Na manhã de 24 de janeiro de cada ano, dia de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas, são divulgadas as palavras do Papa para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se assinala na Solenidade da Ascensão do Senhor, o domingo antes do Pentecostes. Este ano é celebrado hoje, 29 de maio — pelo que é tempo de relembrar o que foi dito no início do ano.
- Primeiro é necessário escutar
Na sua mensagem, o Papa Francisco escreveu que “para fornecer uma informação sólida, equilibrada e completa, é necessário ter escutado prolongadamente. Para narrar um acontecimento ou descrever uma realidade numa reportagem, é essencial ter sabido escutar, prontos mesmo a mudar de ideia, a modificar as próprias hipóteses iniciais”.
“Ouvir várias fontes (…) garante credibilidade e seriedade à informação que transmitimos”, frisa o Papa, para quem, “a capacidade de escutar a sociedade é ainda mais preciosa neste tempo ferido pela longa pandemia”.
Segundo Francisco, “a grande desconfiança que anteriormente se foi acumulando relativamente à ‘informação oficial’, causou também uma espécie de ‘infodemia’ dentro da qual é cada vez mais difícil tornar credível e transparente o mundo da informação. É preciso inclinar o ouvido e escutar em profundidade, sobretudo o mal-estar social agravado pelo abrandamento ou cessação de muitas atividades económicas”.
“A própria realidade das migrações forçadas é uma problemática complexa, e ninguém tem pronta a receita para a resolver. Repito que, para superar os preconceitos acerca dos migrantes e amolecer a dureza dos nossos corações, seria preciso tentar ouvir as suas histórias. Dar um nome e uma história a cada um deles. Há muitos bons jornalistas que já o fazem; e muitos outros gostariam de o fazer, se pudessem. Encorajemo-los! Escutemos estas histórias! Depois cada qual será livre para sustentar as políticas de migração que considerar mais apropriadas para o próprio país”, aconselha o Papa Francisco na sua mensagem hoje divulgada pelo Vaticano.
O chefe da Igreja Católica lamenta, no seu texto — intitulado “Escutar com o ouvido do coração”, que se esteja “a perder a capacidade de ouvir” as pessoas que se têm pela frente, “tanto na teia normal das relações quotidianas como nos debates sobre os assuntos mais importantes da convivência civil”.
“Ao mesmo tempo, a escuta está a experimentar um novo e importante desenvolvimento em campo comunicativo e informativo, através das várias ofertas de ‘podcast’ e ‘chat audio’, confirmando que a escuta continua essencial para a comunicação humana”, frisa, acrescentando: “só prestando atenção a quem ouvimos, àquilo que ouvimos e ao modo como ouvimos é que podemos crescer na arte de comunicar, cujo cerne não é uma teoria nem uma técnica, mas a ‘capacidade do coração que torna possível a proximidade'”.
- Fugir à tentação de "espionar"
Francisco alerta, ainda, que “há um uso do ouvido que não é verdadeira escuta, mas o contrário: o espionar”.
“De facto, uma tentação sempre presente, mas que neste tempo da ‘social web’ parece mais assanhada, é a de procurar saber e espiar, instrumentalizando os outros para os nossos interesses”, escreve, reconhecendo, também, que se presta “mais atenção à ‘audience’ do que à escuta”.
Para o Papa, é necessário reconhecer que “a boa comunicação não procura prender a atenção do público com a piada foleira visando ridicularizar o interlocutor, mas presta atenção às razões do outro e procura fazer compreender a complexidade da realidade”, enviando, também, um recado para dentro da própria Igreja: “É triste quando surgem, mesmo na Igreja, partidos ideológicos, desaparecendo a escuta para dar lugar a estéreis contraposições”.
“Na realidade, em muitos diálogos, efetivamente não comunicamos; estamos simplesmente à espera que o outro acabe de falar para impor o nosso ponto de vista”, escreve Francisco, sublinhando, ainda, que “a escuta requer sempre a virtude da paciência, juntamente com a capacidade de se deixar surpreender pela verdade — mesmo que fosse apenas um fragmento de verdade — na pessoa que estamos a escutar. Só o espanto permite o conhecimento.”
- Do jornalismo para a Igreja (e para o dia a dia)
Também na Igreja, escreve o pontífice, “há grande necessidade de escutar”.
“Na ação pastoral, a obra mais importante é o ‘apostolado do ouvido'”, realça o líder da Igreja Católica, sublinhando o processo sinodal em curso até outubro de 2023.
“Deu-se início a um processo sinodal. Rezemos para que seja uma grande ocasião de escuta recíproca. Com efeito, a comunhão não é o resultado de estratégias e programas, mas edifica-se na escuta mútua entre irmãos e irmãs. Como num coro, a unidade requer, não a uniformidade, a monotonia, mas a pluralidade e variedade das vozes, a polifonia”, conclui.
Esta semana, o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, apresentou a mensagem do Papa para o Dia Mundial das Comunicações Sociais e alertou para a dificuldade das pessoas em ouvir os outros.
“Uma das missões mais importantes da Igreja é escutar, nomeadamente, quando nos encontramos em limites de sofrimento, quando apoiamos um presidiário, quando estamos com uma pessoa em situação de doença, de luto, na circunstância de sofrimento conjugal, na desilusão que rompe um matrimónio”, disse na terça-feira, na Casa Arquiepiscopal de Évora.
Neste sentido, o arcebispo lembrou ainda que as pessoas precisam de falar “e hoje até se paga para ser ouvido”, remetendo assim para o trabalho desempenhado pelos psicólogos.
Por sua vez, o responsável católico frisou que o Papa Francisco “faz uso e apelo ao verbo escutar” – "decisivo na gramática da comunicação e condição para autêntico diálogo" – e identifica “uma espécie de binómio contrastante”: as pessoas têm uma “dificuldade acentuada de ter tempo para escutar”, e o “binómio contrastante” é que procuram no campo comunicativo e informativo “ofertas de escuta”.
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