“Uma coisa é avaliar trabalho de equipas, trabalho de agrupamentos de centros de saúde, usar métricas para comparação entre estas equipas e estes agrupamentos, agora fazer depender a remuneração de cada profissional diretamente da prescrição, quer de fármacos, quer de meios complementares diagnósticos é muito complicado”, disse o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto.
Para o médico, que falava à agência Lusa a propósito do Dia do Serviço Nacional de Saúde, que se assinala na sexta-feira, este processo de remuneração dos profissionais “pode ser muito pernicioso”.
“O que nos está a ser dito é que nós não conseguimos colocar à disposição dos nossos utentes tudo aquilo que deveríamos colocar nestas duas áreas e, portanto, a maneira de restringir gastos é ligar isto à vossa remuneração. Ora, não faz sentido, não é assim que deveria acontecer”, criticou.
Nuno Jacinto também manifestou preocupação com a forma como se está a pensar calcular a dimensão das listas de utentes, adiantando que os médicos não conseguem perceber exatamente qual é o algoritmo que está a ser ponderado e que vai ser testado para entrar em vigor a partir de 2025.
“A ideia seria melhorar a qualidade do trabalho e permitir ajustar a carga de trabalho. Se a única coisa para que vamos olhar é para números e tentar ainda, de uma forma mais ou menos encapotada, aumentar as listas de utentes para que os profissionais possam manter a sua remuneração, o que vamos estar a fazer não é dar médico de família aos utentes é dar apenas mais utentes aos médicos, que não terão capacidade de resposta”, argumentou.
Por isso, sustentou, “sendo positivo que se tente apostar no Modelo B [das USF], e que se passe mais unidades com mais facilidade para o Modelo B, vemos com preocupação o facto de alterarmos algumas das regras deste Modelo B", que "o tornavam atrativo e que agora o tornam menos simpático”.
Quando se comemoram os 44 anos do SNS, Nuno Jacinto reiterou a preocupação que os médicos de Medicina Geral e Familiar têm tido nos últimos anos e que permanece em relação aos cuidados de saúde primários: “Não vemos sinais muito positivos”.
Criticou ainda o facto de o Governo avançar com a proposta do novo regime jurídico e funcionamento das USF e dedicação plena sem acordo com os sindicatos.
Nuno Jacinto lamentou que continue sem haver “a adequada valorização dos cuidados de saúde primários e do trabalho dos médicos de família”, que possibilite inverter a tendência dos últimos anos de “um saldo negativo entre o número de médicos de família que entram e dos que saem do Serviço Nacional de Saúde”.
“Nós formamos cerca de 500 especialistas em Medicina Geral e Familiar por ano de enorme qualidade. Toda a gente os quer no estrangeiro, no privado, nas mais variadas áreas de atividade. Estranhamente, não os conseguimos fixar no Serviço Nacional de Saúde”, lamentou.
Para o especialista, esta situação é “muito preocupante” e reflete-se nos “números assustadores de 1,5 e 1,6 milhões de utentes sem médico de família atribuído”.
E Nuno Jacinto avisa: “Se não tivermos cuidados de saúde primários fortes, bem instalados, bem valorizados com condições para os profissionais exercerem o seu trabalho, não vamos ter um SNS a funcionar como deveria funcionar, nem vamos sequer conseguir a tão desejada integração de cuidados de que agora se fala tanto até com as Unidades Locais de Saúde (ULS)”.
“Se não tivermos uma base forte de certeza que não vamos atingir os nossos objetivos e, portanto, a nossa preocupação mantém-se esperando sempre que seja possível encontrar uma solução melhor do que aquela que existe agora”, rematou.
Comentários