"Propusemos vetos, e chamou-me a atenção o Presidente não ter acolhido essas propostas de veto, especialmente se levarmos em conta o discurso dele tão incisivo contra a corrupção e a impunidade. Limitar acordos e prisão preventiva bate de frente com esse discurso. Isso aconteceu em dezembro de 2019, mesmo mês em que foram feitas buscas relacionadas ao filho do Presidente [senador Flávio Bolsonaro], afirmou Moro.
Segundo o antigo juiz da Lava Jato, maior operação anticorrupção no Brasil, as restrições à decretação de prisão preventiva e a acordos de colaboração premiada (benefício concedido a um réu que aceite colaborar na investigação criminal) não se enquadravam no discurso de combate à corrupção defendido por Bolsonaro na sua campanha eleitoral de 2018.
O projeto anticrime foi um dos principais planos desenvolvidos por Moro, enquanto ministro da Justiça do Governo de Bolsonaro, onde constavam novas normas para o combate à violência e à corrupção, e que foi aprovado com 25 vetos do chefe de Estado em dezembro do ano passado, após ser avaliado pelo Senado.
Sergio Moro pediu demissão do Governo no final de abril, acusando Jair Bolsonaro de tentativa de interferência na Polícia Federal, na sequência da demissão do ex-chefe da instituição Maurício Valeixo.
Segundo Moro, Bolsonaro teria exigido a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro para evitar investigações a familiares e aliados.
"O Presidente disse-me, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele [para quem] ele pudesse ligar, [de quem] ele pudesse colher informações, [com quem] ele pudesse colher relatórios de inteligência. Seja o diretor [da Polícia Federal], seja um superintendente", declarou Moro, quando pediu a demissão.
Desde então, Moro tem dado entrevistas e já foi ouvido pela Justiça contra Bolsonaro.
Em entrevista à revista Crusoé, o ex-juiz criticou ainda as tentativas de aliança de Bolsonaro com o chamado "centrão", bloco informal na Câmara dos Deputados que reúne parlamentares de partidos de centro e centro-direita, indicando que o Presidente está a ser incoerente e que apenas quer impedir a sua destituição através dessa aproximação política.
"No que se refere às alianças políticas, o discurso do Presidente era muito claro no sentido de que ele não faria alianças políticas com o 'centrão' e agora está a fazer. E a culpa não pode ser posta em mim, dizendo: 'Olha, foi preciso fazer aliança com o centrão por causa da saída do Moro'. Não, isso precedeu a minha saída. Começou antes, pelo receio do Presidente de sofrer uma destituição. A motivação principal da aliança é essa", afirmou o ex-governante.
Acerca das suspeitas da existência de uma "Abin paralela" no Governo, que funcionaria como um órgão clandestino, nos moldes da Agência Brasileira de Inteligência do Brasil (Abin), que incluiria a instalação de escutas telefónicas, e que foi denunciada por alguns ex-aliados de Bolsonaro, Sergio Moro revelou que foram solicitados, de forma informal, "talvez cinco polícias federais" para atuar diretamente na sede da Presidência, sem que o motivo fosse esclarecido.
"Isso nunca me foi colocado nesses detalhes. O que houve no começo do Governo, no início de 2019, foram solicitações informais para que nós cedêssemos um número até significativo de polícias federais para atuar diretamente no Palácio do Planalto. Mas essa ideia, como foi revelado pelo falecido Gustavo Bebianno [ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência], foi abortada. Isso foi cortado. Isso não evoluiu", indicou Moro.
Moro disse também, em entrevista, que se sentia "desconfortável" no Governo, sobretudo pela "agressividade" e pelo "estímulo à violência" de Bolsonaro e dos seus alaidos mais próximos.
"Não posso mentir. Eu sentia-se desconfortável em vários aspetos do Governo: pela agressividade contra a imprensa, pelo estímulo à violência, ao ódio e, mais recentemente, pela descoordenação completa em relação ao combate ao coronavírus. Eu sempre defendi o isolamento", destacou.
Jair Bolsonaro tem suscitado críticas por se opor ao isolamento para combater a propagação da covid-19 no Brasil, o segundo pais com maior número de infeções em todo o mundo (mais de 438 mil casos e 26.417 mortos), a seguir aos EUA.
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