“Pessoalmente, estou profundamente preocupado com a possibilidade de grupos extremistas [estarem] a atuar em território moçambicano e se estarem a tornar numa grave ameaça regional”, refere uma missiva de António Guterres, datada de 01 de abril, enviada a Carlos Zorrinho e Isabel Santos.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) respondia assim a uma carta que lhe tinha sido endereçada pelos dois eurodeputados do PS, em 19 de novembro de 2020, onde apelavam a um “envolvimento mais profundo da União Europeia (UE) e da ONU” na resposta aos ataques no norte de Moçambique.
Frisando que “partilha a preocupação” de Carlos Zorrinho e Isabel Santos “quanto à situação de segurança em Cabo Delgado, que se agudizou nos últimos dias”, Guterres defende que “ataques contra a população civil são inaceitáveis e os seus autores devem ser responsabilizados”.
“Os recentes acontecimentos em Palma e na região de Cabo Delgado apelam a uma ação concertada e coordenada da comunidade internacional, com particular destaque para a União Africana (UA) e para a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em apoio aos esforços do Governo de Moçambique”, aponta o secretário-geral.
Referindo-se às iniciativas da ONU, Guterres informa que o Escritório de Contraterrorismo da organização (UNOCT, na sigla em inglês) tem desenvolvido “vários programas de apoio a Moçambique” na área da “assistência técnica com foco em áreas críticas”, nomeadamente na "análise e partilha de informação” ou no “controlo e segurança das fronteiras”, estando esses programas “prontos a ser implementados logo que o Governo moçambicano comunique o seu acordo ou formule um pedido oficial de assistência”.
“O UNOCT tem vindo a prestar assistência à própria SADC quer a nível da elaboração de uma estratégia regional de contraterrorismo, quer a nível da implementação de programas contra o extremismo violento ou contraterrorismo”, frisa o responsável.
Abordando especificamente a questão humanitária e o pedido de Carlos Zorrinho e Isabel dos Santos no que se refere a uma “intervenção mais ativa da UE em cooperação com o Governo de Moçambique”, António Guterres reconhece que “será necessária uma abordagem holística, incluindo a promoção da tolerância e resiliência a nível comunitário, assim como dar apoio aos meios de subsistência de mulheres e jovens em risco de recrutamento por grupos radicalizados ou criminosos”.
Nesse âmbito, o secretário-geral diz que a equipa da ONU em Moçambique está a trabalhar com o Governo local para “ajudar a abordar as causas profundas da violência e responder às necessidades humanitárias imediatas", realçando também que o "plano de resposta humanitário requer urgentemente 254,4 milhões de dólares para poder atender a 1,1 milhões de pessoas".
“A ONU está a trabalhar para apoiar de perto a formulação da estratégia de desenvolvimento e resiliência do Governo para as províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, em coordenação com o Banco Mundial e outros parceiros, como a UE”, destaca.
António Guterres ressalva ainda que a ONU “não poupará esforços para continuar a trabalhar com Moçambique e os seus parceiros na busca de soluções duráveis para enfrentar os desafios humanitários, de desenvolvimento, de paz e de segurança”.
Na carta de 19 de novembro de 2020, Carlos Zorrinho e Isabel Santos tinham apelado a “um envolvimento mais profundo e ativo da comunidade internacional” em Moçambique, “com os esforços interligados da UE e das Nações Unidas, envolvendo todas as organizações regionais”.
Os dois eurodeputados sublinhavam ainda que estavam a trabalhar para que a “UE seja mais ativa” no que se refere à questão de Cabo Delgado, pedindo “uma intervenção mais concreta, quer das instâncias comunitárias, quer das autoridades moçambicanas”.
“Estamos conscientes dos vários constrangimentos, mas importa reforçar a estratégia de diálogo e cooperação entre as várias organizações com vista a medidas concretas no terreno para ultrapassar as dificuldades existentes”, diziam na missiva.
A violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado ganhou uma nova escalada há cerca de duas semanas, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma, que está a cerca de seis quilómetros dos multimilionários projetos de gás natural.
Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados das Nações Unidas.
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na segunda-feira o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas reassumiram completamente o controlo da vila, anunciou na segunda-feira o porta-voz do Teatro Operacional Norte, Chongo Vidigal, uma informação reiterada esta quarta-feira pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi.
Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora haja relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.
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