Nascida em Lisboa, a 22 de abril de 1924, Carmen Dolores estreou-se nos palcos no Teatro da Trindade, na capital portuguesa, em 1945, integrada na Companhia Os Comediantes de Lisboa, na peça “Electra, a mensageira dos deuses”, de Jean Giraudoux, encenada por Francisco Ribeiro (Ribeirinho).

Para trás ficava um percurso iniciado anos antes, na rádio, como declamadora e atriz, e no cinema, onde protagonizara filmes como "A vizinha do lado", de António Lopes Ribeiro, e “Amor de Perdição”, de Leitão de Barros.

Seguir-se-ia o trabalho no Teatro Nacional D. Maria II, então com a Companhia Rey Colaço - Robles Monteiro, e um percurso de 60 anos que passou pela maioria dos palcos portugueses, companhias independentes, cinema, rádio e televisão.
Retirou-se em 2005, com a peça “Copenhaga”, no Teatro Aberto, encenada por João Lourenço.

Em julho de 2018, a atriz foi condecorada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com as insígnias de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, no âmbito de uma homenagem no Teatro da Trindade à atriz, que incluiu a estreia da peça “Carmen”, inspirada nas suas memórias, e o batismo da sala principal com o seu nome.

Carmen Dolores foi ainda distinguida com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, atribuído pelo Presidente da República Jorge Sampaio, com a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Lisboa, o prémio Sophia de Carreira, da Academia Portuguesa de Cinema, e o Prémio António Quadros de Teatro, entre outros galardões.

Uma atriz com "carreira distinta" e "rigor e elegância"

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou hoje a morte da atriz Carmen Dolores, enaltecendo "a sua carreira distinta", com "rigor e elegância" no teatro e em momentos importantes do cinema português.

Numa mensagem de pesar publicada no portal da Presidência da República na Internet, o chefe de Estado recorda que, "em 11 de julho de 2018, a sala principal do Teatro da Trindade, em Lisboa, passou a chamar-se Sala Carmen Dolores" e que nessa ocasião entregou à atriz as insígnias de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, "uma das muitas distinções que lhe foram conferidas".

"Esse reconhecimento, expressivo, simultâneo e constante, do público, dos pares e dos responsáveis políticos, é tão significativo quanto justo, tendo em conta o talento de Carmen Dolores, a sua carreira distinta e uma certa ideia de estar em palco e de estar no espaço público", considera o chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa enaltece a carreira de Carmen Dolores no teatro, descrevendo-a como "atriz de repertório", que "interpretou, com rigor e elegância, os clássicos e os clássicos modernos" - Shakespeare, Strindberg, Pirandello, Brecht, Giraudoux, Tennessee Williams, várias vezes Tchékhov - "com uma presença que impressionou diferentes gerações".

"Foi no Teatro da Trindade que a atriz se estreou nos palcos, em 1945, numa encenação de Ribeirinho, e a despedida aconteceria em 2005, numa encenação de João Lourenço, no Teatro Aberto. Ao longo das décadas, esteve ligada ao Teatro Nacional D. Maria II e ao Teatro Nacional Popular, entre outros, contando-se depois entre os atores que fundaram, em 1961, o Teatro Moderno de Lisboa, companhia que fez jus ao seu qualificativo", refere-se nesta nota.

Nesta mensagem de pesar, assinala-se também a participação de Carmen Dolores "em momentos importantes do cinema português", em filmes como "Amor de Perdição", de António Lopes Ribeiro, em 1943, "Balada da Praia dos Cães", de José Fonseca e Costa, em 1987, e o seu "trabalho para a televisão e a rádio, incluindo o teatro radiofónico".

"Destacou-se igualmente como 'diseuse' e divulgadora de poesia, e como autora de livros de memórias, o último dos quais intitulado 'Vozes Dentro de Mim'. Vozes que se exprimiram na sua voz e dicção inconfundíveis, e que continuarão connosco e com os vindouros", acrescenta-se.

O Presidente da República apresenta "sentidas condolências" à família de Carmen Dolores.

"Atriz de delicadeza rara" que "marcou o teatro"

O primeiro-ministro, António Costa, lamentou hoje a morte de Carmen Dolores, recordando-a como "uma atriz de uma delicadeza rara, modesta para quem tão admiravelmente marcou o teatro português", e que "amava a palavra".

"Era uma atriz de uma delicadeza rara, modesta para quem tão admiravelmente marcou o teatro português e inspirou nos outros o gosto pelo teatro. Carmen Dolores, a atriz que amava a palavra, deixou-nos. Continuará connosco, no palco da memória", escreveu António Costa, numa mensagem publicada na rede social Twitter.

“O teatro está de luto”

O fundador do Teatro Experimental de Cascais Carlos Avilez considerou hoje que “o teatro está de luto com a morte de Carmen Dolores”.

Carlos Avilez disse à agência Lusa que “adorava a Carmen Dolores”, por quem tinha “uma grande amizade e um grande respeito”, classificando-a como “uma pessoa única” e uma “mulher de causas”.

“Não conheço ninguém que não gostasse da Carmen, fala-se dela e a classe inteira tinha um respeito e uma admiração enorme pela Carmen. Ainda bem que chegou a ser homenageada em vida”, afirmou.

O ator e encenador destacou ainda “a magnifica voz que a Carmen tinha”, a sua “autoridade humana”, a “sensibilidade” e a “elegância na forma de ser”.

Tendo trabalhado com Carmen Dolores “como ator”, em 1956, e feito com ela em Cascais “duas peças”, Carlos Avilez revelou ter sido “sempre um grande admirador” da atriz.

“Ainda a semana passada falei com ela. Embora tivesse 96 anos, não esperava [a sua morte]”, acrescentou.

Um "serviço de exceção" à cultura portuguesa

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou hoje a morte da atriz Carmen Dolores, uma “voz inesquecível” cujo talento “ajudou a transformar o teatro em Portugal” e que prestou um “serviço de exceção à cultura portuguesa”.

“Uma atriz comprometida com a arte de pensar e de agir, num processo completo, que encantou o público, mas educou também e deu a conhecer, através da sua voz única, a diversidade e a riqueza da literatura portuguesa”, lê-se numa nota de pesar assinada por Graça Fonseca.

Para a ministra da Cultura, a atriz, que morreu na segunda-feira, em Lisboa, aos 96 anos, “transformou o seu trabalho e o seu talento num legado único e num serviço de exceção à cultura portuguesa”, tendo-se tornado também numa “referência da arte de dizer poesia”.

“Carmen Dolores pertence a uma geração de atores que transformou o teatro em Portugal, entregando-lhe um saber e uma prática assentes numa relação de compreensão pela palavra, e a importância das suas consequências”, prossegue a nota.

Graça Fonseca sublinhou que o seu percurso “é marcado por exemplos onde o poder da interpretação não se extingue na relação entre o ator e o espetador, mas se prolongou numa luta constante entre a liberdade e a censura, entre a força e determinação em fazer vingar ideais e valores de defesa da dignidade humana, entre o político e a ação individual”.

Numa referência ao ser percurso, a ministra da Cultura recordou que Carmen Dolores se estreou no cinema, sob a direção de António Lopes Ribeiro, na adaptação de “Amor de Perdição” (1943), no qual “surpreendeu” no papel de Teresa de Albuquerque.

“Atriz de muitos recursos e talentos, teve também um papel fundamental na história do teatro contemporâneo em Portugal, desde a sua estreia no Teatro da Trindade e, depois, no Teatro Nacional Dona Maria II, sob a direção de Amélia Rey Colaço, colaborando com muitas das companhias históricas”, lê-se na nota.

A ministra da Cultura destacou ainda o seu trabalho como fundadora do Teatro Moderno de Lisboa, com Rogério Paulo, Fernando Gusmão e Armando Cortez, “uma instituição pioneira e marcante na história do teatro independente em Portugal”.

"Enorme dignidade e elegância"

O diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues, destacou hoje o "extraordinário talento" e a "enorme dignidade e elegância" da atriz Carmen Dolores.

"O extraordinário talento de Carmen Dolores andava de mãos dadas com uma enorme dignidade e elegância", escreve Tiago Rodrigues, na sua página oficial, no Facebook, recordando os anos de atividade da atriz, o seu papel pioneiro no teatro independente, em particular através do Teatro Moderno de Lisboa, e o modo como desde o início da carreira esteve ligada ao Teatro Nacional D. Maria II.

Carmen Dolores "marcou as nossas vidas e a existência do Teatro Nacional D. Maria II, onde trabalhou desde o início dos anos 50 em inúmeras peças e até ao final dos anos 90", escreve Tiago Rodrigues.

"Durante toda a sua carreira, sem esquecer a breve mas importantíssima aventura que foi o Teatro Moderno de Lisboa, Carmen Dolores foi um exemplo para todos nós. É com profunda tristeza, mas grande sentimento de gratidão, que lhe digo adeus".

(Notícia atualizada às 19h13)