Segundo disse à Lusa Daniel Rivas, o porta-voz do Aita Mar, o navio do projeto MaydayMediterraneo, falta apenas realizar a "prova de navegação" e logo que esta seja concluída - o que deverá acontecer na próxima semana, será agendada a data da partida, prevista para o fim do mês.

O MaydayMediterraneo resulta da união das Organizações Não Governamentais (ONG) Proem-AID e SMH, que já tinham experiência de resgate nas ilhas gregas e deidiram concentrar os seus esforços no Mediterrâneo central quando, em maio de 2017, se aperceberam que não ia haver mais projetos europeus de resgate no Mediterrâneo.

"Uma vez que a União Europeia não ia avançar com nenhuma missão de resgate e vendo como continuavam a morrer as pessoas que tentam chegar à Europa decidimos comprar um barco e ir para essa zona participar no resgate e ajudar os barcos que lá estavam. Hoje como não resta nenhum, é mais necessário do que nunca que haja um barco ali", frisou Daniel Rivas.

A rota do Mediterrâneo Central, considerada a mais perigosa, continua a ser escolhida por centenas de migrantes que arriscam a travessia por mar até à Europa, mas estão cada vez mais abandonados à sua sorte, face aos crescentes entraves colocados à ação dos navios humanitários de ONG internacionais que operavam na área.

Os alemães Sea-Watch 3, Lifeline e Seefuchs estão bloqueados em Malta, o Iuventa, da também alemã Jugend Rettet, em Itália (enquanto os seus tripulantes enfrentam uma investigação das autoridades por alegado auxílio à imigração ilegal),o espanhol Open Arms opera atualmente na fronteira sul espanhola, nas águas do Estreito de Gibraltar e do Mar de Alboran e o francês Aquarius continua em Marselha depois de ver Gibraltar retirar-lhe o pavilhão.

Esse não será, segundo Daniel Rivas, um problema para o Aita Mari que navega sob bandeira espanhola: "O nosso barco é espanhol, leva bandeira espanhola, está no registo naval espanhole e temos inclusivamente uma tripulação profissional como exige a normativa espanhola".

O mesmo responsável admite que a questão do desembarque é ainda uma "incógnita", mas salienta que "há uma lei que está acima dos políticos" e que tencionam cumprir: a lei do mar e dos direitos humanos.

"Salvini [ministro do interior italiano) não pode fechar os portos de Itália numa situação de resgate", afirmou, lembrando que os navios que Malta e Itália rejeitaram deixar entrar nos seus portos nos últimos meses acabaram por fazê-lo, depois de outros países europeus, incluindo Portugal, terem oferecido acolhimento aos migrantes que transportavam.

"Não sabemos o que se vai passar, é uma incognita (...). Teremos de ver caso a caso, vamos ver para onde nos enviam as autoridades e o que temos de fazer com as pessoas que levamos a bordo, serão eles [as autoridades] a decidir onde será feito o desembarque", declarou.

Entregar migrantes à guarda costeira líbia não será uma opção.

"Resgatar uma pessoa no mar, seja no Mediterrâneo central em frente à Libia ou em Marrocos, ou seja onde for, implica, pela lei do mar, levar essa pessoa para um sítio onde esteja segura, onde não tenha medo de ser perseguida ou torturado (...)", continuou Daniel Rivas, lembrando que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos já condenou navios europeus por desembarcarem pessoas resgatadas na Líbia.

Embora não seja ilegal salvar pessoas nas águas territoriais de um país terceiro, o Aita Mari, que ganhou o nome de um marinheiro basco celebrizado pelos inumeros salvamentos maritimos em que participou, no século XIX, prefere manter-se afastado da Líbia.

Daniel Rivas salientou que "é muito perigoso", pois as águas líbias são continuamente atravessadas por traficantes de petróleo e de pessoas. O Aita Mari deverá navegar a cerca de 30 milhas da costa, a não ser que se veja obrigado a entrar "para fazer algum resgate", caso em que estará protegido pela lei internacional.

O navio de pesca, que custou 550 mil euros, dos quais 450 mil financiados por uma subvenção do governo basco e os restantes por donativos de particulares e grupos de apoio aos refugiados, vendas de merchandising e eventos solidários e quotas dos associado tem capacidade para recolher entre 150 a 200 migrantes e leva, nesta primeira viagem, 16 tripulantes incluindo cinco marinheiros, um cozinheiro, seis "resgatadores", dois elementos médicos e dois jornalistas.

A poucos dias da partida, Daniel espera que daqui a uns meses o Aita Mari já não esteja sozinho "e que se possam juntar ao salvamento os restantes navios, para que as pessoas não continuem a afogar-se".