Uma das fotografias inesquecíveis desse dia, da agência Reuters, mostra o seu corpo sem vida a ser carregado por um oficial da polícia, dois bombeiros, um técnico de emergência do corpo de bombeiros e um civil. Quatro dias depois, os media noticiavam o funeral: “Cerca de duas mil pessoas despediram-se hoje, ao som de uma gaita-de-foles, do capelão dos bombeiros nova-iorquinos, Mychal Judge, um filho de irlandeses. Tinha 68 anos.” As notícias acrescentavam as circunstâncias da morte: “Dava a extrema-unção a um bombeiro em frente à torre sul do World Trade Center quando esta desabou. Um pedaço da estrutura do edifício atingiu-o e ele morreu imediatamente. Os pulmões estavam cheios de poeira.”
Os pormenores eram abundantes e invariavelmente aludiam à comoção de todos os que estiveram presentes nas cerimónias fúnebres: “Uma multidão de polícias e bombeiros, luzindo impecáveis uniformes, alguns de cadeira de rodas, outros caminhando com a ajuda de muletas, e até um levado de maca, com as duas pernas engessadas.” Entre os que quiseram honrar o padre Mychal Judge, encontravam-se os Clinton.
A vitima “01-00001” não foi a primeira vitima dos ataques. Antes dele, tinham morrido os passageiros e a tripulação dos aviões, os ocupantes das Torres Gémeas. Mychal Judge é, no entanto, a primeira pessoa a ser identificada, pois o seu corpo foi o primeiro a ser recuperado e levado ao médico legista. É na morgue, que lhe colocam a etiqueta “DM-01-00001”. DM são as iniciais de Disaster Manhattan.
Mychal Judge é um dos mortos do 11 de Setembro mais evocados pelos media. Alguns, como o Irish Mirror, consideram-no um santo. Foi “um defensor acérrimo dos toxicodependentes, dos sem-abrigo e das vítimas de SIDA na década de 1980”, escreveu o Irish Times, mencionando ainda que tinha sido membro de Dignity, um grupo que defende a mudança de atitude da Igreja Católica em relação aos homossexuais, que o padre, contrariando as orientações eclesiais, acolheu na Igreja de São Francisco de Assis.
O artigo que a Wikipédia lhe dedica informa que, no dia 11 de Setembro de 2001, após ter conhecimento de que o World Trade Center tinha sido atingido por um dos aviões, Mychal Judge correu para o local. Rudolph Giuliani, o então presidente da Câmara de Nova Iorque, pediu-lhe uma prece pela cidade e pelas vítimas. O padre Mychal Judge correspondeu ao pedido, tendo ainda rezado junto de alguns corpos que se encontravam nas ruas. Depois entrou no hall da Torre Norte do World Trade Center, onde estava instalado um posto de emergência, e aí ajudou e rezou pelas equipas de resgate, pelos feridos e pelos mortos.
Para muitos, o padre Mychal Judge é um santo. Mas, para além da canonização popular, a hipótese de uma canonização pela Igreja Católica também é considerada. O diário francês La Croix explicou as razões por que tal é possível.
Recordando que, no funeral, Rudolph Giuliani afirmara: “Ele era um santo”, o jornal refere que a ideia de o “santo” do 11 de Setembro poder ser um dia reconhecido como tal pela Igreja Católica foi já apresentada em Roma pelo padre Luis Escalante, postulador da Congregação para as Causas dos Santos, incentivado por muitas dezenas de pessoas que conheceram o padre Mychal Judge.
O diário católico explica que, em 2017, a introdução de um novo critério de santidade tornou possível iniciar os procedimentos. Além do martírio e das virtudes heróicas, o Papa Francisco estabeleceu que a santidade também existe com a “oferenda da sua vida”: “Ou seja, com a ‘aceitação heróica, por amor, da morte certa e iminente’, segundo o motu proprio ‘Maiorem hac dilectionem’”.
“O padre Mychal Judge aceitou a sua ‘morte certa e iminente’ quando correu para o World Trade Center depois do desabamento da primeira torre?”, pergunta o jornal, notando que, com seu capacete branco de capelão na cabeça, tentou socorrer as vítimas. O jornal recorda ainda que, enquanto os bombeiros subiam as escadas para evacuar as vítimas, o Mychal Judge encontrava-se ajoelhado no hall. “Deveria ir embora, padre”, disse-lhe um bombeiro que passava por ali, mas ele respondeu que não tinha terminado a sua missão. Quando as equipas de resgate regressaram à torre depois do seu desabamento, encontraram o corpo sem vida do franciscano.
O relato do diário La Croix inclui uma alusão a orientações homossexuais deste franciscano, referidas por alguns próximos, acrescentando que, por essa razão, vários movimentos LGBT americanos já o vêem como o “primeiro santo homossexual”. O jornal cita uma declaração do padre James Martin, um conhecido padre jesuíta que trabalha pela inclusão de fiéis LGBT na Igreja, ao Religion News Service (RNS), o qual considerou que “Mychal Judge mostrou-nos que se pode ser gay e santo”,
Um ferry e uma rua de Nova Iorque ostentam já o nome de Mychal Judge. No blogue que lhe é dedicado, Saint Mychal Judge, há um ilustrativo inventário do que se tem dito, escrito e filmado sobre a primeira vítima identificada do 11 de Setembro de 2001. O diário La Croix observa que “este franciscano é elogiado por todos pela sua capacidade de acolhimento, especialmente dos sem-abrigo, dos alcoólicos e dos migrantes. O seu antigo diretor espiritual, padre John J. McNeill, revelou que ele tinha ‘um grau extraordinário de união com o divino’”.
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