Da praça onde se realiza a centenária feira da Malveira vê-se uma Nossa Senhora na serra. Ao longo dos anos, foram vários os desenhos que deram cor ao 'Cabeço do Cerro'. João Quinto, o responsável pela ideia deste projeto, conta a história destas obras de arte feitas pela população.

"O primeiro símbolo do Benfica foi feito entre vários benfiquistas e foi a partir daí que nos começaram a conhecer mais. O segundo já foi meu e do arquiteto [Carlos Santos], mas eu estive nos dois projetos desde o primeiro ao último minuto. Mas houve trabalhos anteriores, mais antigos. Houve a Taça dos Campeões Europeus e até antes. Foi o meu avô que começou a fazer isto, na altura da II Guerra Mundial. Quando acabou a guerra escreveu 'Paz no Mundo' no monte", relembra.

Quanto a este projeto, derivou de uma outra ideia que não chegou a ser concretizada. "Éramos para lá pôr outra coisa há dois anos. Eu tirei um Cursilho de Cristandade, o De Colores, e a minha proposta era fazer a cruz deste Cursilho e escrever à volta 'Jesus conta contigo'. Era isso que eu pretendia, mas depois não foi para a frente porque o dono do 'Cerro', o senhor Manuel Agostinho Dias, pediu se podia ser para o Atlético [da Malveira], porque o clube fazia 75 anos, e eu cedi. Agora, como se aproximava o 13 de maio, com a celebração do Centenário, este é um marco que a Malveira faz", refere.

São três os principais responsáveis pela Nossa Senhora que se impõe à paisagem malveirense. Além de João Quinto, estiveram envolvidos no projeto Carlos Santos, arquiteto, e Gilberto Vale de Andrade, topógrafo. Mas não foram os únicos. "Houve gente boa que ajudou lá. Chegámos a ser uns 40, ao todo. Uns iam meio dia, outros um dia inteiro, outros ao fim de semana é que podiam ir. E houve ainda um bom grupo da Venda do Pinheiro, dois rapazes espetaculares de Alcainça e aqui da Malveira também", relembra João.

Mas qual o material usado para se pintar algo com esta dimensão, numa serra? "Só se usa cal e pó de pedras. Até é cal agrícola, de produtos da terra. É uma cal morta, já. Por isso é que o vento bate e desaparece logo parte da imagem. Temos ido para lá retocar sempre que é preciso, para assegurar até ao 13 de maio. Com a chuva vai desaparecendo", diz.

Com isto, João Quinto acrescenta um desabafo. "A minha última ida à serra deve ser este ano, porque já tenho quase 65 anos e isto, para a idade que eu tenho, já é muito. Mas pelo menos celebro o Centenário aqui na Malveira".

Carlos Santos, arquiteto, viu-se mais uma vez num projeto de grandes dimensões a pedido de João Quinto. "O João decidiu fazer uma Nossa Senhora para representar os 100 anos das aparições de Fátima e também em agradecimento ao facto de o Papa vir a Portugal. Ele disse-me 'vamos fazer uma coisa como de costume, mas que seja internacional'. Eu fiquei um bocadinho preocupado com o que era, até que ele me contou a ideia. A minha reação foi dizer que, se era uma Nossa Senhora, tinha de ser uma coisa muito maior do que fizemos para o Benfica, que tinha cerca de 80 metros", relembra entre risos.

E como é que se financia um projeto destes? Carlos não tem dúvidas: é uma questão de boa vontade. "Foi tudo financiado através do padre, da igreja e das pessoas. A empresa da cal deu grande parte do material, entretanto o João Quinto também meteu algum dinheiro dele. Não queremos dinheiro nenhum que não seja traduzido em material ou até às vezes no almoço para as pessoas que iam para lá trabalhar", conta.

Contudo, a ideia de fazer uma Nossa Senhora que fosse visível num largo espaço não ficou pela pintura com cal. "Tentámos ir à Câmara Municipal, mas não tinham dinheiro para este projeto. Como a cal já tinha sido oferecida, queríamos uma outra coisa, mas é um sonho que vai ficar nas nossas cabeças. Queríamos eletrificar a imagem de Nossa Senhora e eram precisos 3 mil euros. Seriam precisos 1500 metros de leds, para além da necessidade de um gerador para alimentar tudo. Era ouro sobre azul, mas não foi possível", diz Carlos.

Para Carlos, o projeto começou no computador. "Comecei a trabalhar com um colega meu, um topógrafo, porque só assim é que conseguíamos dar a dimensão que queríamos a este projeto. Pedi uma imagem ao senhor padre Teodoro, que foi sempre a pessoa que esteve presente. Foi muito interessante trabalhar com ele também. Depois de mês e meio no computador, saímos para a obra. Utilizámos 800 estacas para marcar tudo, foram cinco dias na serra. A obra tem uma dimensão de 13o x 130 metros, só que isso não se percebe nas fotografias. É engraçado, porque de cima para baixo e da esquerda para a direita tem exatamente o mesmo tamanho, mas a inclinação do terreno é de tal maneira que dá este efeito", explica.

A dimensão da obra - em que foram utilizadas cerca de 6 toneladas de cal - é o que permite o grande destaque na paisagem, mas foi a maior dificuldade. "É imaginar um campo de futebol: isto é muito maior. Foi interessante, mas deu-nos muitas dores de cabeça. Lá em cima é difícil termos uma noção do que está a ser feito. Estar lá a trabalhar ou cá em baixo na praça a ver é completamente diferente. Lá não se consegue perceber onde se está, a não ser que se tenha já o desenho mesmo na cabeça. Foi tudo com base no GPS e na fita métrica, é muito giro", diz o arquiteto.

Nas últimas semanas têm sido vários os vídeos e também as fotografias que retratam o 'Cabeço do Cerro' com a sua mais recente pintura. Mas com um problema: "As pessoas anteciparam-se e os vídeos que andam aí a circular não são relativos ao trabalho final. As mãos não estavam retocadas, alguns mostram fotos em que ainda não se via bem a cara". De momento - e esperando que a chuva não volte à Malveira até ao próximo fim-de-semana, "já está tudo retocado, até porque grande parte das pessoas vai para Fátima para celebrar o Centenário".

Por agora, o sonho das gentes da terra, que se juntaram neste projeto único, é o mesmo a que Carlos Santos dá aqui voz. "Nós gostávamos que isto chegasse ao Papa. Já falámos com o padre Teodoro, que vai para Fátima, no sentido de passar a mensagem. Mas o João Quinto também tem o conhecimento do Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente, e queria tentar fazer esse contacto no sentido de fazer chegar a nossa terra e este projeto ao Papa Francisco. Era bom se o Papa passasse por aqui. De Fátima até à Malveira devem ser só uns minutos! Isto foi mesmo um agradecimento para ele, também. Por isso, para nós, faria todo o sentido e seria mesmo cinco estrelas!", remata.