de 14 anos”, promete, face ao que escutou, apresentar em sede de executivo camarário aquilo que ouviu.
Eis o resumo de uma sessão pública de apresentação à população da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior do Mercado Martim Moniz (MMM) assim se chama o projeto apresentado e discutido ontem, durante duas horas, no Hotel Mundial, unidade hoteleira com vista para a praça.
Um bairro com “terraços” em contentores com vista para o Castelo e Mouraria
Paulo Silva, responsável da empresa que tem a concessão, esclareceu que no coração da placa central da Praça Martim Moniz, nos cerca de “3 mil metros quadrados”, nascerão “13 núcleos” de contentores marítimos com “dois metros e meios de altura” (não informou o número exato de quantos assentarão na praça do Martim Moniz) para acolher espaços de “comércio local, restauração representativa de cozinhas de todo o mundo que refletem a diversidade multicultural da zona”. Haverá ainda lugar a um “espaço direcionado especificamente para arte urbana e que terá uma estrutura residente e a curadoria da Underdogs
para promover rotação de artistas”, informou.
Pensada “para os moradores e não para turistas”, diz ser uma “solução com estruturas flexíveis e modulares que permitem recriar um ambiente de bairro, ruas e praças e um tecido urbano que recrie esse espírito”, continuou. “Queremos ter o talho, o cabeleireiro, conceitos locais e emergentes”, sustentou Paulo Silva que não esquece a diversidade étnica e cultural local. “Temos a preocupação de desenvolver eventos culturais e manter a relação com as comunidades locais, chinesa e hindu, e em que procuramos trazê-los para este projeto”, assegurou.
A opção (contendores) “tem sido uma solução usada com sucesso em diversas cidades no mundo” e que em Lisboa “como cidade portuária” que é “ganha carga simbólica”, defendeu. “Pontualmente”, fez questão de frisar “há contentores que recebem outros por cima” dando lugar “a terraços com vista para a Mouraria e Castelo”, antecipou.
Bancos de jardim e o direito ao silêncio. Os pedidos de quem mora no Martim Moniz
Após a sessão de apresentação, iniciativa levada a cabo por parte de Miguel Coelho que ao ser confrontado com um facto consumado do projeto, ciente das necessidades do seu “território”, convocou os seus “fregueses”, conforme referiu, para falarem de viva voz e “democraticamente”.
A cada uma das intervenções “que não deveriam exceder os três minutos”, as críticas foram subindo de tom à medida que acrescentavam, cada qual, a sua proposta para o local. Entre devolução da praça a quem ali habita, aos pedidos de construção de “bancos”, “jardins públicos e infantis”, à exigências de “fim do barulho” e o direito ao “silêncio” e ao espaço vazio, bem como um receio indisfarçável de invasão turística e até críticas à configuração do trânsito automóvel, muitas foram as vozes que se levantaram em representação de uma diversidade social e etária característica da Mouraria, que levou velhos, novos, reformados, artistas, arquitetos, escultores e representantes das associações culturais locais ao Hotel Mundial.
Madalena, uma moradora na Rua da Madalena, alegou que a praça deve ser das “pessoas” e “não mais um espaço de diversão”, pedindo o “direito ao descanso” da população local. Susana Sequeiro, arquiteta, por seu lado, defendeu que “este vazio da cidade deve ser um sítio para estar e não para ir”, lamenta não ter um “jardim público” onde passeie o filho e considera ser esta “uma oportunidade histórica para a câmara devolver a praça aos habitantes e não para transformá-la em mais um local de barulho, negócio e em que tudo é direcionado para o turismo”, sintetizou. Rita Silva, representante de uma associação local, argumentou que não ser justificação dizer que o projeto “tem de acontecer” porque a “praça estava degrada”, antes “está degradada por causa de um projeto”, retorquiu, lançando de imediato uma pergunta ao vereador Manuel Salgado se “estava disponível para consultar a população e voltar atrás”.
Perante os argumentos apresentados, Manuel Salgado, vereador do Urbanismo da CML, limitou-se a um lacónico: “ouvi que a larga maioria prefere vazios, espaços abertos e jardins públicos. Irei discutir no executivo da CML. Não proponho nada. Não sou eu que mando na cidade ao contrário do que aqui disseram (respondendo a algumas recados que ouviu).
Antes, tinha feito questão de fazer uma breve resenha histórica desde 2012 quando o espaço estava sob gestão da EPUL até ao contrato que a empresa que aproveitou os quiosques metálicos passando “pela degradação acelerada do espaço com a oferta feita” até à “longa negociação” feita com os novos acionistas e à adenda ao contrato que “diminui o prazo” de concessão e coloca o ónus da “segurança e limpeza” no concessionário.
O jardim infantil: o sonho do presidente da Junta pede pouco barulho na praça
Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, recordou que quando foi criada a freguesia, em 2013, eram percetíveis “os sinais de degradação da zona”, tendo assistido e ouvido “sobre a degradação e o ruído noturno e a transformação da praça em zona de droga e prostituição”.
Por esse facto, eleito, solicitou à CML “que rescindisse a concessão” então em vigor e que a entregasse “à Junta”. Perante a resposta de que “a rescisão teria encargos grandes e de resultado incerto num eventual recurso para tribunal”.
No início do ano, propôs “criar um grande centro de lazer, com parque infantil e um local de culto e espaço para a prática de críquete para as diversas comunidades”, mas foi “informado” sobre o que estava desenhado para o Martim Moniz.
Reconhece que “não tem competência legal para reverter o projeto”, mas “exige” aos promotores que o “controlo de todas as atividades públicas” seja decidido pela Junta. “Não queremos barulho a partir das 22h00. Ter concertos e barulho todos os dias é inaceitável para quem cá vive”, atirou.
“Esta é uma zona em que queremos trazer famílias e para tal queremos infraestruturas para lhes oferecer. Um parque infantil faz parte”, frisou. “Precisamos atrair e fixar população. Temos muita oferta turística e hoteleira na cidade não necessitamos de mais esplanadas. Conheço os meus fregueses e o meu território”, concluiu.
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