É oficial: temos uma girl crush. E ela dança, ela canta, ela é linda e até gosta de um bom repasto à moda portuguesa — no Instagram, vemo-la a pousar na varanda do segundo andar do Ramiro, emblemática marisqueira da Avenida Almirante Reis. Talvez nesse momento tenha aprendido algumas palavras em português, se bem que Lisboa já não é para si uma novidade. “Um grande beijinho para vocês”, declara Dua Lipa, agora no Passeio Marítimo de Algés. E o público — que é imenso, de perder de vista — derrete-se num grande “ohhh”.
A mega-estrela da pop foi o grande destaque (talvez o único) deste sábado, 12 de julho, no NOS Alive, juntando uma multidão muito variada de seguidores, desde adolescentes, adultos e muitas famílias com crianças. O dress code tácito cantado pela cantora anglo-albanesa irrompe em “Levitating” — “glitter in the sky/glitter in my eyes” — foi respeitado. Ao contrário da noite de estreia (marcada pelo rock), e sobretudo nas faixas etárias mais novas, houve brilhos, lantejoulas e muito cor de rosa. Neste segundo dia, é muito óbvio: veio toda a gente para ver Dua Lipa.
Não admira, pois, que nas horas que precedem a sua entrada em palco, o ambiente seja, essencialmente, de espera. É nessa demora que, durante a tarde, reparamos em duas adolescentes de braço dado. Chamam-nos a atenção porque estão vestidas de igual, com chapéus de cowboy cor de rosa Barbie, plumas e um top dourado. Inspiraram-se nas imagens da edição passada do NOS Alive, confessam. A poucos metros, Margarida Corceiro, atriz, está rodeada de fotógrafos. “Queríamos tirar uma fotografia com ela”, confessam. Com 15 anos, é a primeira vez que estão sozinhas num festival. “Viemos ver a Dua Lipa”.
“Estão prontos para se divertir?”
Seis horas depois, o objetivo cumpriu-se. À meia-noite, a ango-albanesa irrompe determinada no palco, recebida por notáveis dançarinos, dando início ao último concerto da sua Radical Optimism Tour — espetáculo em que apresenta, em parte, o seu terceiro álbum de estúdio (com o mesmo nome), lançado em maio deste ano. “Estão prontos para se divertir?”, pergunta.
Estamos, pois. Há apenas um fenómeno que, longe de ser novo, nos continua a arreliar (talvez, cada vez mais?): num raio de pouquíssimos metros, estão dezenas de telemóveis no ar, a obstruir um campo de visão por si só já diminuído pela multidão, para captar vídeos que, dificilmente, terão outro propósito além de ocupar uma imensidão de espaço na memória do telefone.
Resta-nos ver o copo meio cheio. Afinal, temos pela frente uma boa hora de dança. Sabemos exatamente o que vamos ouvir — o alinhamento não sofreu alterações e é o mesmo que a cantora apresentou em Madrid, no festival Mad Cool, dias antes. A somar aos quatro principais hits do novo trabalho (entre eles, “Training Season”, a abrir o concerto) é em “Future Nostalgia”, álbum de 2020, que o espetáculo se centra. Segue-se, então, uma sucessão de grandes hits, a começar por “One Kiss” (fruto de uma colaboração com Calvin Harris), “Break My Heart” e o querido “Levitating”. O pop renasceu e Dua Lipa, que já esgotou as duas datas para o concerto no estádio de Wembley do próximo ano, é a sua rainha.
Por esta altura, já ouvimos “New Rules” uma das canções mais antigas de Dua Lipa. “Cold Heart”, tema que (re)interpreta com Elton John, traz ao palco as cores da bandeira LGBT. É um festival “inclusivo”, elogia momentos antes a cantora, referindo o trabalho da organização. A estadia em Lisboa está a ser incrível, partilha, e este concerto é só a “cereja no topo do bolo”.
Dua Lipa fala em língua gestual e rapidamente percebemos porquê: estão oito pessoas surdas a viver neste concerto uma experiência especial — como explicado nas vésperas do festival, vestem um colete especial, ligado a um terminal 5G, capaz de converter informação áudio em sinais sensoriais, e que vibra ao longo do espetáculo.
O concerto, feito de 17 canções, termina com um encore que junta três super-temas. Como fazia prever um artigo do jornal espanhol “El Pais”, o recinto transforma-se numa “alegre discoteca”, gigante e ao ar livre. “Physical”, “Don’t Start” e o tão esperado “Houdini” encerram o concerto mais esperado do dia. Por detrás do palco, somos surpreendidos por um fogo de artifício.
Foi tudo o que os fãs esperavam? Talvez não. Pelo menos, para Jorge Nunes, que recorda o espetáculo do MEO Arena, em 2022: “As pessoas estavam todas mais envolvidas. Lá sentimos as coisas de forma diferente”.
E agora? Agora é tempo de espreitar o palco Heineken, onde atua Gloria Groove. A rapper, cantora e drag queen brasileira esteve recentemente em Barcelona e foi de lá que recebemos um recado: “É obrigatório ir ver”, disseram-nos. Não foi tarefa fácil: estamos a remar contra uma maré de gente enorme, que se dirige para a saída. Ultrapassados os mil obstáculos, chegamos. “Que comece o baile funk”, declara Groove. E não é que começou mesmo?
Um início morno
Ao contrário do dia anterior, este sábado atua apenas um artista masculino no palco principal: o rapper T-Rex (foi o artista português mais ouvido no Spotify em 2023) fala para um público mais modesto, mas conhecedor e atento ao seu trap. “Memória” e “Para Mim” arrancam emoções fortes, mas é “Old Skool” a grande vencedora do concerto.
“Se piso este palco e faço o que faço, nesta língua, é para levar a música portuguesa a outro patamar”, anuncia T-Rex, nome artístico de Daniel Benjamin. “Vou-me tornar numa fucking lenda neste país. Vamos levar duas bandeiras às costas: Portuguesa e de Angola”. Trata, repetidamente, a plateia por “família”. “Família muito boa, muito boa alma”.
Ahsnikko, cantora e compositora norte-americana, dá início à sessão girl power: presença forte, ela é rap, punk e futurismo. Parece uma saída da mangá japonesa. No mesmo dia, passeou-se pela capital, partilhando fotografias de pastéis de nata, “Sou a Bella Baxter das ruas de Lisboa”, escreveu no Instagram, referindo-se ao filme “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos.
Pode acontecer: uma vez vividos em Paredes de Coura, é difícil rever certos concertos noutros grandes festivais portugueses. Foi o caso de Arlo Parks no NOS Alive, que veio no lugar de Tyla, que cancelou a presença nas vésperas (justificando com “motivos de força maior”). A última vez que assistimos a um concerto da britânica, estávamos rodeados de árvores, relva e luz de final de dia, no Minho. Por aqui, a noite já caiu, o ambiente é mais escuro e despido.
Mas nada que desanime a talentosa Parks, poeta de voz suave, artista de soul e R&B, que percorre o palco de saia às pregas, T-shirt oversized preta e ténis. “Olá, olá, pessoas bonitas”, cumprimenta. “Preparei uma canção para dançarem”. Entra o groove de “To Good”, de Collapsed in Sunbeams, trabalho de 2021.
O fecho de mais uma edição de festival aproxima-se. E se Dua Lipa foi a incontestável estrela desta sexta–feira, o último dia será, presumivelmente, da banda norte-americana liderada por Eddie Vedder. Afinal, depois de anunciada a sua presença no Passeio Marítimo de Algés, bastaram 20 minutos para esgotar o dia. O SAPO24 estará lá para ver.
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