João Miguel Tavares na abertura do painel “Captura de interesses, um combate permanente” disse que ia começar com uma provocação. E ia. O jornalista e comentador político queria falar da semana de mediatismo que colocou a 1ª Convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL) nos jornais ainda antes desta ter acontecido, mas antes, uma notificação ‘caiu-lhe’ no telemóvel e a provocação ‘caiu’ em cima do colega de painel: “acabo de receber uma notificação que diz: Miguel Morgado disponível para a corrida à liderança do PSD”, disse entre sorrisos. "Isso não se faz, isso não faz", brincou o visado deputado social-democrata da última cadeira, num tom bem-disposto.
O antigo assessor político de Pedro Passos Coelho tinha sido apanhado pela agitação nas hostes social-democratas numa convenção que até ali 'chutava' para o lado as intenções de 'comício de críticos do PSD' que lhe chegou a ser atribuída durante a semana. Escassas horas antes do início da conferência em que Miguel Morgado era um dos oradores, a imprensa anunciava que Luís Montenegro, um dos nomes da oposição à atual direção do PSD, tinha marcado uma comunicação para sexta-feira no Centro Cultural de Belém e que fontes próximas do mesmo davam conta de que este iria anunciar que estava pronto para se candidatar à liderança num cenário de eleições antecipadas no partido.
Miguel Morgado não teve como fugir às perguntas da imprensa presente na convenção dado o seu assumido desacordo com a atual estratégia da direção liderada por Rui Rio. À chegada e à saída do painel em que participou foi confrontado com perguntas tendo em vista saber se o deputado assumia o apoio a Montenegro ou avançava com uma candidatura própria.
Mas o social-democrata não arredou pé perante nenhuma certeza do que se dizia na imprensa por aquela altura. Quando o hall de entrada da Culturgest estava mais calmo, Miguel Morgado falou com o SAPO24 sobre o que pensa, o que gostaria que acontecesse e a forma como tenciona encarar a discussão pela liderança no PSD. Prefere que Rio vai a eleições, mas deixa tudo em aberto em função da orientação e decisão do conselho nacional do PSD.
Disse na conferência que o truque mais engenhoso do diabo foi fazer-nos acreditar que ele não existe. O truque mais engenhoso da oposição à direção do PSD foi passar cá para fora que Rui Rio iria disputar eleições?
Eu não sei o que é essa oposição a Rui Rio. Eu falo em meu nome, não falo em nome de mais ninguém. As críticas que fiz ao Rui Rio e à direção do PSD são de teor puramente estratégico e eu, exatamente no momento em que me comecei a pronunciar publicamente com essas críticas e com a alternativa que gostaria de ver executada, sempre disse que ele foi eleito em janeiro de 2018, mandatado para ir a eleições no ano de 2019. Toda a gente sabia que 2019 ia ter três atos eleitorais: europeias, legislativas e Madeira. Quer as pessoas gostassem mais ou menos, sabiam que era ele que iria liderar o PSD neste ano. Toda a gente estava consciente disso. As minhas críticas com ele são de fundo...
"A legitimidade de Rui Rio é igual à legitimidade do Conselho Nacional, são ambos eleitos pelos militantes. E o Conselho Nacional, como Parlamento do PSD, deve respeitar o sentimento dos militantes"
De estratégia?
São críticas que eu posso classificar como irreconciliáveis, não tenho nenhum problema em dizer isso, mas não sou eu que unilateralmente imponho a minha vontade ao partido. Isso foi o que sempre disse e continuo a dizer. Agora, que se fala que poderá haver uma convocatória do Conselho Nacional, que é o Parlamento do partido, para se pronunciar sobre a convocatória de eleições antecipadas... bem, a legitimidade de Rui Rio é igual à legitimidade do Conselho Nacional, são ambos eleitos pelos militantes. E o Conselho Nacional, como Parlamento do PSD, deve respeitar o sentimento dos militantes. Eu respeitarei a decisão do Conselho Nacional se for convocado, não sei se vai ser, mas se for convocado e eu respeitarei a decisão do Conselho Nacional quer vá num sentido, quer noutro. Isso tenho de respeitar.
Preferia que Rui Rio fosse a votos?
Eu acho que nesta fase Rui Rio deve ver testada nas urnas a sua estratégia. Eu acho que esta é uma estratégia errada, por várias razões que tenho procurado explicar nos últimos meses, mas nós vivemos em democracia e em democracia há um teste, não é o único, mas há um teste fundamental que é o líder partidário ser testado pelo conjunto dos eleitores e não só dos militantes. Na medida em que ele recebeu um mandato em que estava clarinho para toda a gente que votou, militantes do PSD, que ele ia liderar o partido em ano de eleições, ele devia ir a eleições. Só que agora, aparentemente, já não estamos nessa fase, já passámos para uma outra fase em que um outro órgão, igualmente legítimo poderá vir a tomar a decisão de propor eleições antecipadas. E o que eu digo é: enquanto militante do PSD respeitarei a decisão do Conselho Nacional.
"Se houver eleições, quem ganhar tem tempo ainda suficiente para organizar as candidaturas às eleições europeias e o programa europeu e depois as legislativas"
Tudo isto que se fala, mesmo que não seja ainda nada de concreto, fragiliza o PSD para o ano eleitoral?
Sempre disse que o maior factor de fragilização do PSD era a escolha estratégica que estava a ser tomada e executada. Essa sim era para mim profundamente fragilizadora do PSD como grande partido nacional e como partido protagonista da alternativa ao poder socialista. Independentemente daquilo que eu já disse sobre o mandato de Rui Rio, que sempre foi previsto que iria ser ele o líder do partido em ano de eleições, também acho que é um papão agora achar-se que estamos muito em cima dos atos eleitorais e que portanto é tarde demais. Não é esse papão que nos deve assustar, temos de discutir as discussões substantivas. Se houver eleições, quem ganhar tem tempo ainda suficiente para organizar as candidaturas às eleições europeias, o programa europeu, e depois as legislativas. Apesar de tudo ainda faltam quase dez meses para lá chegarmos. Ainda há tempo, esse não deve ser o argumento nem num sentido nem noutro.
Numa entrevista disse que a direita vive a maior crise desde 1978. Agora que é um subscritor do manifesto do MEL como é que olha para a direita num ano de eleições?
Anunciei no Expresso que eu ia também fundar um movimento, esse sim apostado em ajudar a contribuir para levar a cabo a tarefa, de reconstrução para uma futura federação das direitas. Eu acho que é essa a tarefa política essencial que está à nossa frente.
Uma Geringonça das direitas?
Antes de ser uma Geringonça, as direitas devem ser refundadas. Refundadas nos fundamentos políticos, nos fundamentos intelectuais também, nos fundamentos culturais. Estou a falar de uma transformação cultural, chamemos-lhe assim, que deve anteceder a grande coligação política que eu ambiciono para o futuro.
No passado disse que o PSD deve englobar as várias direitas...
E o PSD deve ser o embrião dessa federação das direitas, e de certa maneira já o é. O conjunto dos militantes do PSD é marcado por essa pluralidade. Quem conhece o PSD, sabe que da sua fundação até hoje há militantes que são conservadores, há militantes que são liberais, há militantes que são mais social-democratas, mais centristas, e também há democratas-cristãos. O PSD sempre foi este grande partido popular unificado em torno de um programa reformista, esse ponto é fundamental. E o que estou a dizer é que o PSD deve aceitar essa vocação, ao contrário de o afunilarmos ideologicamente numa coisa que depois ninguém sabe muito bem definir que é a pura social-democracia e que quem não pertence à social-democracia deve sair do partido. Acho que isso é o maior disparate, isso é que fragiliza o partido verdadeiramente. Eu propunha alargar o partido para que ele seja uma federação, e já sendo uma federação poder liderar a federação que inclua todos os outros movimentos, o CDS naturalmente, que é um parceiro privilegiado, mas todos os outros movimentos que estão a aparecer na família não-socialista e que eu acho que devem também ser interlocutores deste diálogo que eu quero promover.
"Se houver um cenário de eleições terei de ponderar as minhas possibilidades, sabendo que também tenho responsabilidades pessoais que não vou transmiti-las a mais ninguém"
E esse movimento, mesmo com o MEL, sempre quer fundá-lo? Vai avançar com ele?
Eu quero avançar com esse movimento, sim.
Já tem um nome?
Tenho nome, mas ainda não anunciei. Ainda não é a altura.
Por último, já disse em entrevista que uma eventual candidatura sua ao PSD era alheia de outras. Se houver um congresso extraordinário, é candidato ou poderá apoiar Luís Montenegro?
O que digo é que quero, como tenho feito nos últimos meses, continuar a pronunciar-me em meu próprio nome sobre aquilo que considero ser mais benéfico para o meu partido, porque acho que tenho a obrigação de partilhar com os militantes as ideias que tenho para o partido, para o país. As pessoas até podem não achar graça às ideias e eu não fico zangado com ninguém, acho é que estou numa fase em que também estou consciente das responsabilidades que fui assumindo ao longo do tempo e portanto devo comunicá-las, devo partilhá-las. Agora, se houver um cenário de eleições terei de ponderar as minhas possibilidades, sabendo que também tenho responsabilidades pessoais que não vou transmiti-las a mais ninguém, que são minhas e em função disso tenho de fazer a minha ponderação e a minha reflexão. Não é isso que os políticos dizem? Os políticos profissionais com aquela língua de pau que já ninguém atura [risos].
Ou seja, são dois cenários em aberto.
Todos os cenários estão em aberto.
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