O mundo é, ou não é, plano?
Depende da teoria a que dê ouvidos. Se concordar com Thomas Friedman, autor do livro com o exato nome “O mundo é plano”, terá uma visão segundo a qual a globalização e o desenvolvimento tecnológico tornaram a localização irrelevante. Não importa onde estamos, o acesso é idêntico.
Se, por outro lado, partilhar da visão de Richard Florida, verá um mundo que, ao contrário de plano, é pontiagudo, tendo picos de população, de desenvolvimento económico e de conhecimento. E estes picos fazem com que a localização importe.
“Embora pareça um paradoxo, ambas as teorias se complementam e ambas estão certas”, concluiu Alcino Lavrador, diretor geral da Altice Labs, na apresentação sobre o conceito de cidades circulares que fez em Valongo no primeiro ponto do roteiro do Portugal Smart Cities Tour de 2020. A razão pela qual importa perceber os dois movimentos - a globalização dos espaços, por um lado, e o efeito de atração de alguns espaços, por outro - está nos números. Hoje 53% das pessoas vivem nas cidades, em 2050 serão 70% - dois terços do mundo portanto.
“Onde temos melhor qualidade de vida é nas cidades médias ou pequenas e, no entanto, somos atraídos para as grandes”, notou Alcino Lavrador. O que torna prioritário, independentemente da dimensão, que as cidades sejam locais onde se possa viver melhor e que reduzam o impacto da concentração populacional no planeta.
É por isso que “temos de transformar a cidade que é ainda bastante linear numa cidade circular”, disse o diretor da Altice Labs. Uma transformação em que a tecnologia terá um papel importante mas em que o mais decisivo será a mudança na forma de encarar problemas e soluções. Veja-se a diferença entre comprar lâmpadas ou um serviço de iluminação. “Se comprar lâmpadas, o vendedor vai querer vender mais lâmpadas, se comprar um serviço de iluminação, o vendedor vai querer poupar e ser o mais eficiente possível”, ilustrou Alcino Lavrador.
Neste mundo plano e pontiagudo, o que caracteriza uma cidade circular?
“A cidade circular é aquela que é gerida de forma eficiente, com um modelo económico focado na coordenação dos sistemas de produção e consumo, permitindo a reutilização dos recursos. Todos os anos produzem-se 2,5 mil milhões de toneladas de resíduos na União Europeia. E, por isso mesmo, é fundamental que as cidades promovam a partilha, a reutilização, a reparação e a reciclagem dos materiais e dos produtos, alargando o seu ciclo de vida. Isso é ser circular” A explicação é de Miguel Castro Neto, subdiretor da NOVA Information Management School e Coordenador da NOVA Cidade – Urban Analytics Lab.
Ou seja, uma cidade circular é capaz de reduzir o desperdício ao mínimo. Quando os produtos chegam ao fim do seu ciclo de vida, são mantidos dentro da economia e podem ser utilizados diversas vezes o que cria mais valor na economia da cidade, torna-a mais fácil de gerir, mais amiga do ambiente e melhora a qualidade de vida das pessoas.
Sendo Valongo a cidade anfitrião do evento, coube ao presidente da Câmara da cidade, José Manuel Ribeiro apresentar o que tem sido por lá feito nestas matérias.
“A Câmara Municipal de Valongo tem apostado fortemente na economia circular, através do projeto Reciclar é Dar +, que já chega a mais de 10 por cento dos lares do concelho. O nosso objetivo é alargar a todas as 40.000 habitações do Município este projeto de recolha seletiva porta-a-porta. As pessoas têm de perceber que podem fazer a diferença com simples gestos de separarem logo em casa os resíduos, sejam multimaterial ou orgânico. Em Valongo fomos pioneiros e estamos a ter muito sucesso neste projeto”, relata.
Outra das apostas da cidade a substituição de toda a rede de iluminação pública por tecnologia LED, num investimento avaliado em 7,7 milhões de euros – mas que está a ser pago com as poupanças geradas. “Desta forma conseguimos iluminar todas as ruas de Alfena, Ermesinde, Campo, Sobrado e Valongo, dando resposta a um dos maiores anseios da população, com uma solução inovadora, económica e mais amiga do ambiente”.
José Manuel Ribeiro referiu ainda a substituição dos carros ligeiros movidos a gasóleo e a gasolina por veículos elétricos e híbridos. “A substituição dos carros de serviço da autarquia por veículos elétricos e híbridos acarreta uma poupança anual de 18.000 litros de combustível (maioritariamente gasóleo) e representa menos 48.896 kg de CO2 (gás poluente) emitido para a atmosfera. A nova frota municipal foi contratualizada em regime de AOV - Aluguer Operacional de Veículos, com um custo anual de aproximadamente 122 mil euros”, acrescentou.
Alguns dados sobre Valon
“O Planeta não aguenta mais. Hoje, temos de perceber que o Planeta é finito e precisa de um comportamento completamente diferente por parte das pessoas”, conclui o autarca.
Fundos europeus vão ter 80 simplificações administrativas e regulamentos com metade do tamanho
Os programas quadro para o período 2021/2027 que estão neste momento em construção são um apoio importante na ótica de transformação dos municípios em cidades circulares mediante a adoção de um conjuntos de tecnologias e de processos.
“É essencial que, no âmbito da programação do novo quadro de financiamento europeu, sejam previstas soluções financeiras para apoio à definição de estratégias para os municípios que ainda não estão tão avançados nesta matéria. Por outro lado também é importante apoiar a implementação dessas mesmas estratégias naqueles municípios que já lideram este movimento, de forma a que lhes seja possível avançar e abrir o caminho para os outros”, considera António Almeida Henriques, Presidente da Secção de Municípios Cidades Inteligentes, da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
De acordo com Miguel Sousa, Chief Operations Officer da iNOVA+, os municípios nacionais terão acesso aos financiamentos dos fundos europeus para a coesão, que pretendem estimular uma Europa mais inteligente, mais verde e hipocarbónica. “Os dois primeiros objetivos irão consumir cerca de 80% do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) para o período 2021 a 2027”, explica.
Também os fundos europeus de competitividade, aqueles em que os Estados Membros têm que competir pelos fundos, vão representar várias oportunidades, em programas como Urbact, Urban Innovative Actions, Interreg e, principalmente, no Horizon Europe que apresenta um pacote financeiro de 94.1 mil milhões de euros para os sete anos do programa.
Miguel Sousa avançou ainda novidades ao nível dos processos. “No próximo período vão ser implementadas algumas alterações em relação à aplicação dos fundos de forma a torná-los mais simples, flexíveis e dinâmicos. Estão previstas mais de 80 simplificações administrativas, regulamentos com metade do tamanho, mais reativos às necessidades emergentes que possam surgir durante o período, reprogramação mais simples”. E dá o exemplo: “Programas estruturados em «5+2» anos, ou seja, cinco anos programados inicialmente e dotações para 2026-2027 programadas após as revisões intercalares em 2024-2025. Estas intenções de melhoria podem tornar a aplicabilidade dos fundos mais fácil por parte dos municípios nacionais”.
Valongo foi a primeira cidade inteligente a acolher a edição deste ano do Smart Cities Tour, este ano dedicado ao tema “Desafios e Oportunidades para 2030”. Uma iniciativa nacional, desenvolvida pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, da NOVA Information Management School, em parceria com a Altice Portugal, CTT, EDP Distribuição, Deloitte e Crédito Agrícola. Composta por workshops temáticos realizados em seis cidades. Évora será o ponto seguinte do roteiro, a 27 de maio, e irá discutir Smart Grids e Comunidades de Energia Zero Carbono.
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