“Não temos outra opção que não seja cancelar a marcha”, disse a porta-voz e vice-coordenadora da Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), Bonnie Leung.

A ativista justificou a decisão pelo facto de o movimento pró-democracia não conseguir, a partir deste momento, “proteger os participantes de consequências legais” ou “assegurar a integridade física dos manifestantes”, outra das prioridades da FCDH.

A organização lamentou que, com a proibição do protesto, as autoridades de Hong Kong estejam “a violar um direito básico da população”.

Bonnie Leung sublinhou que, a partir deste momento, os habitantes de Hong Kong têm legitimidade para se interrogarem: “‘Como vamos fazer para que ouçam o nosso descontentamento?'”

“E isso pode ser perigoso”, avisou.

Na quinta-feira, a polícia de Hong Kong proibiu a manifestação e a marcha pró-democracia, sublinhando que quem desobedecer pode enfrentar até cinco anos de prisão.

A decisão das autoridades foi justificada à FCDH por razões de segurança, dada a natureza violenta que tem caracterizado, desde o início de junho, muitas das manifestações em Hong Kong.

O FCDH é responsável pelos maiores protestos desde 09 de junho. Nesse dia, segundo a organização, estiveram um milhão de pessoas nas ruas. A 16 de junho, dois milhões. E o último, a 18 de agosto, mais de 1,7 milhões. Números contestados pela polícia, que avançou sempre com estimativas que nunca ultrapassaram os 400 mil manifestantes.

A confirmação da proibição do protesto, hoje, aconteceu no mesmo dia em que foram detidos pela polícia pelo menos dois líderes de um partido que defende a autodeterminação de Hong Kong.

Joshua Wong e Agnes Chow foram detidos por reunião ilegal, de acordo com as forças de segurança.

O jornal South China Morning Post noticia ainda que o ativista pró-independência Andy Chan foi detido na quinta-feira à noite, depois de ter sido impedido de embarcar num avião no aeroporto de Hong Kong, por suspeitas de motim e agressão a um agente da polícia.

Os três são vistos como figuras-chave dos movimentos antigovernamentais em Hong Kong nos últimos anos.

Wong, que chegou a ser indicado para o prémio Nobel da Paz em 2018 e que lidera o Demosisto, tinha sido libertado em junho da prisão, na sequência das manifestações de 2014 em Hong Kong, conhecidas como a “Revolução dos guarda-chuvas”, uma campanha de desobediência civil que durou mais de dois meses e na qual se exigia o sufrágio universal na ex-colónia britânica administrada pela China.

Desde então, voltou a envolver-se num movimento pró-democracia “para fazer pressão sobre o Governo”, apostado “em mostrar ao mundo a determinação do povo de Hong Kong para lutar pela liberdade”, explicou, em entrevista à Lusa, a 20 de agosto.

As detenções efetuadas pela polícia surgem, também, um dia após a entrada de tropas chinesas na cidade para renderem as que estão estacionadas na guarnição do Exército de Libertação do Povo. Uma operação de rotina, segundo Pequim, uma forma de intimidação, de acordo com deputados e ativistas pró-democracia.

Os protestos, que duram quase há três meses em Hong Kong, focaram-se inicialmente na rejeição das emendas propostas pelo Governo à lei da extradição, que permitiria o envio de suspeitos para a China.

Contudo, a lista de reivindicações tem sido alvo de ajustes.

Os manifestantes exigem agora a retirada definitiva da lei da extradição, a libertação dos manifestantes detidos, que as ações dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial, a demissão da chefe de governo Carrie Lam e sufrágio universal nas eleições para este cargo e para o Conselho Legislativo, o parlamento de Hong Kong.

A transferência de Hong Kong para a República Popular da China, em 1997, decorreu sob o princípio “um país, dois sistemas”, precisamente o que os opositores às alterações da lei da extradição garantem estar agora em causa.

Tal como acontece com Macau, para aquela região administrativa especial da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário. O Governo central chinês é responsável pelas relações externas e defesa.