"O meu coração é fraco nesse ponto. Sinto-me emocionado. Qualquer coisinha que nos acontecesse no mar, uma pessoa lembrava-se logo da nossa padroeira, a Senhora da Agonia", afirmou o pescador, reformado, hoje com 75 anos.
Era "moço" quando participou na primeira procissão ao mar realizada há 50 anos e, desde então, nunca "falhou".
A procissão ao mar é um dos números mais emblemáticos da Romaria d'Agonia, mas também dos mais recentes, já que se realiza, sempre a 20 de agosto, desde 1968.
Já o culto em Viana do Castelo à padroeira dos pescadores tem a sua primeira referência escrita em 1744.
Além da Senhora da Agonia, são ainda transportadas ao rio e ao mar as imagens da Senhora de Monserrate, de São Pedro e da Senhora dos Mares.
Nas margens do Lima, milhares de pessoas concentram-se para ver e saudar a procissão de mais de uma centena de embarcações de pesca e de recreio.
Até "largar" a pesca, "por causa de problemas de coração", Edmar Lomba "acompanhou a senhora" nos barcos dos "patrões", mas, este ano, irá a bordo do "Tiago e Catarina", em homenagem aos netos, a embarcação de pesca do único de quatro filhos que lhe seguiu as pisadas.
"Sou pobre, mas sou um homem de muita fé, sempre fui. Ir na procissão ao mar é como ir a Fátima. Sinto a mesma devoção", desabafou, enquanto guardava o baralho de cartas que todas as manhãs lhe ocupa o tempo no Cantinho do Pescadores, um espaço de apoio à comunidade piscatória, criado no coração da ribeira.
Cinquenta anos depois da primeira procissão, Edmar Lomba diz que o número é "agora muito mais rico", porque “os barcos são de melhor qualidade e porque a Nossa Senhora não subia o rio, no sentido da ponte Eiffel, até ao centro da cidade".
"Os barcos iam até à barra e regressavam. Ora o povo está todo no centro da cidade, nas margens do rio. É uma loucura de gente a ver passar a procissão", referiu, relembrando alguns "sustos" que se viveram nos primeiros anos daquele costume.
"Era um perigo muito grande porque naquele tempo deitavam muitos foguetes e, algumas das canas, caiam dentro dos barcos. As pessoas, com medo, tentavam fugir e os barcos adornavam. Uma vez caíram todos à água, mas não morreu ninguém", contou.
No regresso a terra, os pescadores transportam os andores de novo à igreja situado no Campo da Agonia, passando pelas ruas da ribeira onde, durante a madrugada, foram confecionados, manualmente, os típicos tapetes de sal.
A confeção dos desenhos, gravados nas ruas com várias toneladas de sal colorido, realiza-se sempre na noite anterior ao dia da padroeira, mobilizando centenas de pessoas, sobretudo moradores daquela zona da cidade.
Nascido e criado na antiga rua do Loureiro, hoje Monsenhor Daniel Machado, no coração da ribeira de Viana onde também casou e criou os quatro filhos, Edmar Lomba diz que aquele costume já não é "como antigamente".
"Hoje são poucos os que são filhos de pescadores. Já há pouca gente do mar", lamentou, recordando que no seu tempo de rapaz, “a ribeira parecia uma família".
"Havia pobreza, mas muita união", sublinhou, apontando os 14 anos que "deu" à pesca do bacalhau como "garante do sustento que lhe permitiu comprar a casa onde, já viúvo, sobrevive com uma pequena reforma".
Dos tempos "duros" da pesca do bacalhau, lembrou com "carinho" os 11 dias em que esteve internado no navio-hospital Gil Eannes, que prestava assistência hospitalar aos pescadores e tripulantes da frota bacalhoeira portuguesa na Terra Nova e Gronelândia.
"Ao escalar um bacalhau, a faca falhou-me e caçou-me a mão. Estive 11 dias dentro do Gil Eannes", referiu, olhando em direção ao "Anjo Branco", como era apelidado pelos pescadores. Está atracado na doca comercial da cidade, bem perto do "Cantinho dos Pescadores" onde Edmar Lomba, diariamente, "mata" o tempo antes do almoço e, à tarde, depois da sesta.
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