A ida à mercearia ou ao supermercado faz parte da rotina da maior parte das pessoas, mas para muitas outras o acesso a bens alimentares é garantido através da ajuda de instituições do setor social, que periodicamente entregam cabazes de alimentos.

Uma dessas instituições é o Centro Padre Alves Correia (CEPAC), situado no centro da cidade de Lisboa e que desde 1992 presta apoio sobretudo a pessoas imigrantes.

“Neste momento temos cerca de 590 famílias e dessas 470 a 475 recebem apoio da nossa resposta alimentar. Neste momento são cerca de 980 pessoas”, explicou à Lusa a diretora-executiva do CEPAC, Ana Mansoa.

Segundo a responsável, a instituição apoia várias pessoas provenientes de países africanos que chegam a Portugal ao abrigo de protocolos de saúde, mas não só, já que há mais de 19 nacionalidades representadas.

No global, são sobretudo adultos, na maioria mulheres (mais de 60%), em idade ativa, entre os 30 e os 50 anos, que ou não estão integrados no mercado de trabalho ou têm trabalhos informais ou estão integrados em projetos de formação em contexto de trabalho. No grupo apoiado há também cerca de 300 crianças.

Até agora, as quase mil pessoas com direito a apoio alimentar por parte do CEPAC recebiam um cabaz de alimentos, que iam buscar à instituição mensal ou quinzenalmente, consoante tivessem disponibilidade e capacidade física.

Desde o inicio de julho, no entanto, o modelo mudou e os alimentos estão disponíveis e à vista nas prateleiras, armários e frigoríficos da Mercearia Sabura - que em criolo quer dizer saboroso – e o objetivo é que cada pessoa possa ir quando quiser e escolher o que preferir.

“Neste momento ainda estamos numa fase transitória, mas é aí que queremos chegar, como qualquer um de nós faz quando quer ir às compras, dando-lhe também maior liberdade de movimento, de escolha e de organização da sua própria agenda”, apontou Ana Mansoa.

Segundo a responsável, esta mercearia “é um projeto sonhado há muitos anos”, mas que só ganhou forma a partir de 2021 graças a muitas ajudas, como a da Congregação dos Missionários do Espírito Santo, que cedeu o espaço, do grupo Portugália Restauração ou do apoio alimentar direto que chega através do Banco Alimentar Contra a Fome, a Revoo ou do Grupo Auchan.

“O principal objetivo é trazer mais dignidade à resposta de apoio alimentar que o CEPAC já presta há mais de 30 anos, poder dar a possibilidade de escolha à pessoa que vem até esta mercearia, de acordo com os seus gostos, até com as suas competências e conhecimentos de confeção de determinados alimentos, de acordo com a sua situação de saúde”, salientou Ana Mansoa.

“Desde o primeiro dia que vim para cá, amei"

“Sim, é digno. Eu vir buscar, eu vir escolher”, concorda Edite Bohamará, angolana a viver em Portugal há três anos, com uma filha adolescente a cargo e com a qual partilha um quarto, que não consegue ter rendimentos suficientes para garantir alimentação.

Conheceu o CEPAC através de uma sobrinha: “Desde o primeiro dia que vim para cá, amei. Amei porque o CEPAC é excelente, é uma instituição em que dão de si o máximo para ajudar o povo, as pessoas necessitadas”.

Na alimentação, a ajuda “tem sido super”, e o cabaz tem incluído “de tudo um pouco”, mas “agora é bem melhor, excelente”, elogia.

“A gente vai escolher aquilo que quer, que realmente precisa, não vamos levar coisas que não precisa que vão lá ficar a estragar e depois ninguém vai usar. Então a gente vai levar aquilo que realmente é necessário para nós”, disse à Lusa.

Outro utente, que prefere não ser identificado, é mais parco nas palavras, mas mesmo assim admite que o apoio alimentar dado pelo CEPAC tem sido muito importante, tendo em conta que tem um rendimento mensal de 250 euros, aos quais soma 189 euros de Rendimento Social de Inserção (RSI), para logo subtrair 350 euros de renda de quarto, ficando apenas com “uns troquinhos”.

“Vou levar qualquer coisa que seja necessário porque eu venho aqui porque preciso mesmo e tudo o que é ajuda não há o que escolher, tudo é bem-vindo”, contou.

Conhece o CEPAC há muitos anos – “acho que sou dos mais antigos” – de onde tem tido todo o tipo de apoio, desde alimentação, vestuário ou mesmo apoio médico.

Este utente vive próximo da Mercearia Sabura, na zona de São Bento, mas Ana Mansoa tem noção que estando “numa zona nobre da cidade” não está propriamente onde as pessoas residem e que isso “traz grandes dificuldades acrescidas”, desde logo porque muitas terão de pagar transportes para irem buscar os alimentos.

“Está nos nossos sonhos podermos estar mais perto das pessoas, quem sabe com outra mercearia Sabura”, confessa a responsável, tendo em conta que o CEPAC tem já respostas sociais na área do emprego na Amadora, Sintra e Loures.

Até setembro, a Mercearia funciona por marcação, de modo a que cada pessoa tenha tempo para conhecer o espaço, perceber como funciona e adaptar-se ao novo modo de funcionamento e também para que não haja, por enquanto, muita gente ao mesmo tempo.

A partir de setembro, “as pessoas já podem vir, dentro do horário da mercearia, nos dias em que lhes der mais jeito”, adiantou a responsável.

Mesmo já esperando alguma resistência inicial, Ana Mansoa explicou que a ideia é ir mudando essa forma de estar, até porque também é objetivo deste projeto capacitar cada uma daquelas pessoas para a sua integração na sociedade.

Espera agora que mais empresas e parceiros se juntem neste objetivo de levar o sabor da dignidade a quem mais precisa.