O pintor Luís Noronha da Costa, que morreu hoje, em Lisboa, aos 77 anos, deixa uma obra original marcada por uma visão translúcida, e várias experiências visuais no cinema, desafiando convenções históricas da representação da imagem.

Nascido em Lisboa, em 1942, Luís Noronha da Costa fez o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas-Artes da capital, mas cedo optou pela pintura. Expôs individualmente, pela primeira vez, em 1962, em galerias de Lisboa, Munique e Paris.

Representou Portugal na Bienal de São Paulo (1969), na 34.a edição da Bienal de Veneza (1970), e fez exposições coletivas e individuais em quase todos os países da Europa, no oriente e no continente americano.

Antes de completar 30 anos, o trabalho de Noronha da Costa já reunia um consenso crítico e público alargado, no panorama artístico português.

Em 1977, foi um dos nomes da exposição Alternativa Zero, mostra de "tendências polémicas na arte portuguesa contemporânea".

O reconhecimento público expandir-se-ia para lá do meio artístico com as primeiras obras vanguardistas que expôs - colagens e têmperas vinílicas.

Estas peças foram recebidas com imediata aclamação da crítica, e foi testando vários suportes ao longo da carreira, bem como técnicas e materiais, como o 'spray', pastel, betumes e tintas celulósicas.

Interessado nas questões da perceção, explorou efeitos de transparência que obteve através de colagens.

As primeiras foram feitas de folhas de revistas da época embebidas em óleo de linho, de forma a ficarem translúcidas, num trabalho de desconstrução e fragmentação dos significados das imagens e dos problemas da perceção na arte.

Desenvolveu uma pesquisa dos fenómenos da imagem e da perceção, que se afirmou sobretudo com a construção de objetos imagéticos a que chamou 'anti-pintura'.

Estes objetos, feitos de materiais simples, como plintos, vidros polidos ou foscos, garrafas, lâmpadas ou esferas, funcionavam como jogos de reflexos, duplicações e desfoques, dispositivos óticos, desestabilizando a perceção e confundindo espaços reais e virtuais.

Seguiram-se várias experiências visuais no cinema, resultado do seu interesse filosófico na fenomenologia da perceção e na dimensão noética (consciência) da arte, testando o lugar das convenções históricas, dos modos de ver e da representação clássica na imagem.

O trabalho de Noronha da Costa mereceu retrospetivas na Fundação Calouste Gulbenkian (1983 e 2002) e uma terceira no Centro Cultural de Belém (CCB).

Datada de 2003, esta retrospetiva no CCB foi uma das mais importantes dedicadas ao artista, apoiada pela publicação de uma extensa monografia intitulada, publicada pelas Edições Asa. Com o título "Noronha da Costa revisitado 1965-1983”, foi comissariada por Miguel Wandschneider e Nuno Faria, e organizada cerca de 20 anos após a primeira, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

A mostra no CCB foi também acompanhada por um ciclo na Cinemateca Portuguesa dedicado ao cinema de Noronha da Costa. Muitos destes filmes só regressariam ao olhar do público em 2019, na mostra "A Gulbenkian e o Cinema Português".

Quando os exibiu, a Cinemateca destacou as "relações da pintura [de Noronha da Costa] com o cinema", tanto no "sentido metafórico" como no "sentido próprio", considerando "fundamentais, no seu percurso estético", os filmes que dirigiu, enumerando "As Três Graças", "Casa sobre Casa", "Padres" ou "Manuela", um filme sobre e com a atriz Manuela de Freitas, filmado na Comuna, em Lisboa, e "Murnau", com inspiração no cineasta do expressionismo alemão.

O antigo diretor da Cinemateca Portuguesa João Bénard da Costa, nas suas notas, considerou "A Menina Maria" "uma obra fundamental para a afirmação [do artista] como cineasta", pelo seu caráter de "experimentação" e como "divertimento libérrimo".

Em entrevista à agência Lusa, em 2017, Noronha da Costa disse ter sido muito influenciado pelo cinema do realizador franco-suíço Jean-Luc Godard, "dividido entre um imaginário, e a realidade de cá do ecrã".

Em 2011, o Museu Arpad Szénes - Vieira da Silva propunha um outro modo de olhar a sua obra: "Noronha da Costa, a Imagem Elegante". No catálogo da mostra, o artista e curador Christian Domínguez escreveu: "A pintura de Noronha da Costa tem, sem dúvida, (...) algo inquestionavelmente valioso, (...) dotado de uma habilidade reflexiva fora do vulgar. (...) Guia-nos para uma compreensão superior".

"Na imensa solidão do meu passado", em 2014, na Galeria São Mamede, em Lisboa, "Obra Recente: Pintura e Objectos", na Galeria António Prates, em 2009, "A Grande Janela de Kiev", na mesma galeria, em 2006, "Elementos primordiais" (2007) e "Porto 2002", na Galeria Nasoni, são outras mostras recentes da produção de Noronha da Costa, que sucederam à revistação da retrospetiva do CCB, em 2003.

Depois das primeiras exposições em 1962, o percurso expositivo regular começara em 1967, na Galeria 111, em Lisboa, com "Objetos e Colagens", sucedendo-se, nos anos seguintes, "As Imagens e as Coisas", "Magritte após Polanky" e "Histórias Tragico-Marítimas", crítica à Guerra Colonial a que regressaria mais tarde, atravessando salas como as das galerias Buchholz e Quadrante e da Sociedade Nacional das belas-Artes, em Lisboa.

Destacam-se mais tarde, como marco no seu percurso individual, "Reflexo no Espelo Ausente", em Munique e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris (1973), "À Procura do Espaço-Pátria Perdido" (1975), "Retratos de Amílcar Cabral" (1977), "Pintura Fria", na Nasoni (1987), e muitas outras exposições, testemunho da sua produção, por todo o país em galerias como Arcano XXI, Artela, Valbom, Imprensa Nacional, na Cooperativa Árvore, na Fundação Oriente, no Museu Amadeo de Souza Cardoso, no Museu Tavares Proença Júnior.

Em 1999, foi convidado a criar a exposição inaugural do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto.

Nesse ano recebeu o Prémio Europeu de Pintura, atribuído pelo Parlamento Europeu, tendo sido depois distinguido com o Prémio AICA - prémio da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte, em 2003.

Em 2012 foi-lhe atribuído o título de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pela Presidência da República.

As suas obras encontram-se em várias coleções de arte, nomeadamente na Washington Gallery, no Palácio de Buckingham, na Fundação Calouste Gulbenkian, na Fundação Oriente, na Fundação António Prates, no Museu de Serralves, no Museu Amadeo de Souza-Cardoso e em diversas instituições bancárias portuguesas e estrangeiras.

Alguns dos seus painéis resistem ao movimento da estação da Alameda, do Metropolitano de Lisboa.

Em 2017, quando celebrava 50 anos de carreira artística, reuniu 35 obras, na Casa-Museu Medeiros e Almeida, na exposição "Isto não é só um écran - Noronha da Costa – 50 anos de pintura (1967-2017)", com curadoria do historiador, professor e crítico Bernardo Pinto de Almeida.

Em julho desse ano, a Fundação D. Luís I, em Cascais, mostrou "Modos do Olhar".

Na altura, Noronha da Costa escreveu no convite: "Apetecem-me as notícias sucintas. É assim que comunico a minha próxima exposição (...). Não se espere ver nela algo de muito inédito. Trata-se de repescar 'passos perdidos' e de visualizar a minha pintura".

Sobre o artista de "Lola Montès - Requiem pelo Ocidente", escreveu o crítico Bernardo Pinto de Almeida: "[A sua obra] demonstra bem a sua vitalidade e o modo como continua a processar-se, no seu interior e no seu pensamento, a vontade de levar sempre mais longe o sentido jamais perdido de uma grande Obra. A obra que só um grande Artista pode levar aos seus limites. Luís Noronha da Costa é esse grande Artista".

(Artigo atualizado às 20:22)