O passeio em frente à escadaria do parlamento foi suficiente para acolher as poucas dezenas de ex-soldados que hoje ali se concentraram, alguns fardados ou com apenas alguns elementos da sua farda militar, como as boinas, e que foram ladeando uma faixa negra com uma breve frase que pretendia traduzir um sentimento comum: “Humilhados e abandonados”.

A luta pela criação do Estatuto do Antigo Combatente é antiga e José Maria Monteiro, presidente da Associação dos Mais Jovens Combatentes do Exército Colonial, que convocou o protesto, garante que as concentrações a cada primeira quinta-feira do mês se vão manter até que o estatuto se efetive.

“Não vamos sair daqui enquanto não virmos o estatuto do antigo combatente aprovado”, disse.

O parlamento debate a 14 de fevereiro a proposta de lei do Governo e três projetos de lei, do PCP, do CDS-PP e do PAN. O Governo tem na sua proposta a intenção de atribuir um “complemento especial” de 7% a cada pensão por cada ano de serviço militar prestado, o que para José Maria Monteiro “não é nada”, e não é sequer o mais importante.

“No meu caso e de tantos como eu não reivindicamos aspetos financeiros, não reivindicamos dinheiro. Nós não queremos nomes de ruas, nós não queremos estátuas, não queremos nada disso. Nós só queremos uma coisa, que a pátria nos reconheça a nossa dignidade como combatentes”, disse à Lusa.

Mário Joaquim, ex-combatente, alertado pelo Facebook para a concentração de hoje e que pela primeira vez marcou presença, não está otimista em relação aos efeitos que manifestações como a de hoje possam produzir: “Espero muito pouco”.

Para explicar a razão, bastou-lhe olhar à volta.

“Para já vê-se aqui muito pouca gente, porque os militares que fizeram a guerra colonial estão todos a desaparecer, está tudo na casa dos 70 anos. Muitos já morreram. Acho que os políticos pura e simplesmente estão-se borrifando para nós. É o termo”, disse.

O ex-combatente foi enfermeiro na guerra colonial em Moçambique e graças à sua especialidade, contou, regressou em 1972 sem nunca ter sido confrontado cara a cara com os horrores da guerra, apenas com a necessidade de os tratar, camaradas e inimigos. Conseguiu garantir para si uma reforma com dignidade, mas sabe que isso não é verdade para todos.

“Felizmente, consigo viver sem nenhum problema. Há outros que não, há gente que esteve no ultramar e que está a sofrer muito. Têm pensões de miséria e esses, sim, deviam ser olhados e terem um complemento”, disse, concordando, ainda assim, com a ideia de José Maria Monteiro de que o mais importante é a criação do estatuto.

Joaquim Coelho, no entanto, na qualidade de coordenador nacional das associações de combatentes, garantiu não estar disposto a abdicar “dos mínimos”, propostos ao Governo numa reunião com a secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes, Catarina Sarmento Castro, mas também vertidos no projeto de lei do PCP, que acolheu as reivindicações dos ex-combatentes como justas.

Querem que os ex-combatentes que recebem pensões abaixo do Salário Mínimo Nacional (SMN) não ganhem menos do que 75% do SMN e que todos aqueles que agora têm pensões que atingem, no máximo os 300 euros, possam ter um “aumento substancial” da pensão, de 5% ao ano até atingirem o valor do SMN.

Para os que já têm mais de 70 anos pedem uma pensão de velhice, no valor de 10% do SMN, o que dará uma compensação de cerca de 60 euros por mês a cada um.

“Isto é o que pedimos como mínimo”, disse, acrescentando que há ainda reivindicações específicas para os militares que sofrem de stress de guerra.

Segundo Joaquim Coelho são mais de 100 mil ex-combatentes “a passar mal” e muitos sem qualquer apoio familiar, a viver nas ruas, e que apenas contam com a ajuda de outros militares, que meios para o fazer, o que diz ser insuficiente.

“Tem que ser o Estado a fazê-lo”, exigiu.

Apesar de reconhecer a abertura do Governo para as reivindicações dos ex-combatentes, recusa aceitar a resposta da insuficiência orçamental, sugerindo que se recorra aos superavit da Segurança Social para garantir estes apoios.

O Governo apresentou ao parlamento, em 2018, uma proposta de Estatuto do Antigo Combatente, mas retirou-o em julho de 2019, antes do fim da legislatura, e estimou em sete milhões de euros o custo dos projetos de lei apresentados pelo PSD, CDS e PCP.

O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, justificou a retirada da proposta com falta de "tempo útil" e de "viabilidade" para criar um "consenso alargado" entre os partidos e anunciou que voltaria a ser debatido no novo parlamento, saído das legislativas de 06 de outubro.