Na legislatura que agora termina, além de Jerónimo de Sousa mantinham-se Helena Roseta, 71 anos, e Júlio Miranda Calha, 72. A primeira foi deputada à Constituinte, em 1975, pelo então PPD/PSD e nas legislativas de 2015 foi eleita, como independente, nas listas do PS. Júlio Miranda Calha, eleito pelo PS pelo círculo de Portalegre em 1975, foi eleito em 2015 por Lisboa e, tal como Roseta, não se recandidatou às legislativas de outubro passado.
Desde 02 de junho de 1975, Jerónimo de Sousa contabiliza 36 anos de tribuna e corredores da Assembleia da República, uma vez que teve um interregno dos trabalhos parlamentares nas VII e VIII legislaturas, precisamente dois anos antes de ascender à liderança do seu partido, quando sucedeu a Carlos Carvalhas, no Congresso Nacional de Almada, em 27 de novembro de 2004.
Em declarações à Lusa, o secretário-geral do PCP recordou a sua “modesta contribuição” entre 1975 e 1976: “Centrou-se no trabalho da Comissão de Assuntos Sociais, não dominava conceitos jurídicos, não sabia fazer uma lei, mas sabia o que era fazer uma greve, ser despedido sem justa causa por motivos político-ideológicos, vir do Sindicato dos Metalúrgicos e da Comissão de Trabalhadores da empresa e falar de liberdade sindical e dos direitos, do valor da Contratação Coletiva e do combate à discriminação salarial das mulheres, tudo isto reconhecido e consagrado na Constituição no seu capítulo mais nobre, dos Direitos, Liberdades e Garantias”.
Aos 72 anos e meio de idade, o líder comunista vai fazer parte de um grupo parlamentar de 10 elementos do PCP (só na IX legislatura, entre 2005 e 2009 o PCP teve um número tão reduzido de deputados) – e deparar-se com o parlamento com um número recorde de partidos representados. As eleições de 06 de outubro deram assento a um recorde de 10 forças políticas, com os recém-chegados deputados únicos de Chega, Iniciativa Liberal e Livre a juntarem-se às bancadas de “Os Verdes”, PAN, CDS-PP, BE, PSD e PS.
Há 44 anos e meio, o então operário metalúrgico e delegado sindical, com 28 anos, chegou à Assembleia Constituinte num grupo parlamentar do PCP de 30 membros. O hemiciclo de São Bento albergava então 250 deputados em vez dos atuais 230.
Saído das suas funções de afinador de máquinas da fábrica metalomecânica onde trabalhava desde os 14 anos, nos arredores norte de Lisboa, o deputado comunista estava apreensivo com a responsabilidade, como já confessou várias vezes, mas alguns seus “camaradas” acalmaram-no: “Então, tu, que falas em plenários de trabalhadores e reuniões? Isto aqui é o mesmo, só tens de falar e do que sabes, da vida e do trabalho”.
Na altura, Jerónimo de Sousa era um dos muitos fumadores no interior de um parlamento que se reunia então largas horas, noite dentro, às vezes, e que era palco de constantes manifestações e até de um cerco que durou mais de um dia, protagonizado por operários da construção civil, em ambiente pós-revolucionário.
O último constituinte no parlamento afirma que hoje “a Constituição da República está diferente”: “As sete revisões constitucionais fragilizaram-na, mutilaram-na naquilo que foram as conquistas de Abril. Mas o seu projeto de transformação social, a dignidade do direito do trabalho, a afirmação da soberania e da paz, do progresso e do desenvolvimento económico, da justiça social, do direito à saúde e ao ensino, são princípios e valores de Abril. Sim! Valores que constituem expressão mais moderna e avançada da nossa época contemporânea”, acrescentou Jerónimo de Sousa.
“Ser o único deputado à Constituinte presente na Assembleia da República não é relevante nem pode significar o esquecimento de outros constituintes ativos, por exemplo na Presidência da República, numa autarquia e outros com intervenção política quotidiana”, desvaloriza o secretário-geral comunista.
O atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi outro dos membros da Constituinte, por exemplo, além de personalidades como Mário Soares, António Arnaut, Salgado Zenha, Pinto Balsemão, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Amaro da Costa, Freitas do Amaral, Manuel Alegre ou Sophia de Melo Breyner.
Arons de Carvalho, Strecht Monteiro, Carlos Candal, Jaime Gama, Medeiros Ferreira, Magalhães Godinho, Tito de Morais, Sotto Mayor Cardia, Raul Rego, Barbosa de Melo, Mota Pinto, Emídio Guerreiro, Mota Amaral, Ângelo Correia, Vasco Graça Moura, Carlos Brito, Otávio Pato, Basílio Horta e José Manuel Tengarrinha foram também eleitos em 1975.
A Assembleia Constituinte resultou das eleições legislativas de 25 de Abril de 1975, com o objetivo de escrever a Constituição da República Portuguesa, após a “Revolução dos Cravos” e o derrube do regime fascista do Estado Novo. Os deputados, que tomaram posse em 02 de junho de 1975, terminaram os trabalhos em 31 de março de 1976 e o texto fundamental foi aprovado, em votação final global, em 02 de abril.
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