No quartel-general do Partido Social Democrata para a noite eleitoral sentia-se um nervoso miudinho. À entrada do Marriot, na Avenida dos Combatentes, em Lisboa, figuras do partido eram camufladas pela fauna e flora de um dia rotineiro de um hotel. Lá em baixo, no piso inferior, o cor de laranja recebia os apoiantes e membros do partido que iam passar ali a noite. Havia silêncio e silêncio houve para lá do anúncio das primeiras sondagens à boca das urnas que davam a vitória ao PS nas eleições legislativas, com entre 34% e 40% dos votos, seguindo-se o PSD, com entre 24,2% e 31%.

Há quatro anos, quando os sociais-democratas concorriam coligados com o CDS, a história era outra. À hora dos resultados havia já uma plateia bem composta de bandeira em arco, uma contagem decrescente em coro e uma celebração efusiva. Este domingo, nenhum prefácio se montou para a festa, nenhuma bandeira se elevou naqueles minutos que circundaram as oito da noite.

Os primeiros números anunciavam uma derrota para o PSD. Duarte Pacheco, uma das figuras maiores do partido e apoiante próximo de Rui Rio dizia, ao SAPO24, que a palavra de ordem era “aguardar”. Aguardar pelos resultados, pelos intervalos que irão desaparecer e fazer-se um só número. Era essa percentagem final que diria se o Partido Socialista teria uma grande vitória ou não.

Mas enquanto se aguardava, havia já uma conclusão na cabeça do deputado social-democrata: “o PSD não morreu ao contrário daqueles que previam que o PSD desaparecesse”.

Duarte Pacheco insistia que era preciso esperar para perceber a derrota. É diferente perder com 24% e 31%, claro está, embora, sublinha que qualquer um dos números continua a confirmar o PSD “como um grande partido nacional e a alternativa inequívoca ao poder socialista”. “E isso também já ninguém pode desmentir”, diz.

O partido liderado por Rui Rio, que passou a campanha a deixar as perguntas sobre sondagens entrar por um ouvido e sair pelo outro, com o antigo autarca, na ponta da língua, a relembrar que nas eleições autárquicas de 2001 contrariou todas as projeções e conseguiu ser eleito no Porto, não tinha como fugir a estas, demasiado reais, demasiado presentes nos vários ecrãs que gritavam aquele resultado numa barra laranja encurralada pela rosa do PS e o vermelho do Bloco de Esquerda.

David Justino, vice-presidente do partido, subiu ao palanque para falar. Alguém tinha de falar numa altura em que as figuras de proa desta direção laranjinha estavam num qualquer andar do hotel, desconhecido aos jornalistas a fazer o tal exercício que Duarte Pacheco pedia: “aguardar”.

Fez as contas aos tais intervalos dinâmicos que ao longo da noite se transformaram em números singulares:

"(...) se a votação no Partido Socialista se aproximar mais dos 34%, nós temos uma pequena vitória, se se aproximar mais dos 40% teremos uma grande vitória, mas também, da parte do Partido Social-Democrata, se se aproximar mais dos 24% nós poderemos dizer que é algo que não nos recompensa, e se nos aproximarmos mais dos 31% é algo que nos deixa, de alguma forma, reconhecidos perante a vontade expressa do eleitorado".

E David Justino deixou uma certeza na sala, na noite em que “geralmente todos ganham”, o PSD não quer assumir “essa figura que às vezes se torna um pouco ridícula”.

"Se perdermos, perdemos, e portanto, reconhecendo que as projeções apontam para uma vitória do Partido Socialista, só tenho que felicitar e desejar que possa servir o país tal como nós desejaríamos de o servir também da mesma maneira", disse saudado com palmas e alguns gritos “PSD, PSD” pelos poucos apoiantes na sala.

“Saco vazio não dá força”, diz um militante franzindo a cara ao abandonar a sala.

A noite não faria jus às palavras do vice-presidente do PSD. Quando estavam já confirmados os 77 deputados eleitos pelos sociais-democratas, que conseguiram 27,9% dos votos, Rui Rio falou já em cima dos minutos que fizeram do domingo segunda-feira para assumir que o partido não conseguiu o seu grande objetivo, vencer as eleições, mas afirmar, também, que o resultado não foi uma “grande derrota” e que assim iria ponderar “com serenidade” a continuidade na liderança.

Era o copo meio cheio de Rui Rio.

créditos: TIAGO PETINGA/LUSA

Na baixa lisboeta, no Largo do Caldas, perante sondagens que apontavam para que o CDS tivesse menos de metade dos deputados que compunham a bancada centrista na Assembleia da República, o avançar da noite e a confirmação de que o partido iria passar de 18 mandatos para cinco, foram motivos maiores para Assunção Cristas assumir a derrota e anunciar que não se recandidatará no próximo congresso extraordinário, que pediu para ser convocado em breve.

Lá, na sede do CDS, sem água e sem copos, sem necessidade de tempo para analisar aquela que tinha sido uma derrota histórica para o partido liderado por Cristas, fez-se um deserto. Os militantes e membros do partido refugiaram-se nas salas dos pisos superiores, os jornalistas colocaram-se à porta, em semicírculo, à espera que a líder demissionária lhes desse mais uma palavra. O silêncio que se vivia no Marriot, que no final da noite já dava a lugar a burburinhos, não se comparava a este, pesado e cá fora, ironia das ironias, acompanhado pelo tema “Bella Ciao” que se ouvia ser tocado num restaurante ali ao lado, na rua de São Mamede.

A derrota da direita é, em números, a passagem de um total de 107 deputados, 99 do PSD e 18 do CDS, para 82, 77 para os sociais-democratas e cinco para os centristas. É grande. É pesada. E quando assim o é parece que naqueles minutos, que naquelas primeiras horas em que os números continuam a mudar, mas já não a seu favor, que nada há mais a fazer.

créditos: ANTÓNIO COTRIM/LUSA

É nestes momentos que sobram a esperança e os sonhos, esse velho clichê do anticlímax de histórias de embalar. Menos clichê seria, por exemplo, passar literalmente a noite eleitoral na Casa da Esperança e Sonho (House of Hope and Dreams), em Belém, onde o Iniciativa Liberal montou o quartel-general para noite em que, com as primeiras sondagens a darem ao partido a possibilidade de eleger um deputado para o Parlamento, se faria história.

Com dois anos de existência e apontado como um partido de direita, o Iniciativa rejeita rever-se nesse espectro político. “Esquerda e direita são formas diferentes de ver como o Estado deve exercer o direito sobre as pessoas. Os liberais defendem que o poder deve ser devolvido às pessoas”, diz-nos Carlos Guimarães Pinto, presidente do partido.

Numa noite em que a direita caiu com estrondo, em que o Aliança não conseguiu eleger qualquer deputado, o Iniciativa Liberal era o primeiro partido de oposição ideológica ao atual governo a poder fazer a festa. Um deputado eleito por Lisboa, de seu nome João Cotrim de Figueiredo, estava iminente. Guardaram-se os foguetes o máximo de tempo possível, mas às onze horas da noite, quando a história já não podia fugir-lhes das mãos, Carlos Guimarães Pinto, numa entrada apoteótica elevada por gritos de liberdade dos vários apoiantes confirmou o feito.

“Este foi um caminho que para mim começou há um ano, para o partido há menos de dois anos. Foi sempre esse o nosso objetivo, certas alturas em que pensámos que não ia ser possível e de um momento para o outro tudo se tornou possível, é o sonho para todos nós ter a primeira voz liberal no parlamento”, disse o presidente do partido ao SAPO24.

Não deixa de ser curioso que o presidente do partido não tenha sido o eleito, uma vez que Carlos concorreu pelo Porto, de onde é natural. Mas este garante que tal não lhe causa qualquer tipo de desgosto.

“Hoje não há espaço para qualquer amargura, nós colocámos uma voz liberal no parlamento. Sem um rosto mediático, sem nenhum tipo de apoio conseguimos pela força das nossas ideias, pela força da nossa criatividade, por força da nossa inovação colocar um deputado na primeira vez que concorremos. Fico muito, muito feliz”, sublinha.

A festa é rija e entre os militantes e apoiantes do partido nota-se uma média de idades mais jovem. Maria Castello Branco, 20 anos, cabeça de lista pelo distrito de Castelo Branco, foi um dos rostos que se tornaram mais conhecidos durante a campanha, não só pela tenra idade, mas pela coerência e capacidade no discurso.

“Nós olhamos para a Irlanda, olhamos para a Estónia e vemos que apesar de eles pagarem menos impostos, os serviços públicos deles, nomeadamente na saúde, estão muito à frente dos nossos. Olhamos para o ranking da saúde e todos os partidos que adotam o sistema inglês estão do 14º/15º para baixo, incluindo nós. Não é uma péssima posição, mas torna-se numa péssima posição quando comparamos com países que estavam atrás de nós ou ao nosso lado em 2008/09 que nos ultrapassaram tendo serviços públicos. O facto de pagares menos impostos não significa piores serviços públicos neste momento e acho que o papel do Estado dificulta, mas é por isso que tem graça”, diz-nos, como quem gosta do desafio da retórica, naturalmente mais difícil num país com o peso de Estado que Portugal tem.

Ao SAPO24, Maria assegurou que não se cansa de dizer que este domingo se fez história. “O único partido que tem uma história parecida com a nossa é o PAN, conseguiu com seis anos de existência [eleger um deputado]. Nós aos dois anos de existência conseguimo-lo e estamos aqui para ficar”.

Para a jovem liberal, num panorama em que “os jovens não se sentem representados pelos partidos na Assembleia da República”, o Iniciativa Liberal “veio para contrariar um bocadinho” essa tendência. “Os jovens são uma força muito grande em Portugal, olhamos para o 25 de Abril e vemos que foi feito por jovens com menos de 35 anos que neste momento ainda cá estão. Cabe à nova geração estruturar Portugal", sublinha.

O ‘rei’ da festa torna-se já difícil de apanhar, perde-se de vista entre os pedidos para fotografias e cumprimentos de parabéns por ser o futuro deputado do partido no Parlamento.

Ao SAPO24 rejeita os louros, dizendo que o grande mérito é de toda a equipa ali presente. João Cotrim de Figueiredo conta que é simpatizante do Iniciativa Liberal “praticamente desde o seu início”, mas que só se envolveu diretamente com o partido depois das eleições europeias.

Maria Castello Branco (esq.), Carlos Guimarães Pinto (centro) e João Cotrim de Figueiredo (drt.) créditos: MIGUEL A. LOPES/LUSA

O facto de ser um só deputado não lhe acarreta um peso extra, diz. “Imagino que alguém que esteja sozinho no Parlamento tenha um trabalho diferente e talvez mais solitário do que alguém que tenha um grupo parlamentar, mas como é tudo novo para mim não vou notar sequer a diferença e repito o que disse em termos de compromisso no discurso há pouco: serei implacável contra o tipo de governação socialista que nos tem governado nos últimos anos”.

Para João Cotrim esta é uma vitória no seguimento de outras que foram acontecendo pela Europa fora nos últimos anos, sendo que “a partir de hoje, só a Grécia é que não tem partidos liberais representados”, com o acréscimo de ter sido conseguida num país em que a palavra liberalismo “ainda soa a uma palavra estranha”.

“A segunda ou terceira família na Europa continua a ter ideias estranhas em Portugal. E, se calhar, não é coincidência que dos sete ou oito países que nos ultrapassaram no ranking do PIB per capita dos últimos seis ou sete anos adotaram políticas liberais e não têm vantagens em relação à sua posição geográfica, aos seus recursos naturais, posição geoestratégica... nenhuma vantagem e não é um povo que seja melhor do que o nosso. Há aqui de facto uma ligação direta das políticas liberais e dos desenvolvimentos dos países”, vinca.

Esta eleição é, na sua opinião, não um ‘assalto’ a outros partidos, mas sim a criação de um novo espaço na política portuguesa. “Nas ações de rua tivemos uma adesão extraordinária dos jovens, quer dos que já tinham votado noutros partidos, quer dos que nunca tinham votado e que iam votar pela primeira vez. Isso para mim foi até surpreendente. Não era preciso explicar muito a esses jovens para eles perceberem a justeza e a correção das ideias liberais porque eles sentem instintivamente que se lhes derem liberdade, se lhes derem espaço, eles vão fazer coisas extraordinárias para si próprios, mas também para aqueles que estão à sua volta”, sublinha.

A grande meta para os primeiros tempos na Assembleia já está definida, diz-nos Carlos Guimarães Pinto: “a nossa grande batalha vai ser pela redução da carga fiscal sobre o trabalho, isso é sempre muito importante. Portugal é um país em que as pessoas sentem que não vale a pena o trabalho, que não vale a pena o esforço, que não conseguem subir na vida através do trabalho, alterar isso é extraordinariamente importante para nós”.

E o objetivo para as próximas legislativas também: “termos um táxi completo, um autocarro. É ter mais deputados, ter um grupo parlamentar”.

Resta saber onde é que João Cotrim de Figueiredo se vai sentar na Assembleia, uma vez que o Iniciativa reitera que não se revê no espectro político da esquerda e direita.

“Como nós não gostamos da distinção esquerda/direita, achamos um bocadinho unidimensional, gostaria que fosse entre o PSD e o PS, mas num andaime que estivesse um bocadinho acima. Vamos falar com o Presidente da Assembleia da República para ver se ele nos deixa ficar acima da arquibancada”, diz entre risos.