A diretora da galeria sul-africana, Liza Essers, disse à agência France Presse que o fotógrafo morreu “pacificamente” às 05:37, hora local, em sua casa, e que o funeral será realizado na terça-feira, em Joanesburgo
David Goldblatt ficou conhecido pelo seu trabalho fotográfico, que documentou as atrocidades da política de segregação racial, seguida pelo governo da minoria branca da África do Sul, desde 1948, até ao início da década de 1990.
Goldblatt, o primeiro fotógrafo sul-africano a expor individualmente no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), esteve em Portugal em 2008, para a inauguração da sua exposição "Intersecções Intersectadas", no Museu de Serralves, no Porto, realizada seis anos depois da retrospetiva de cinco décadas de trabalho, que o Centro Cultural de Belém expôs, em 2002.
Nascido em 1930, na África do Sul, Goldblatt começou a trabalhar como fotógrafo em 1961, tendo o seu trabalho sido desde o início influenciado pelo 'apartheid'.
Em extensas séries de fotografias (inicialmente publicadas em livros e revistas), Goldblatt deu rosto às estruturas sociais estabelecidas por aquele regime opressivo, criando "uma imagem complexa e contraditória da fraturada sociedade sul-africana", como destacou Serralves, que publicou o catálogo "Intersecções Intersectadas".
Através da fotografia a preto e branco, Goldblatt capturou imagens das minas de ouro em decadência e dos seus operários, dos negros pobres do Soweto, da classe média branca em Boksburg, perto da Cidade do Cabo e da vida dos Afrikaners, parte da população branca, que Goldblatt invejava pelas suas fortes raízes sul-africanas, mas que, ao mesmo tempo, culpava pelo 'apartheid'.
As pessoas e objetos que Goldblatt fotografava nas suas séries a preto e branco são colocados no centro das imagens e moldados pela luz e pela sombra, por vezes de forma dramática.
O fotógrafo posicionava-se a meia distância e concedia domínio de campo aos seus protagonistas, dentro da imagem, mesmo quando as fotos apresentavam condições de vida terríveis.
Apesar de opositor do 'apartheid', David Goldblatt não retratou diretamente os brutais acontecimentos dos anos negros do regime separatista sul-africano, optando por capturar imagens reveladoras das estruturas que levaram a esses acontecimentos.
Com o fim do 'apartheid', a realidade que tinha estado na origem do trabalho de Goldblatt, ao longo de 30 anos, deixou de existir.
Não obstante ter aguardado esse momento durante a maior parte da sua vida, o fim do regime foi uma experiência perturbadora para Goldblatt, provocando-lhe um inesperado sentimento de estranheza e afastando-o do mundo da fotografia durante alguns anos.
Passou então a utilizar a fotografia a cores, a fotografar paisagens (o que antes considerava inapropriado) e a imprimir os seus trabalhos em grandes dimensões.
A exposição das obras de David Goldblatt em Serralves foi composta sobretudo por pares de fotografias que confrontam imagens a preto e branco (tiradas durante o 'apartheid') com imagens a cores (do 'pós-apartheid'), permitindo, por vezes, observar o mesmo local com 20 anos de diferença, introduzindo assim um forte elemento temporal na exposição.
A mostra no CCB, que reuniu 51 anos de trabalho do fotógrafo, era sobretudo dominada pelo testemunho político de Goldblatt, dos anos do 'apartheid'.
O fotógrafo era filho de emigrantes judeus lituanos fugidos às perseguições do final do século XIX.
Publicou um primeiro livro em 1973, com a escritora Nadine Gordimer, Nobel da Literatura - "On the Mines" -, em que abordava as condições de trabalho nas minas de ouro.
Seguiu-se então o ensaio sobre a população branca, "Some Afrikaners Photographed", que lhe abriu as portas das galerias europeias e do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, que foi ao mesmo tempo uma reflexão autobbiográfica sobre a condição de branco, marginalizado pelos Afrikaners.
Nos últimos anos, o olhar de Goldblatt estendeu-se pelas dificuldades sociais que marcam a actualidade sul-africana, das "Intersecções", que apresentou em Serralves, a "South Africa: The Stucture of Things Then".
"A morte de David Goldblatt é uma perda significativa para a África do Sul e para o mundo global da arte".
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