Se fizer uma pesquisa simples no Google utilizando a palavra “millenials”, o motor de busca devolve 14 milhões e 400 resultados; se substituir o termo por “generation Y”, os resultados sobem para os 196 milhões e, se optar por “estudos sobre os millenials”, o Google oferece-lhe 781 mil à escolha.

Em 2016, Jennifer J. Deal, uma investigadora do Center for Creative Leadership irá publicar (mais) um livro intitulado “What Millenials Want from Work: How to Maximize Engagement in Today’s Workforce”. A autora, que estuda esta (e as outras) geração há cerca de 17 anos, tem uma certeza absoluta: o que mais distingue este grupo de jovens, cujas idades variam (dependendo a quem se pergunte) entre os 18/19 e os 34/35 são… as tatuagens. “WTF?” – diria, decerto, um membro desta faixa etária. Só podem estar a gozar. Com tantos estudos, relatórios, capas de revistas, artigos, livros, especialistas culturais, sociólogos, psicólogos, profissionais de marketing, visionários de tendências, antropólogos organizacionais, consultores - entre uma enorme panóplia de outros tantos - a gastarem tempo e recursos para compreender, psicoanalisar, traduzir ou adivinhar os seus padrões de consumo, a forma como se comportam nos locais de trabalho, a melhor maneira de as empresas os atraírem e reterem, entre mil e um outro tipo de “questões muito importantes”, e esta senhora diz que o que mais distingue a também denominada geração Y é o número de tatuagens face às gerações que os precederam?

“Então e a história de sermos nós os ‘nativos digitais’, a net generation, que trata a tecnologia por tu, a primeira geração da história a saber mais que os progenitores, a mais bem preparada academicamente, a que está a alterar a forma como se trabalha nas empresas, a que prefere salvar o mundo do que salvar-se a si mesma com um bom salário, que não vai em tretas de trabalhar muitas horas porque há que ter tempo para os demais prazeres da vida, etc., etc., etc.,?” – perguntará outro espécimen desta tribo.

Ao que um representante informado da geração que a precedeu – aquela que ficou conhecida como X devido ao fotógrafo Robert Capa da famosa Agência Magnum, que retratou, num ensaio fotográfico, os que nasceram fruto da alegria do final da Segunda Guerra Mundial e da vontade incontrolável dos seus pais de fazerem filhos, sim, os tais Baby Boomers – poderá contrapor afirmando: “esses preguiçosos, narcisistas, egoístas, superficiais, mimados, habituados à gratificação instantânea, que só grunhem, não ouvem ninguém porque têm sempre aquelas coisas penduradas nos ouvidos, que teclam em vez de falarem, que não têm respeito pelas chefias, que não usam gravata nas reuniões, que acham que tudo deve ser feito em colaboração porque preferem não ser responsabilizados por nada, que vivem em casa dos pais porque gastam o dinheiro em viagens e que ainda mostram os seus narizes empinados ou as suas duck faces em selfies?”

O diálogo intergeracional que acabou de ler, apesar de ficcionado, espelha bem as variadas e opostas generalizações que, bem veiculadas pelos media apaixonados por estereótipos, perseguem a denominada geração millenial ou Y.

“Toda e qualquer geração imagina-se a si mesma como mais inteligente do que a precedeu e mais sábia do que a que a irá substituir”, afirmou, e com aparente razão, George Orwell. Mas, afinal, que motivos explicam a predileção exacerbada em escrutinar estes jovens que, indisputavelmente, cresceram com a presença ubíqua da tecnologia (para além do seu gosto por tatuagens)?

Em 2025, 75% da força laboral mundial será composta por millenials (se tiverem a sorte de ter trabalho)

Estatisticamente, existem vários fatores que conferem a este grupo uma merecida singularidade comparativamente às gerações que o precederam e, na medida em que o que é diferente angaria sempre atenção, faz algum sentido que sejam muitos os que desejam falar sobre os millenials.

Nos Estados Unidos, de onde é proveniente a maioria de estudos e relatórios sobre os mesmos, os millenials constituem a maior geração da sua história, com cerca de 75 milhões de representantes, sendo estimado que, em 2025, 75% da força laboral global seja por eles constituída. O que efetivamente os distingue é o facto de terem crescido rodeados de progressos tecnológicos constantes e de terem acompanhado a ascensão dos media sociais, para além de terem no currículo os níveis de educação mais elevados de sempre. Todavia e ironicamente, e porque cresceram também ao longo da grande recessão, num ambiente de turbulência económica, os seus elevados níveis académicos não impediram, pelo menos até agora, de ganharem muito menos dinheiro e de sofrerem elevados níveis de desemprego comparativamente aos seus pais com a mesma idade.

Apesar de cada país ter os millenials que merece, graças à globalização, aos media sociais e à exportação da cultura ocidental em tempo real, esta denominada geração Y acaba por ser mais homogénea em diferentes países do que o que acontecia, por exemplo, com os Xers ou os Baby Boomers, mais condicionados pelas fronteiras culturais e físicas que, entretanto, deixaram de existir.

Mas o que realmente parece importar para explicar toda esta atenção desmesurada prende-se com o facto de, também pela primeira vez na história, ser comum encontrar-se, no local de trabalho, quatro gerações diferentes a trabalhar lado a lado. Ora, uma força laboral multigeracional encerra algumas tensões que, de acordo com os gurus organizacionais, têm de ser antecipadas e solucionadas, não vá o diabo tecê-las e colocar em causa a tão necessária produtividade empresarial.

Com os estudos sobre estas supostas “aves raras” a multiplicarem-se, fomos igualmente assistindo a um conjunto de informações que, apesar de contraditórias, tinham como objetivo comum ajudar as empresas a compreender, apaparicar e lidar com esta geração que, aos olhos dos que os “investigam”, parecia fazer sombra às demais.

Os millenials podem ser descritos como jovens que privilegiam o bem-estar, desafiam os padrões convencionais de trabalho (considerados rígidos ou muito pouco flexíveis) em prol da flexibilidade e mobilidade, dispensam os horários laborais fixos e encaram a vida como um todo, aproveitando cada momento e não fazendo distinção entre trabalho, família e diversão e que se regem pela máxima “work hard, play hard”. Mas também há quem os considere preguiçosos. Na medida em que os seus cérebros não estão preparados para armazenar informação, pelo simples motivo de nunca terem tido necessidade de fazer esse exercício, apesar de mais aptos a desempenhar diversas tarefas em simultâneo e a mudar de registo (ou de chip) de forma quase imediata, o que agrada aos empregadores adeptos da necessidade do multitasking, são também acusados de serem demasiado impacientes e de não compreenderem, nem aceitarem, o modelo tradicional da gestão que pressupõe que a totalidade da informação esteja apenas acessível aos órgãos superiores das empresas e vedada aos restantes trabalhadores.

O problema - se é que existe - é que, à medida que o tempo passa, uma considerável quantidade de millenials começa agora a chegar a posições de liderança no interior das empresas e, depois de vários anos a serem escrutinados e adjetivados simpática ou antipaticamente, as organizações parecem estar crescentemente preocupadas com formas que assegurem o seu sucesso (enquanto líderes, é claro).

Se essa preocupação explica, em particular nos últimos dois anos, a profusão de novos relatórios que constatam a existência de mitos, preconceitos e falsas verdades que colocam em causa tudo o que já se escreveu e debateu sobre esta geração - que tanto é considerada narcisista e preguiçosa, como otimista, ativista e cheia de energia – não se sabe ainda. Mas a verdade é que se voltarmos a fazer uma pesquisa no Google, desta feita com a expressão “(quase) tudo o que sabemos sobre os millenials está errado”, os resultados começam também a ser abundantes.

Uma outra curiosidade face a toda a pesquisa que já se efetuou sobre esta geração é o facto de, por cada novo relatório apresentado por entidades reconhecidas, sejam as grandes consultoras, as mais famosas universidades e outros especialistas insuspeitos, nos é garantido, e às empresas, que o estudo em causa é “o mais representativo e abrangente” feito até então, o que confere sempre um “valor acrescentado” às supostamente novas descobertas.

Assim, e se quase tudo o que sabemos sobre esta geração está errado, em que devemos acreditar?

Me, myselfie and I

Quando, em 2013, a revista Time escolheu para tema de capa esta “Me, me, me generation”, a questão do seu narcisismo exacerbado foi pormenorizadamente analisada. Munida de complexos estudos psicológicos e de estatísticas provenientes de um sem número de fontes académicas insuspeitas, o artigo principal da revista centrava-se, exatamente, na incidência de uma desordem narcísica que marcava esta geração. “De acordo com o National Institutes of Health, esta desordem de personalidade narcisista afeta três vezes mais os jovens na casa dos 20 anos comparativamente aos que têm 65 ou mais anos”, podia ler-se. Adicionalmente, a revista norte-americana citava um estudo recente que assegurava que 40% dos millenials auscultados acreditavam que deveriam ser promovidos, independentemente da sua performance; a obsessão com a fama foi outra das características que a Time “estudou” e comprovou estatisticamente, em conjunto com um “atraso” no seu desenvolvimento, comprovado pelo facto de existirem mais jovens entre os 18 e os 29 anos que viviam com os pais e não com um(a) companheiro(a). E, por fim, a cereja no topo do bolo: a organização sem fins lucrativos Families and Work Institute reportara, em 1992, que 80% dos menores de 23 anos desejavam ter, um dia, uma posição de elevada responsabilidade. Dez anos depois, o mesmo instituto assegurava que este número tinha descido para apenas 60%. A preguiça estava “cientificamente” comprovada.

Mas o cenário quase apocalíptico da revista sobre estes estranhos jovens não se ficava por aqui. Sublinhando a ideia comummente aceite de que os millenials interagem entre si o dia inteiro apenas através de um (ou vários) ecrã, sentando-se uns ao lado dos outros sem conversarem mas em permanente ‘estado de texting’, a Time explicava que estes estranhos jovens “podem parecer calmos, mas sofrem uma profunda ansiedade por poderem estar a perder algo melhor”, nos seus vários universos virtuais. “Setenta por cento consultam os seus telemóveis em cada hora que passa e muitos sofrem do ‘síndrome da vibração fantasma no bolso’”, assegurava o artigo, citando ainda uma reputada professora de psicologia da Universidade da Califórnia, autora do livro “iDisorder” que afirmava que “este comportamento serve para reduzir os seus níveis de ansiedade” e que a sua busca constante por uma dose de dopamina [o neurotransmissor do prazer e da recompensa], protagonizada por um mero like na atualização do seu estado no Facebook, contribuía para a redução da sua criatividade. A propósito deste último item, a revista recorreu igualmente aos Torrance Tests of Creative Thinking, os quais, em meados dos anos de 1980, comprovavam um aumento da criatividade nas crianças de então, a qual descia a pique em 1998, o mesmo acontecendo com a avaliação da empatia, em 2000, queda esta explicada pela ausência de comunicação face a face e dos graus elevados de narcisismo de que padece (?) esta geração.

A revista assegurava, assim, que os millenials não só careciam da empatia necessária para se preocuparem com os outros, como também demonstravam problemas, a nível intelectual, que os impedia de compreender os pontos de vista alheios.

Feito este retrato arrepiante, para os próprios, para os Boomers e Xers, seus progenitores, e para as desgraçadas empresas que não sabem como lidar com esta geração tão “fora” dos parâmetros da normalidade que a todos sossega, o que mais sugerem os estudos nos últimos dois anos?

Surpresa: afinal a tecnologia não criou monstros autistas

Mitos, exageros e verdades desconfortáveis: a história real dos millenials no local de trabalho” é o título de um relatório publicado, em 2015, pelo IBM Institute for Business Values, o qual levou a cabo um estudo intergeracional de empregados em 12 países. Em termos muitos sintéticos, o estudo conclui que os representantes da geração Y – enquanto nativos digitais – oferecem um valor vital ao ambiente laboral que sofre mutações constantes próprias da revolução digital, mas que, por outro lado, e em vários patamares, os que estes jovens pretendem, em conjunto com os seus padrões de comportamento, é muito similar ao que os seus pares mais velhos desejam.

Afinal e pasme-se, as suas expectativas e objetivos de carreira não são diferentes das gerações que os precedem: a segurança financeira e a senioridade surgem, tal como nos Xers e nos Baby Boomers, como objetivos primordiais a atingir; a sua vontade constante de serem reconhecidos é exatamente a mesma da dos seus pares de trabalho; a ideia de que, sendo eles “viciados digitais” que tudo fazem e partilham online, sem respeito pelas fronteiras pessoais e profissionais, é também errada, na medida em que, por exemplo, preferem o contacto face a face quando estão a aprender novas competências no trabalho (na verdade, os millenials são, de acordo com este estudo, mais “capazes” de traçar linhas divisórias entre as suas vidas pessoais e profissionais no que respeita aos media sociais do que os próprios Xers ou Boomers); a história, tantas vezes repetida, de que, ao contrário dos colegas mais velhos, não conseguem tomar uma decisão sem primeiro ouvirem a opinião de vários é, agora também, desconstruída: apesar da sua reputação e tendência para o crowdsourcing e de ser legítimo afirmar que tomam melhores decisões quando pedem conselhos a várias pessoas, o mesmo acontece com dois terços dos Xers entrevistados; e, por último, a crítica que lhes é normalmente feita no que respeita a serem “saltimbancos de emprego” quando a função que exercem ou a empresa em que trabalham deixa de lhes despertar paixão pode igualmente ser atribuída tanto aos Xers como aos Baby Boomers: mais de 40% de todos os entrevistados admitiram mudar de emprego por mais dinheiro e por um ambiente de trabalho mais inovador.

Regressando a Jennifer J. Deal e à sua longa pesquisa no que às diferentes gerações diz respeito, é possível concluir que, afinal, todas as gerações que compõem as fileiras laborais da atualidade são, em maior ou menor escala, significativamente estereotipadas. A investigadora oferece, num seu livro anterior, a visão generalizada que se tem das várias gerações – a Geração Silenciosa (nascida antes de 1946), que valorizava o trabalho árduo, os Baby Boomers (1946-1964) que enaltecem a lealdade, os Xers (1965-1980) que desejam a conciliação entre vida profissional e familiar e os millenials que anseiam, acima de tudo, por inovação e mudança. Ou, como escreve, em termos de estereótipos negativos, “os Silenciosos estão fossilizados, os Boomers são narcisistas, os Xers são acomodados e os Millenials são ainda mais narcisistas do que os Boomers”. “O que não é verdade”, garante. Para esta investigadora, as gerações que se encontram em idade ativa valorizam, simples e essencialmente, as mesmas coisas, apesar de terem diferenças entre si e ainda bem.

Sendo assim, talvez seja a altura certa para se contradizer a retórica que predomina nos 781 mil estudos (e mais alguns que tenham parecido entretanto). Mais do que se espartilhar este grupo e encerrá-lo num compartimento estanque preenchido por verdades absolutas, talvez seja mais sensato e inteligente pensar que a vida é feita de estádios e que, tal como os Xers, por exemplo, cresceram e adaptaram-se, enquanto imigrantes digitais, a um ambiente laboral inovador, com novos valores e desafios, o mesmo irá acontecer a estes jovens. As atitudes e os comportamentos não são inalteráveis. Nem as culturas organizacionais e as receitas para a liderança.

Encarar os millenials como um “desafio” – para colocar a questão em linguagem de negócios – em nada contribui para a saudável convivência intergeracional nas empresas. Mas conferir um peso igual às inegáveis novas competências que esta geração traz para a força de trabalho - e sim, é prodigiosa a sua capacidade para colher e interpretar várias fontes de informação, bem como a sua competência para trabalhar em rede e aproveitar todas as vantagens do mundo digital – só trará benefícios não apenas aos seus pares mais velhos, como à empresa e, é claro, ao que mais interessa: a produtividade.

Por último, um apontamento pessoal à grande diferença (para além da mestria tecnológica) encontrada pela senhora Deal que caracteriza esta geração: uma viagem aos areais portugueses iria, decerto, baralhar a sua investigação. Tatuagens? Dos Baby Boomers aos Xers, elas andam aí.

Helena Oliveira é editora do Portal VER, tradutora e autora de “Palavras de Steve Jobs” e coordenadora de várias publicações na esfera económica. Gosta de fazer incursões noutros territórios editoriais e, desta curiosidade resultou já o conto infantil “O verdadeiro Pai Natal”. Gosta de ler, e de ler, e de ler, que são basicamente os seus hobbies favoritos. Antropóloga de formação, interessa-se pelo comportamento humano em geral, e pela sua interceção com as tecnologias em particular. O estranho e culturalmente fértil mundo das empresas é, igualmente, uma das suas áreas de preferência.