Sarah, que nasceu num corpo de homem, chegou a sonhar em ser polícia, mas hoje prepara-se para ser a primeira mulher de Portugal a participar no concurso internacional de beleza de transexuais e promete lutar contra a discriminação.
Sarah Inês Moreira, 29 anos, natural do Porto, decidiu participar na 4.ª edição do concurso Miss Trans Star Internacional 2016, o equivalente ao concurso de Miss Mundo, um evento que vai decorrer dia 17 de setembro em Barcelona (Espanha).
O principal motivo para se candidatar a um concurso de beleza que vai reunir transexuais do mundo inteiro é a oportunidade única de trazer a público a luta da comunidade transexual e dos seus direitos. Especialmente o direito ao trabalho a que aquela minoria se vê tantas vezes privada.
“Muitas [transexuais] são obrigadas, são empurradas para a prostituição, porque em Portugal não se vê um transexual atrás de um balcão de um banco ou atrás de uma caixa de supermercado”, critica Sarah Moreira, baixando os olhos, desanimada, e reservando-se um curto, mas profundo, silêncio.
Sarah Moreira, que é também a primeira mulher portuguesa transexual a conseguir mudar de nome e de género no Registo Civil, considera que a opressão na sociedade portuguesa “vai sempre existir” junto da comunidade transexual.
Consciente que é preciso trilhar muito caminho em Portugal para lutar contra a exclusão e discriminação dos transexuais, porque há gente que se esconde, desde a Ilha da Madeira a Oliveira de Azeméis, alerta. E é contra esse destino da prostituição e contra a opressão dos transexuais que Sarah toma a decisão de aceitar participar num concurso de beleza transexual.
Neste concurso, a miss transexual portuguesa, vai desfilar com um traje de Viana do Castelo, um vestido de gala e de biquíni.
O desafio de representar Portugal foi lançado pela sua madrinha, Susana Mastroianni, e como Sarah obedece aos requisitos daquele que é considerado o evento transexual mais importante da Europa, a jovem decidiu disputar o título de mais bela com outras 24 mulheres.
Argentina, Brasil, Filipinas, Uruguai, Grécia, Coreia do Sul, Chile, Equador, Egito, Paraguai, Suécia ou Panamá são só algumas das nacionalidades representadas no Miss Trans Star 2016.
Para se preparar para o concurso, a concorrente portuguesa diz que os cuidados com a alimentação são diários e a tradicional ‘francesinha’ – uma sandes especial e tradicional no Porto -, está proibida no seu menu. Há, no entanto, um dia para loucuras gastronómicas a que Sarah Moreira define como “dia do lixo”.
Treinar três vezes por semana com treinador pessoal é outro dos cuidados para manter a linha e as medidas que, segundo a própria descreveu são de 83 centímetros (cm) de peito, 72 cm de cintura e 102 cm de anca para 1,70 metro de altura e 60 quilos de peso total.
Sarah Moreira também recebeu aulas de postura no Luxemburgo dadas por um amigo brasileiro que já preparou misses brasileiras.
“Todas as misses têm uma ambição de ganhar a coroa e não fujo a esse desejo”, assume a candidata portuguesa.
Instada pela Lusa a revelar a quem ia dedicar o galardão de Miss Trans Star, caso o venha a ganhar, Sarah, afirmou que seria dedicado à sua mãe e ao seu irmão.
Foi por volta dos 10 anos, ainda com o nome de Gil, que Sarah tomou consciência que a sua identificação psicológica era de menina.
“Foi quando comecei a frequentar o ensino básico de escolaridade, que senti aquele ‘clique’, porque eu não me identificava com o género masculino. Identificava-me sempre com o género feminino”, recorda, revelando que foi aos 16 anos que tomou a iniciativa de tomar hormonas.
A alteração do nome e do género no cartão de cidadão foi possível anos mais tarde, com a mudança da lei portuguesa, e depois de um acompanhamento psicológico por uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica, envolvendo psicólogo, psiquiatra, endocrinologista (estuda o funcionamento das hormonas) e cirurgião plástico.
“Toda essa equipa acompanha-nos durante um período de tempo para chegarem a um acordo que eu era a Sarah por dentro e por fora”.
Foi com o relatório médico que Sarah atestou na conservatória, a entidade que aprovou o atestado médico e é alterado o nome depois de pagar cerca de 200 euros.
Aos 17 anos saiu de casa, já depois de conhecer a primeira transexual da sua vida, a Débora Mansini, que foi “assassinada no Brasil por transfobia” e de quem nunca esquecerá a beleza.
E se Débora Mansini foi uma motivação para avançar para a sua própria mudança de nome e género, a “inspiração de mulher” que Sarah Moreira destaca é a sua antiga professora, Mariana Ferreira, que conheceu nas danças de salão quando tinha oito anos nos Alunos de Apolo do Porto.
Antes de ter o seu nome alterado no Cartão de Cidadão era complicado dirigir-se a uma repartição pública, mas hoje, depois de a lei ter sido alterada em 2011, há “um alívio muito grande”, confessa.
“Hoje é menos complicado ser transexual, porque a lei veio atenuar. É um peso a sair de cima de nós”.
Sarah não faz ideia quantos transexuais existem em Portugal, mas conta que desde que se assumiu publicamente tem recebido “muitos pedidos de ajuda” no Facebook, para dar o nome da sua médica ou contar como conseguiu alterar o nome.
“Há muitas pessoas que existem e que não se dão a conhecer”.
O sonho de ser polícia talvez venha do facto de ter tido um padrasto polícia, a pessoa da família que mais rapidamente a aceitou como transexual.
Hoje, argumenta que como está com quase 30 anos não se vê a regressar aos bancos da escola para estudar e ser polícia, mas uma certeza tem, a de conseguir adotar uma criança.
Sarah é hoje uma mulher sofisticada, que se diz um ser humano igual a todos aos outros e que se imagina casada no futuro, talvez a brincar com os seus filhos. “Como qualquer mulher”, assume.
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