Em 2024, cerca de 30 países vão eleger um presidente. Estão ainda previstas eleições legislativas em cerca de 20, nos quais se inclui Portugal.
Metade do mundo vai a votos num contexto internacional conturbado pelo conflito russo-ucraniano e a guerra entre Hamas e Israel.
Além disso, estas eleições enfrentam o risco - mais ou menos importante, dependendo do país - da desinformação e das manipulações possíveis graças ao desenvolvimento da inteligência artificial (IA), referem os observadores.
Quais são as eleições mais significativas de 2024?
Portugal, o processo judicial que fez cair um governo de maioria
Atualmente à frente de um executivo suportado por maioria absoluta do PS no parlamento, António Costa poderia ficar perto de 11 anos como primeiro-ministro, superando a longevidade de Aníbal Cavaco Silva nesse cargo, se esta legislatura durasse até ao fim – ou seja, até setembro ou outubro de 2026.
Mas no dia 7 de novembro, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, houve buscas na residência oficial do primeiro-ministro, concretamente na sala de trabalho do ex-chefe de gabinete Vítor Escária no âmbito de uma investigação judicial sobre a instalação de um centro de dados em Sines e negócios de lítio e hidrogénio.
Horas depois, um comunicado da Procuradoria-Geral da República informou, no último parágrafo, que o primeiro-ministro era alvo de um inquérito autónomo instaurado no Supremo Tribunal de Justiça a partir dessa investigação.
Numa comunicação ao país, António Costa, declarou-se de "cabeça erguida" e "consciência tranquila", mas defendeu que "a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e, menos ainda, com a suspeita da prática de qualquer ato criminal".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aceitou de imediato o pedido de demissão do primeiro-ministro e, após ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado, anunciou em 9 de novembro que irá dissolver o parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas para 10 de março, mas adiando o processo de demissão formal do Governo.
Caberá então aos quase de 11 milhões de portugueses eleitores escolher a quem querem entregar a liderança do país nos quatro anos seguintes. As mais recentes sondagens — num contexto em que o PS ainda não escolheu o próximo líder — apontam para um empate técnico entre PS e PSD, uma subida do Chega e 22% de indecisos.
UE: uma gigantesca eleição transnacional
Mais de 400 milhões de eleitores de 27 países europeus serão convocados a eleger, no início de junho, 720 deputados para o Parlamento Europeu, num gigantesco pleito transnacional.
Estas eleições podem caracterizar-se por um novo avanço das forças eurocéticas, como evidencia o triunfo do partido de extrema direita e islamofóbico PVV nas eleições legislativas dos Países Baixos.
A eleição para o Parlamento Europeu ocorre no momento em que a imigração é objeto de intensos debates em muitos dos 27 países e que o custo de vida dos europeus tem aumentado por conta da inflação.
Estados Unidos: um duelo de revanche?
No dia 5 de novembro, dezenas de milhões de norte-americanos vão às urnas para decidir o futuro inquilino da Casa Branca. O processo, todavia, não é direto, com os eleitores a eleger na verdade o Colégio Eleitoral, responsável por escolher o próximo Presidente dos Estados Unidos da América.
Esta 60ª eleição presidencial americana terá um ar de déjà-vu, com a revanche esperada entre o presidente democrata Joe Biden, de 81 anos, e seu antecessor republicano, Donald Trump, de 77.
O possível confronto entre veteranos será escrutinado com a perspectiva das polémicas e informações falsas que marcaram a eleição presidencial de 2020. Trump jamais reconheceu a sua derrota e alguns norte-americanos continuam convencidos de que o seu voto foi "roubado".
México: duas mulheres disputam Presidência
Em junho, uma mulher pode tornar-se presidente do México pela primeira vez, um símbolo importante num país que regista milhares de feminicídios por ano.
Eis as duas mulheres favoritas para suceder o presidente Andrés Manuel López Obrador: a ex-autarca da Cidade do México Claudia Sheinbaum, do partido no poder Morena (esquerda), que lidera amplamente as sondagens, e a senadora Xóchitl Gálvez, por uma Frente que reúne três partidos de oposição.
Venezuela: a oposição poderá desafiar o regime chavista?
Na Venezuela, afetada por uma grave crise política e económica que levou mais de sete milhões de pessoas ao exílio, o socialista Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez (1999-2013), procura um terceiro mandato no segundo semestre de 2024.
A sua reeleição em 2018, considerada fraudulenta, não foi reconhecida por muitos países, entre eles os Estados Unidos da América.
Grande parte da oposição, que durante muito tempo esteve dividida, uniu-se em torno da liberal María Corina Machado, apesar de esta estar inabilitada politicamente.
Os Estados Unidos, que aliviaram em outubro, por seis meses, o embargo ao petróleo da Venezuela, que tem as maiores reservas do mundo, exigem a suspensão da inelegibilidade dos opositores, entre eles María Corina Machado.
Rússia: oposição amordaçada
Embora não tenha anunciado oficialmente, não há dúvida, segundo os observadores, de que Vladimir Putin será candidato a um novo mandato na eleição presidencial prevista para março.
Putin, que comanda a Rússia há 23 anos, promoveu mudanças na Constituição em 2020 que o autorizam a continuar no poder até 2036, o que o levaria a superar Josef Stalin em tempo de permanência no Kremlin.
Nos últimos anos, a oposição e a sociedade civil foram amordaçadas no contexto do conflito na Ucrânia: os principais opositores políticos estão exilados ou presos, como Alexei Navalny, inimigo número um do Kremlin; e outros morreram ou foram silenciados.
Índia: 945 milhões de indianos vão votar
Cerca de 945 milhões de indianos estão convocados a comparecer às urnas em maio para as eleições gerais neste país que, em 2023, se tornou o mais populoso do mundo.
O BJP, partido do primeiro-ministro Narendra Modi, no poder desde 2014, é apontado como o grande favorito nas sondagens, já que o seu nacionalismo seduz a maioria hindu.
Esta eleição acontecerá num contexto de retrocesso nos direitos políticos e liberdades civis, segundo a ONG Freedom House.
Liderado por Rahul Gandhi, neto da ex-primeira-ministra Indira Gandhi, o Partido do Congresso - outrora dominante, mas agora enfraquecido - tentou formar uma grande coligação com forças de oposição regionais de diversas tendências para desafiar Modi.
Senegal: eleição sob tensão?
Estão previstas dez eleições presidenciais no continente africano em 2024, cenário de oito golpes de Estado em três anos. No Senegal, cujo pleito está previsto para 25 de fevereiro, tudo indica que a votação ocorrerá num ambiente de tensão.
O presidente Macky Sall, no poder desde 2012, designou em setembro o seu primeiro-ministro, Amadou Ba, como o candidato do seu campo político, o que foi alvo de questionamentos internos.
Na oposição, a candidatura de Ousmane Sonko, terceiro colocado nas eleições de 2019, continua suspensa, já que o Supremo invalidou, a 17 de novembro, uma decisão judicial que colocava o opositor de volta no jogo eleitoral, o que será objeto de um novo julgamento.
Irão: 18 meses depois da morte de Mahsa Amini
Eleições legislativas estão marcadas para 1 de março no Irão, 18 meses depois da morte de Mahsa Amini. Esta jovem curda morreu após ser detida pela polícia dos costumes, por mau uso do véu islâmico, o que desencadeou meses de manifestações contra as lideranças políticas e religiosas. Um movimento duramente reprimido, com centenas de mortos e milhares de prisões.
A eleição anterior, de 2020, foi caracterizada pela desclassificação maciça de candidatos reformistas e moderados, restringindo a eleição, na prática, a uma disputa entre conservadores e ultraconservadores.
*Por Céline CORNU/AFP
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