*Reportagem de Anella Reta / AFP

"Fato comprovado: Jair Bolsonaro FORJOU o atentado contra si mesmo para ganhar o coração dos eleitores indecisos", diz uma das mensagens difundidas após o ataque com faca que feriu, a 6 de setembro, o candidato de extrema-direita, favorito nas sondagens para a primeira volta de 7 de outubro.

A teoria da conspiração sobre a "fake facada" (facada falsa) foi registada em 40,5% dos perfis que comentaram o evento, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

As "fake news", que dominaram o cenário político norte-americano durante a campanha que elegeu Donald Trump em 2016, tomaram conta da campanha brasileira e apontam contra todos os candidatos.

"Ao completar 5 anos de idade, a criança passa a ser propriedade do Estado! Cabe a nós decidir se menino será menina e vice-versa", afirma uma declaração atribuída ao esquerdista Fernando Haddad num meme partilhado mais de 150.000 vezes no Facebook de 23 a 26 de setembro, quando foi retirado.

O serviço de verificação da AFP com apoio do projeto Comprova determinou que não há indícios de que o candidato tenha feito tal declaração.

As notícias falsas são "uma outra ferramenta do jogo político, como é a propaganda eleitoral", explicou à AFP Pedro Burgos, criador do projeto Impacto.jor, de análises mediante robôs da repercussão de notas jornalísticas.

"Agora aparecem mais [graças à Internet], porque as notícias falsas fazem parte da história de todas as eleições", afirmou.

"O dano está feito"

Embora todos os partidos tenham assinado um compromisso de colaboração contra as 'fake news', é difícil controlar esse tsunami de desinformação.

"A checagem de fatos é uma contenção de danos. O estrago já está feito, e você vai tentar diminuir um pouquinho aquele dano. Provavelmente aquilo vai continuar se espalhando", disse Fabricio Benevenuto, professor adjunto do Departamento de Ciência e Computação da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do projeto "Eleições Sem Fake".

A Justiça eleitoral realiza campanhas educativas e montou equipas de Inteligência para controlar a propaganda virtual.

Já os políticos desmentem histórias no valioso horário eleitoral televisivo, ou por meio dos seus próprios serviços de verificação: "Não, Ciro Gomes nunca agrediu [a sua ex-mulher] Patrícia Pillar"; "Tem mentira das grandes circulando na Internet: Geraldo Alckmin NÃO vai apoiar o PT".

Para detetar notícias falsas, funcionam, no Brasil, pelo menos nove núcleos de análise.

Estes dividem-se entre aqueles que verificam conteúdos audiovisuais, como o Comprova (que engloba 24 meios locais, incluindo a AFP no Brasil); e as agências que corroboram os discursos de pessoas públicas.

O Comprova desmente uma média de 11 por semana, e as agências de fact-checking, sete.

Ainda que a tia no grupo da família no WhatsApp não tenha divulgado notícias falsas de propósito, "eu vou pegar uma checagem e dizer: 'tia, isso está errado'. Talvez ela não vá fazer de novo. (...) É uma forma de vacinar a sociedade contra esse mal", explicou Benevenuto.

Mas, dado que 48% dos brasileiros usam a Internet para se informar sobre os candidatos, segundo o Ibope, as consequências desta desinformação nas urnas serão difíceis de medir.

'Fakes' para 'reforçar as diferenças'

Para Burgos, as notícias falsas "têm uma influência bem menor do que as pessoas acreditam", já que "têm aderência em pessoas que já estão normalmente hiperpolitizadas". O seu papel é "reforçar as divisões tribais, sem mudar necessariamente o voto".

As 'fake news' costumam ser criadas no âmbito de uma campanha de desinformação e podem incluir imagens e vídeos.

Por trás dessas campanhas pode haver grandes grupos económicos, empresas, mas também "ativistas, pessoas que realmente acreditam num determinado candidato", apontou Benevenuto.

A campanha brasileira caracterizou-se pela radicalização do eleitorado, que, de acordo com as sondagens, dá preferência a dois candidatos de polos opostos: Bolsonaro e Haddad.

"Esta eleição não só está polarizada, também é muito negativa de maneira geral: um clima de 'se você não gosta do meu partido, você é contra mim'. E isso não tem nada a ver com robôs", ou programas criados para dar visibilidade a publicações no Facebook, ou transformá-las em tendência no Twitter, afirmou Burgos.

Em média, 37,4% dos seguidores dos candidatos presidenciais no Twitter são perfis "bots", como apontam dados do instituto InternetLab.

"Se a nossa eleição fosse muito no Twitter, poderia acreditar que os robôs têm um papel importante. Mas acontece muito no WhatsApp. (...) Acho que o boca a boca, a palavra do seu amigo no WhatsApp tem muito mais influência do que 80.000 bots no Twitter", considerou.