Correu para acordar os filhos que, com a ajuda do pai e da avó, fugiram à subida repentina das águas, a mesma a que já assistira em anos anteriores.

"Viemos pela rua fora. Vamos tentar comprar roupa nova para as minhas filhas. As mais novas têm menos de dois anos e lá em casa está tudo molhado e a flutuar", lamenta Urbai, descalça, ensopada, como o resto da família, junto a uma grande superfície, numa das avenidas da capital provincial.

A depressão carregada de chuva que ainda paira sobre a província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, depois da passagem do ciclone Kenneth, provocou hoje as cheias que ciclicamente atingem zonas de risco em Pemba - sem registo de vítimas desde madrugada.

"Todos os anos a gente sofre", descreve Urbai, que lamenta que o facto de nenhuma entidade pôr cobro à situação.

As cheias variam, de ano para ano, de cada vez que a época das chuvas (de novembro a abril) se faz sentir com maior intensidade e as inundações de hoje em Wimbi Expansão são comparáveis às de 2013, diz Urbai.

No mesmo bairro, a água chegou até ao pescoço, dizem alguns moradores, que carregam haveres em ruas onde, agora, a água está sempre acima do joelho, mesmo nos pontos mais altos - sendo que não para de chover desde o início da manhã.

Um grupo recorre a um barco pneumático, para tentar salvar mobílias.

No bairro Josina Machel, ao lado, junto à marginal, o cenário é idêntico e outro barco avista-se com eletrodomésticos.

Noutra zona, no bairro de Ingonane, a inclinação dá forças às águas pluviais.

A corrente impõe respeito e arrasta pedações de asfalto, ao lado de postes caídos e casas precárias com as estacas desfeitas no chão.

"Queremos apoio, estamos a sofrer. Todos os anos sofremos", gritam os moradores por entre o som ensurdecedor da corrente.

Poucos metros à frente, algumas valas para águas pluviais quase transbordam, mas evitam que o bairro de Paquite, que recebe os caudais da zona alta, tenha inundações de maior.

O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) e o braço humanitário das Nações Unidas (OCHA), que estado a mobilizar recursos para Pemba devido ao ciclone Kenneth, têm equipas de socorro nas ruas, a vigiar a situação.

Uma fenda que se abriu no solo, no bairro de Mahate, centra atenções devido aos receios de deslizamento de terras e a população está a ser chamada para abandonar as casas e sair daquela zona.

Há também equipas a ajudar residentes que perderam casas no bairro de Natite.

O ciclone Kenneth dissipou-se no sábado, mas semeou chuva com intensidade em diversas zonas das províncias de Cabo Delgado e Nampula que ainda deverão prolongar-se pelos próximos dias e com alertas para as bacias de vários rios da região.

Pemba tinha escapado à entrada do ciclone em terra, na quarta-feira, mas o pior por acabou por chegar hoje.

O ciclone Kenneth foi o primeiro, desde que há registos, a atingir o Norte de Moçambique, onde provocou cinco mortos, segundo número oficiais e numa altura em que ainda decorrem levantamentos em zonas mais remotas.

Quase 3.500 casas foram parcial ou totalmente destruídas, pelo menos 16 mil pessoas foram afetadas pelo ciclone e há mais de 18 mil pessoas em 22 centros de acomodação.

No último ano, a época das chuvas tinha deixado cerca de mil famílias sem abrigo na província de Cabo Delgado, segundo dados do INGC.

* Por Luís Fonseca (texto e vídeo) e António Silva (fotos) / Lusa