“Dentro daquilo que foram os primeiros 100 dias, conseguimos realmente fazer muita coisa, ter realmente aquilo que foram as promessas que fizemos durante a campanha [eleitoral], muitas delas alinhadas [com o anterior executivo], mas também muito respeito pela oposição”, refere Carlos Moedas, em declarações à agência Lusa.

Entre as principais medidas implementadas, o presidente da Câmara de Lisboa, que governa sem maioria absoluta, destaca a devolução aos lisboetas de 3% do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), que foi viabilizada com a abstenção do PS, e as opções “cruciais” que constam da proposta de orçamento municipal para 2022, inclusive os transportes públicos gratuitos para residentes menores de 23 anos e maiores de 65 (12 milhões de euros), o plano de saúde gratuito para os mais carenciados com mais de 65 anos (dois milhões de euros) e o desconto de 50% no estacionamento da EMEL para residentes em toda a cidade (2,5 milhões de euros).

“Nestes 100 dias conseguimos realmente muito, dentro dos limites daquilo que se consegue numa situação em minoria dentro da câmara municipal”, reforça o autarca, lembrando o recente episódio de interrupção da reunião de câmara em que se iria votar o orçamento, após o PS ter alertado para “um erro de 40 milhões de euros” na distribuição das verbas, nomeadamente na habitação.

Carlos Moedas diz enfrentar “algumas dificuldades - dificuldades sobretudo políticas” - para conseguir liderar o executivo, o que acontece “quando não há da outra parte a capacidade de deixar governar quem ganhou”.

No âmbito da proposta de orçamento, que apresenta uma despesa total de 1,16 mil milhões de euros, e que se prevê viabilizada com a abstenção dos vereadores PS e os votos contra da restante oposição, realça a inclusão de “muito do que estava a ser feito pelo executivo anterior”.

“Tivemos um respeito enorme pelo executivo anterior em termos de compromissos, o mesmo já não se pode dizer do outro lado”, aponta.

O social-democrata considera que o balanço da governação da cidade “é sobretudo positivo na capacidade que a equipa teve de pôr já em proposta” algumas das promessas da coligação “Novos Tempos” (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança).

“É notável em 100 dias conseguir ter aqui propostas muito concretas, que podem arrancar com a aprovação do orçamento, e com a aprovação do orçamento tudo isso pode acelerar”, sublinha, assegurando que houve diálogo com a oposição.

Assumindo-se “institucionalista”, porque defende que se deve “manter os compromissos da instituição”, Carlos Moedas reforça que “o orçamento reflete essa capacidade de ouvir - mais do que isso, a capacidade do compromisso”. O documento resulta de “um esforço enorme”, pelo que agradece aos trabalhadores do município, inclusive à Direção Municipal de Finanças.

Outras das medidas que integram o orçamento para 2022 são o programa Recuperar+, com 13 milhões de euros para apoio a fundo perdido para relançar a economia, e a Fábrica de Empresas, também designada como Fábrica de Unicórnios, ideia promovida durante a cimeira tecnológica Web Summit e que será concretizada no Hub Criativo do Beato, para que este seja um polo de crescimento de ‘startups’ de base tecnológica, com o investimento de mais um milhão de euros.

No atual mandato (2021-2025), o executivo municipal de Lisboa, que tomou posse em 18 de outubro e cumpre na terça-feira, 25 de janeiro, 100 dias no exercício de funções, é composto por sete eleitos pela coligação “Novos Tempos” (três do PSD, dois do CDS-PP e duas independentes), que são os únicos com pelouros atribuídos, sete pela coligação “Mais Lisboa” (cinco do PS, um do Livre e uma independente), dois da coligação PCP/PEV (ambos do PCP) e uma do BE.

A distribuição de pelouros aconteceu quase três semanas após a tomada de posse e trouxe como novidade a criação do pelouro de Transparência e Combate à Corrupção, atribuído à também vereadora do Urbanismo, Joana Almeida (independente eleita pela “Novos Tempos”), mas ficou por concretizar a intenção de Carlos Moedas de criar e assumir o pelouro da Transição Energética e Alterações Climáticas.

Antes da proposta de orçamento, a governação foi também marcada pela discordância com os vereadores da oposição em matérias como a concentração da vacinação contra a covid-19 no Parque das Nações, a alteração de critérios para candidaturas ao Programa de Renda Acessível – iniciativa que foi rejeitada –, a alteração das regras para testes gratuitos à covid-19 nas farmácias e o encerramentos de centros de acolhimento de emergência de pessoas em condição de sem-abrigo.

Entre as propostas que a oposição conseguiu aprovar, com os votos contra dos eleitos da coligação “Novos Tempos”, destaca-se a “suspensão imediata” de novos registos de alojamento local em Lisboa, apresentada pelo PS.

“A democracia está sempre à frente […]. Portanto, eu vou respeitar a vontade da oposição quando leva à câmara algo que vai até contra aquilo que eu quero, agora também pedia que a oposição respeitasse o facto de eu ter ganho as eleições”, diz Carlos Moedas.

No seu entender, a opção de suspender novos registos de alojamento local “está erradíssima”, ainda mais numa altura de recuperação económica na sequência da pandemia, pelo que “é uma loucura” e “não tem lógica”.

“A mesma coisa em relação à Renda Acessível, em que propúnhamos apenas um critério que vinha dar alguma prioridade àqueles que vivem em Lisboa ou que já viveram em Lisboa, porque senão é um totoloto e o próprio mecanismo não funciona, mas respeitámos aquela que é a vontade da oposição”, indica, reiterando o pedido para que a oposição também respeite a vontade da coligação “Novos Tempos”.

Considerando que, “com compromisso e inteligência”, se consegue “fazer muitas coisas” nos próximos quatro anos de mandato, Carlos Moedas realça: “Eu estarei aqui, estarei com os lisboetas, estarei sempre a lutar, não tenho qualquer mágoa pessoal, não tenho aqui qualquer problema. Percebo que aqueles que estão do outro lado ainda não perceberam que perderam as eleições, mas isso é algo que eu penso que com o tempo ou o tempo resolverá.”

Esta é a primeira experiência do ex-comissário europeu enquanto autarca. “Está a ser o momento profissional talvez mais extraordinário da minha vida”, afirma, sentindo-se “completamente preparado” para o desafio e considerando que o seu percurso profissional enquanto político “traz um valor muito grande à cidade”.

Oposição na Câmara de Lisboa queixa-se da falta de diálogo

A completarem-se 100 dias da posse do atual executivo municipal de Lisboa, a oposição queixa-se, quase em uníssono, da falta de diálogo com Carlos Moedas (PSD), uma afirmação que o autarca diz não ser verdade.

Em declarações à agência Lusa, o PS fala em “sinais de arrogância e prepotência política”, o BE diz que a disponibilidade para ouvir a oposição “é meramente retórica”, o Livre refere que é preciso “um esforço para manter o diálogo” e a vereadora independente Paula Marques (eleita pela coligação PS/Livre) recorda que “o governo da cidade é feito com todas as pessoas que estão eleitas”.

Já o PCP afirma ter um posicionamento ideológico “bastante distante” da governação PSD/CDS-PP, o que dificulta consensos, mas assegura que tem “a maior abertura para o diálogo possível”, uma vez que faz parte de “um executivo plural”.

Em resposta, o presidente diz ter “muito respeito pela oposição” e garante que a acusação de falta de diálogo “não é verdade, até porque houve muitas reuniões, até porque muito daquilo que está no orçamento mostra exatamente esse sentido de compromisso”.

“Se a oposição dissesse ‘Carlos Moedas fez um orçamento que não teve em conta tudo o que nós estávamos a fazer’, então era porque não os tinha ouvido. Foi exatamente por ouvi-los que mantive muitos dos projetos anteriores, que eram projetos do executivo anterior […]. A prova que foram ouvidos está no orçamento”, garante.

A vereadora do PS Inês Drummond diz, contudo, que “Carlos Moedas começa a dar preocupantes sinais de arrogância e prepotência política, numa tentativa de impor o seu programa, sem qualquer negociação ou diálogo com as outras forças políticas, criando depois sucessivos números políticos para se vitimizar - qual Calimero - a cada crítica da oposição”.

“Tem passado muito tempo a criticar a oposição, dizendo que ganhou as eleições e que não percebemos que ganhou as eleições e que não o deixamos governar, mas curiosamente o PS é o único partido que lhe tem criado condições de governabilidade, até com a viabilização do orçamento, e com quem ele não tenho tido qualquer tipo de diálogo”, indica Inês Drummond, referindo que, ao longo destes 100 dias, a liderança apresentou 170 propostas e o PS votou apenas contra uma, votou a favor de 160 e absteve-se em nove.

A socialista defende que a narrativa de Moedas de que não o deixam governar “tem de parar” e é preciso que se centre na governação, “com credibilidade, seriedade, verdade, diálogo e bom senso”, em vez de “estar sempre à procura de holofotes, com jogos políticos e numa estratégia de vitimização”.

“O balanço que fazemos da liderança de Carlos Moedas nestes primeiros 100 dias deixa o PS intranquilo”, realça Inês Drummond. O autarca, acrescenta, tem optado por ser “o principal foco de instabilidade”, mas o PS continua disponível para dialogar sobre o futuro, para que “não perca o que está a perder nestes últimos tempos”.

Na perspetiva da vereadora do BE, Beatriz Gomes Dias, tem havido “um desinteresse” do presidente em conversar com a oposição, inclusive para o orçamento, em que “a única consulta que aconteceu foi no âmbito do direito de oposição”.

“Esta disponibilidade para ouvir é meramente retórica, não há uma disponibilidade para ouvir os vereadores da oposição e para integrar o que são as propostas dos vereadores da oposição, portanto isso revela-nos que há uma convicção de que, tendo ganho a câmara, embora minoritário, não terá de dialogar com as forças dos outros partidos políticos para ver as suas medidas aprovadas, o que é extremamente perigoso e pouco democrático”, acusa a bloquista, defendendo que a legitimidade para a tomada de decisão é igual entre todos os eleitos.

Para a continuação do mandato, Beatriz Gomes Dias entende que Moedas terá de alterar a forma como está a conduzir o executivo, “criando canais de diálogo efetivo com os vereadores da oposição”.

Com disponibilidade para dialogar “no exercício de uma oposição, que é franca, leal e honesta”, e o compromisso de “julgar todas as decisões políticas pelos seus méritos”, o vereador do Livre, Rui Tavares, insiste que “é preciso que haja também do lado da direita [PSD/CDS-PP] um esforço para manter o diálogo”, o que não aconteceu com o orçamento para 2022.

“Foi prometida uma atitude executiva de escuta e diálogo, não tivemos isso neste processo orçamental, que foi apresentado nas suas grandes linhas primeiro à imprensa e não à oposição. Tivemos uma primeira reunião muito genérica, introdutória, no início do processo, pedimos para ser incluídos em reuniões mais técnicas, não fomos, portanto esse é um défice que esperemos que venha a ser colmatado”, apela.

A vereadora independente Paula Marques (eleita pela coligação PS/Livre) reforça que PSD/CDS-PP governam sem maioria absoluta e que todos os eleitos têm legitimidade para defender opções políticas, porque “o governo da cidade é feito com todas as pessoas que estão eleitas”, pelo que “é preciso diálogo”, algo que considera não ter acontecido em relação ao orçamento.

Do PCP, a vereadora Ana Jara explica que, apesar de uma visão “muita distinta” do que está no programa de PSD/CDS-PP, os comunistas estão disponíveis para responder a qualquer repto da governação: “Fazemos parte de um executivo plural, portanto é ali que se tomam as decisões e nós temos, desde logo, a maior abertura para o diálogo possível”.

Habitação e mobilidade são preocupações dos vereadores da oposição em Lisboa

Os vereadores da oposição na Câmara de Lisboa manifestam preocupação com a governação de Carlos Moedas (PSD) na resposta a problemas e desafios que a cidade enfrenta em áreas como habitação, saúde, mobilidade e combate às alterações climáticas.

“Lisboa, antes de Moedas, era uma cidade progressista, que liderava em matérias de políticas públicas de habitação, de mobilidade, de soluções ambientais, no apoio à economia, à saúde, no apoio aos mais desprotegidos, e agora é uma cidade que está a perder o seu rumo, a perder competitividade e a deixar para trás muitos lisboetas”, afirma a vereadora do PS Inês Drummond.

A socialista aponta como retrocessos a resposta do município à pandemia de covid-19, inclusive na testagem e no programa de apoio ao comércio e restauração, em que “não se conhece nenhuma alternativa aos programas que existiam”; o desinvestimento na política pública de habitação, “com a suspensão do plano para construção de 1.000 casas em Marvila em Renda Acessível e de mais 400 no Restelo”; e a redução de 75% do investimento na manutenção das casas dos bairros municipais, passando de oito para dois milhões de euros.

“Carlos Moedas, de facto, acha que o problema da habitação se resolve com a descida de impostos para jovens comprarem casas a 250 mil euros”, refere Inês Drummond, considerando que o autarca do PSD “não conhece a realidade social de Lisboa", razão pela qual se pode perceber “que insista, por exemplo, na desregulação do alojamento local na cidade, opondo-se à suspensão das novas licenças”.

A socialista aponta também “sinais contraditórios, mas preocupantes, na mobilidade da cidade”, referindo-se ao metro ligeiro de superfície que liga Alcântara, Ajuda e Restelo a Algés e Linda-a-Velha, e depois o de Santa Apolónia, Beato, Marvila e Parque das Nações a Loures, em que os trabalhos que estavam a ser desenvolvidos estão parados e “não se conhece uma orientação, nem foi tomada qualquer medida”, o que pode vir a comprometer este que é “um dos eixos de transporte público mais relevantes e com impacto para tirar milhares de carros da cidade”.

Do PCP, a vereadora Ana Jara defende que, “contrariamente ao que foi anunciado, não há novos tempos para Lisboa”, porque as Grandes Opções do Plano para 2022-2026 “não correspondem aos problemas da cidade” e a primeira medida apresentada pela governação PSD/CDS-PP foi “restringir o acesso à habitação nos programas de acesso à Renda Acessível”, para que passassem a ser dirigidos apenas a residentes na cidade, uma proposta rejeitada com os votos contra de toda a oposição.

Sobre os primeiros 100 dias da atual governação, Ana Jara critica a visão de “uma cidade quase circunscrita a uma fronteira administrativa”, o que se reflete nas medidas apresentadas relativamente à saúde, aos transportes públicos e ao modelo económico de competitividade e de atração de grandes empresas para a cidade, com uma ideia de competitividade à escala europeia, o que tem conduzido a “grandes disparidades à escala regional e desigualdades entre cidades e capitais, e que acentuam diferenças entre Lisboa e o resto do país”.

Para o PCP, é fundamental pensar num desenvolvimento de Lisboa à escala área metropolitana, inclusive com o estudo da carga turística para repensar o modelo de desenvolvimento do setor, com e a construção de mais habitação de promoção pública, o que “não está presente no discurso nem nos planos que são apresentados por PSD/CDS”.

Ana Jara reforça a oposição ao plano de saúde para pessoas vulneráveis com mais de 65 anos, por se tratar de “contratualização de seguros de saúde privados”, assim como em relação à devolução de 3% do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – proposta que foi viabilizada com a abstenção do PS –, porque “abdica de uma receita superior a 42 milhões de euros”, devolvida “maioritariamente às pessoas de maior rendimento”, que são “1% de famílias mais ricas do país”. Essa receita, diz, deveria ser investida em políticas sociais, inclusive de habitação, para responder às desigualdades sociais e aos grandes desafios da coesão territorial.

Na perspetiva da vereadora do BE, Beatriz Gomes Dias, os primeiros 100 dias de governação PSD/CDS-PP têm sido marcados por “vários problemas na gestão da cidade de uma câmara que está relativamente estagnada, que não tem trazido nenhuma inovação e dinâmica à gestão da própria cidade”, uma vez que o avanço de medidas está relacionado com o favorecimento do trânsito automóvel, com o desconto de 50% no estacionamento para residentes em Lisboa, e com a devolução de IRS para aqueles que já têm rendimentos mais altos.

Outros dos problemas da cidade durante este primeiro período, segundo Beatriz Gomes Dias, foram o encerramento dos postos de vacinação descentralizados, a tentativa de alterar as regras do regulamento do Programa Renda Acessível, o abandono das Zonas de Emissão Reduzida (ZER), os cortes no financiamento das associações que promovem os modos ativos de mobilidade e o encerramento dos centros de apoio às pessoas em situação de sem-abrigo.

Para o vereador do Livre, Rui Tavares, este período fica marcado por “uma dificuldade em conciliar promessas com escolhas”, desde logo ao “devolver impostos aos lisboetas mais ricos” e ao prometer fazer investimentos em áreas como a habitação “sem explicar que os recursos para uma coisa tem de vir do outro lado”, situação que ficou ilustrada com “uma falha nas contas” do orçamento.

Outra das críticas de Rui Tavares prende-se com a ideia de querer combater as alterações climáticas ao mesmo que se beneficia o uso do automóvel individual, através da redução do preço do estacionamento, uma “escolha errada” e que favorece o ‘lobby’ do automóvel sobre os interesses a longo prazo da cidade.

Sindicato do município de Lisboa dá o benefício da dúvida ao novo presidente

O Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML) ainda não conseguiu reunir-se com o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, mas dá o benefício da dúvida à nova gestão autárquica, 100 dias depois do início do mandato.

“Não podemos fazer nenhum balanço, nem negativo nem positivo. Nunca chegou a falar connosco. Se contacta com alguns trabalhadores, não foi connosco”, disse à Lusa Vítor Reis, do STML, referindo-se à promessa do novo presidente de realizar uma gestão próxima dos trabalhadores.

O sindicalista afirmou que o único contacto que teve com o novo executivo foi com o vice-presidente, Filipe Anacoreta Correia, por causa de um imprevisto concreto que surgiu, relativo à organização do trabalho da higiene urbana no Natal e no Fim de Ano.

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