A invasão
6 de janeiro de 2021, o Capitólio, a "casa do povo" e da democracia norte-americana, é invadido. Este foi o primeiro ataque contra o Congresso dos EUA desde 1814, quando as forças britânicas invadiram Washington D.C. e atearam fogo a vários edifícios públicos — entre eles a Casa Branca e o Capitólio. Na história, o dia ficou registado como "A queima de Washington".
O rastilho. Num comício em frente à Casa Branca, na tarde desta quarta-feira, Trump pediu aos manifestantes para se dirigirem para o Capitólio — onde decorria a ratificação dos votos das eleições presidenciais de novembro, que deram a vitória ao democrata Joe Biden — e fazerem ouvir a sua voz, em protesto contra o que considerou ser uma “fraude eleitoral”, tendo mesmo dito que “nunca” aceitaria a derrota.
E assim fizeram. Minutos depois, centenas de manifestantes pró-Trump invadiram o Capitólio, obrigando, por razões de segurança, à sua evacuação e à suspensão dos trabalhos na Câmara de Representantes e no Senado.
Os manifestantes passaram a polícia, arrombaram portas, treparam paredes e partiram vidros. Lá dentro, percorreram os corredores e ocuparam gabinetes. Armados, fotografaram e filmaram tudo — publicando, depois, nas redes sociais.
Os congressistas e senadores foram retirados do edifício, e o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, foi levado pelos seguranças para um local seguro, que ficámos depois a perceber se situava algures no Capitólio de onde nunca chegou a sair. Uma fonte citada pela CNN, próxima do vice-presidente, garantiu que os Serviços Secretos queriam que este abandonasse o centro legislativo dos EUA, mas o vice de Trump recusou.
Só quatro horas depois da invasão, as autoridades consideraram o Capitólio como seguro.
Gás, tiros e explosivos. Vários feridos e quatro vítimas mortais
Pelo menos um engenho explosivo foi encontrado perto do Capitólio, com as autoridades a indicar que não constituiu um risco para a segurança do edifício, embora a sua presença tenha desencadeado um forte dispositivo de segurança no seu perímetro. Dois outros engenhos foram inativados junto dos edifícios do Comité Nacional Democrata e do Comité Nacional Republicano.
O chefe da polícia de Washington, Robert Contee, disse ainda que alguns manifestantes usaram “químicos” contra os agentes de segurança destacados para garantir a segurança dos congressistas.
Durante os distúrbios, pelo menos um civil foi baleado dentro do edifício do Capitólio. A Polícia Metropolitana anunciou estar a liderar a investigação ao incidente, mas não adiantou pormenores sobre as circunstâncias do disparo. A mulher, cuja identidade ainda não é conhecida, faleceu no hospital para onde foi encaminhada depois de ter sido atingida no peito.
Imagens transmitidas pelo canal MSNBC mostraram uma mulher a ser transportada numa maca com uma forte hemorragia. Em vídeos já divulgados, alguns legisladores gritam "foram disparados tiros". Nas fotografias das agências internacionais é visível que membros da segurança do Capitólio puxaram das armas na sala do plenário da Câmara dos Representantes.
Já ao final da noite, a polícia da capital, citada pela agência de notícias Associated Press (AP), confirmou a morte de outras três pessoas. A mesma força adiantou que morreram no hospital sem avançar com mais detalhes.
A polícia metropolitana foi enviada para o Capitólio e os serviços de segurança do Congresso foram auxiliados por agentes estaduais enviados de Maryland, Virgínia e New Jersey, bem como pela Guarda Nacional e por agentes dos serviços secretos. Vários polícias foram feridos durante a invasão, sem serem conhecidos números exatos ou a gravidade dos ferimentos.
Ao todo, e até ao momento, foram detidas apenas 13 pessoas e apreendidas cinco armas.
O presidente da Câmara de Washington ordenou o recolher obrigatório a partir das 18:00 (23:00 hora de Portugal continental), para ajudar no esforço das forças de segurança para conter os milhares de manifestantes que se concentraram no Capitólio.
Como reagiu Biden e não reagiu Trump
Numa declaração ao país, Joe Biden abordou os protestos considerando-os de um ataque àquilo que é mais sagrado para os norte-americanos: a democracia.
No discurso, Joe Biden exigiu que o ainda presidente Donald Trump fizesse imediatamente um discurso televisionado para pedir aos seus apoiantes que cessassem os atos de violência.
"Chocado e triste", o presidente-eleito condenou o sucedido e atacou Donald Trump. "A nossa democracia está sob um assalto sem precedentes, nunca vimos nada como isto em tempos modernos", reagiu Biden.
"É um assalto contra a cidadela da liberdade, o Capitólio em si. É um assalto contra os representantes do povo, contra a polícia do Capitólio que jurou protegê-los, contra os funcionários públicos que trabalham no coração da nossa república. É um assalto contra o Estado de direito como vimos poucas vezes", disse
"As cenas de caos no Capitólio não refletem a verdadeira América, não representam o que nós somos. O que nós vemos é um pequeno grupo de extremistas, dedicados à falta de lei. Isto não é dissidência. Isto é desordem, é o caos".
E digerindo-se a Donald Trump: “As palavras de um Presidente importam, independentemente do quão bom ou mau esse Presidente seja".
"No melhor dos casos, as palavras de um Presidente podem inspirar. No pior dos casos, podem incitar", continuou.
"Como tal, exijo que o Presidente Donald Trump vá já à televisão nacional para cumprir o seu juramento, defender a Constituição e exigir um fim a este assalto".
Mas Trump não foi.
“Eu sei o que estão a sentir. Mas este é o momento de irem para casa. E irem pacificamente”, disse Trump, num vídeo divulgado na sua conta pessoal da rede social Twitter.
"Tivemos uma eleição que nos foi roubada. E todos o sabem. Mas agora têm de ir para casa. Nós precisamos de ter paz. Temos de ter lei e ordem. (…) Não queremos que ninguém se magoe. Nunca houve um período como este, em que a eleição nos foi tirada. A mim, a vocês, a todos. Esta foi uma eleição fraudulenta. Mas agora temos de ter paz. Por isso, vão para casa”, disse Trump no vídeo de cerca de um minuto.
De acordo com uma fonte na Casa Branca, citada pela CNN, os funcionários da sede oficial do poder executivo dos EUA pediram a Donald Trump que tomasse uma posição relativamente à escalada de violência no Capitólio.
A publicação sublinha ainda que nenhuma destas posições tomadas por Trump — os tweets ou o vídeo — foram iniciativa do Presidente, só aconteceram porque foi pressionado.
Quando as redes sociais calaram o Presidente dos EUA
Ao quinto tweet, a rede social bloqueou a conta de Donald Trump, exigiu-lhe que retirasse as mensagens que desculpam a violência e ameaçou bani-lo para sempre.
"Em resultado da situação violenta inédita e em curso em Washington, D.C., exigimos a remoção de três tweets de @realDonaldTrump publicados hoje, devido a violações repetidas e graves da nossa política de Integridade Cívica", explicou a rede social num tweet.
"Isto significa que a conta de @realDonaldTrump ficará bloqueada durante 12 horas após a eliminação desses tweets. Se os tweets não forem retirados, a conta permanecerá bloqueada", alerta a rede social.
Esta foi a primeira vez que a Twitter tomou uma decisão destas em relação a Trump, a quem ameaçou com uma “suspensão permanente”.
Antes, fora o Facebook a remover um vídeo de Trump em que este recomendava aos seus apoiantes que atacaram o Congresso na quarta-feira para irem para casa, repetindo as falsas acusações à integridade da eleição presidencial.
O YouTube também disse que tinha removido o vídeo, por espalhar falsidades sobre uma fraude eleitoral generalizada.
O vice-presidente da Facebook para a Integridade, Guy Rosen, escreveu quarta-feira na rede social Twitter que o vídeo foi removido porque “aumenta, mais do que diminui, o risco de violência”. “Esta é uma situação de emergência e estamos a tomar as medidas de emergência adequadas, incluindo remover o vídeo do presidente Trump”, disse Rosen na Twitter.
O vídeo foi distribuído mais de duas horas depois de os apoiantes de Trump terem atacado o Capitólio em Washington, quando os congressistas estavam reunidos para confirmar os resultados do Colégio Eleitoral e a vitória do presidente eleito, Joe Biden.
No vídeo, Trump começa por dizer” “Conhecemos a vossa dor. Eu conheço a vossa ferida. Mas têm de ir para casa”.
Classificou também os seus apoiantes como “muito especiais”.
Líderes e instituições internacionais condenam ataque
O governo português condenou os incidentes, à semelhança da Comissão Europeia, do secretário-geral da NATO e dos governos de vários outros países.
A NATO, pela voz do secretário-geral, Jens Stoltenberg, considerou “chocantes” as imagens da invasão do Capitólio e apelou ao respeito pelos resultados eleitorais. "Cenas chocantes em Washington. O resultado desta eleição democrática deve ser respeitado", escreveu o dirigente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) na sua conta na rede social Twitter.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, reagiu “com choque” e apelou a uma “transferência pacífica de poder” para o Presidente norte-americano eleito, Joe Biden.
“O Congresso dos Estados Unidos é um templo da democracia. Testemunhar as cenas desta noite em Washington é um choque”, afirmou Charles Michel, numa publicação na sua conta oficial da rede social Twitter.
O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, que lidera um dos maiores parlamentos do mundo, referiu-se às cenas "profundamente preocupantes" de Washington e apelou ao respeito pelos votos democráticos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse acreditar na “força da democracia”: “Acredito na força das instituições dos Estados Unidos e na democracia. A transição pacífica deve ser a base”, escreveu Ursula von der Leyen na rede social Twitter.
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, condenou hoje o “cerco à democracia norte-americana”, vincando que os resultados das eleições presidenciais “devem ser plenamente respeitados”. “Aos olhos do mundo, a democracia norte-americana aparece hoje à noite sob cerco. Este é um ataque invisível à democracia norte-americana, às suas instituições e ao Estado de direito”, reagiu Josep Borrell, numa publicação na sua conta oficial do Twitter.
O primeiro-ministro, António Costa, disse estar a acompanhar "com preocupação os desenvolvimentos em Washington". "São imagens inquietantes. O resultado das eleições deve ser respeitado, com uma transição pacífica e ordeira do poder. Confio na solidez das instituições democráticas dos Estados Unidos", escreve António Costa.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson apelou a uma transição "pacífica e ordenada" do poder para o democrata Joe Biden. "Cenas vergonhosas no Congresso americano. Os Estados Unidos são os defensares da democracia no mundo inteiro", escreveu o chefe do Governo do Reino Unido numa mensagem na rede social Twitter.
O primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, manifestou "muita inquietude e consternação" com as notícias dos confrontos nos Estados Unidos, país com o qual a Irlanda tem "uma ligação profunda", disse. "Cenas chocantes e profundamente tristes em Washington", disse por seu lado o chefe da diplomacia Governo irlandesa, Simon Coveney, afirmando tratar-se de "uma agressão deliberada da democracia por um presidente cessante e os seus apoiantes"
O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, qualificou como "horríveis" as imagens de Washington e apelou a Donald Trump para que "reconheça Joe Biden como o futuro Presidente hoje". "O que vemos neste momento em Washington é um ataque totalmente inaceitável contra a democracia nos Estados Unidos. O Presidente Trump tem a responsabilidade de parar com isto. Imagens assustadoras, incrível que seja nos Estados Unidos", afirmou a primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg.
Em Paris, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian, condenou as manifestações e a invasão por apoiantes de Trump do Capitólio, considerando que constituem um “grave atentado contra a democracia”.
Pelas 20h00 de Washington, já madrugada em Portugal Continental, o Senado norte-americano retomou a sessão para ratificar a vitória do democrata Joe Biden nas presidenciais.
Na abertura da sessão, na quarta-feira à noite, o vice-Presidente norte-americano, Mike Pence, lamentou um "dia sombrio" e condenou "as violências".
"Mesmo após uma violência e um vandalismo sem precedentes neste Capitólio, os representantes eleitos do povo dos Estados Unidos são de novo reunidos, neste mesmo dia, para defender a Constituição", sublinhou.
"Não ganharam", disse.
Assim, o processo de confirmação do próximo Presidente dos EUA prossegue, mas antecipam-se dias de tensão até 20 de janeiro, o dia escolhido para a tomada de posse de Joe Biden.
*Com Agências (informação atualizada às 08:24)
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