“Ainda estamos a descobrir o que é que vai acontecer com três meses de abstenção quase total” da atividade assistencial não urgente na saúde da população, afirmou o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Rui Nogueira, em entrevista à agência Lusa.
Mas os doentes crónicos são a principal preocupação: “Não sabemos ainda quais são as consequências cardiovasculares de enfartes que estão a acontecer ou aconteceram, como é que estão a evoluir os doentes com insuficiência cardíaca, insuficiência renal, os diabéticos, os hipertensos”, salientou.
“Nós chegámos a ter 20 mil doentes com covid ativos (…) mas temos um milhão dos outros doentes”, advertiu o médico, manifestando uma preocupação particular com a doença oncológica que “não dá grande margem de manobra”.
“Já conseguimos boas respostas para estes doentes, mas temos que ter os diagnósticos precoces, o que se calhar não estamos a conseguir”, lamentou Rui Nogueira, observando que as doenças cardiovasculares e oncológicas representam mais de dois terços das causas de morte.
Segundo o médico, o confinamento também trouxe outras complicações para a população, como o aumento de peso e da doença mental.
“As pessoas aumentaram de peso, já estamos a ver isso nas consultas, com ganhos de seis, sete, dez quilos”, disse, salientando que “o confinamento é o contrário de tudo” o que os médicos aconselham aos utentes, como saírem de casa e fazerem atividade física.
Quanto à saúde mental, afirmou que “é uma realidade que ainda não está devidamente estudada, avaliada”, e que, apesar de não ser “uma situação vital como as doenças cardiovasculares e oncológicas, é uma área muito vasta”.
“Nós temos muitos doentes com problemas de saúde mental, mas agora ainda aumentou mais o problema que é preciso avaliar”, defendeu.
Sobre o que é necessário melhorar depois da pandemia, o médico defendeu que “é preciso investir na área informática e nos técnicos administrativos” para que seja “mais fácil o acesso dos médicos aos doentes e vice-versa”.
“Há coisas que ainda não estão perfeitas. Digamos que 80% está, mas faltam os outros 20%. Por exemplo, um em cada cinco doentes ainda não está bem informatizado” em termos de pedidos de exame.
Por outro lado, é necessário que os números de telefones e e-mails dos utentes estejam atualizados no sistema. “Tem que haver um esforço técnico dos informáticos para tornar mais amigável a atualização destes dados, não pode ser o médico a fazer esse trabalho”.
Durante a pandemia, os médicos recorreram às teleconsultas para acompanhar os doentes, uma prática que o médico diz que “facilita em muitos aspetos”. Contudo, afirmou, não se pode “prescindir da presença do doente em grande parte das situações, mas isso não quer dizer que não haja muitas situações que são facilmente resolúveis pelo telefone ou por e-mail”.
Uma situação que “ainda não está resolvida”, e que Rui Nogueira diz que nem sabe “como e quando se vai resolver”, é os doentes perderem o medo e regressarem aos serviços de saúde.
“Houve uma fase inicial em que ligávamos ao doente a dizer para não vir à consulta, avaliávamos pelo telefone, e só se fosse mesmo necessário para ir, mas a maior parte das consultas foram adiadas”, contou.
Agora, as consultas estão a ser remarcadas: “Temos que andar atrás deles e eles atrás de nós”, descreveu, desabafando que “é uma desorganização ainda por resolver”.
“Nós vamos demorar quatro a seis meses para resolver isso”, adiantou, alertando ainda para o aumento dos tempos de espera principalmente na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde há 700 mil utentes sem médico de família.
Nesta região, “há 20 ou 30 unidades de saúde onde metade ou um terço da população não tem médico de família. E isto é terrível”, concluiu.
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