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O INABALÁVEL AVANÇO DA TECNOLOGIA
AS GRANDES DÚVIDAS PARA OS PRÓXIMOS TRINTA ANOS
A história ajuda. Sabemos, com elevado nível de confiança, que a tecnologia continuará a avançar nas próximas três décadas. Sabemo-lo porque vimos o que aconteceu nos últimos três séculos, nomeadamente a partir da Revolução Industrial. Sabemos como o progresso incremental melhorou a qualidade e reduziu os custos de tecnologias familiares como as viagens aéreas, e permitiu o desenvolvimento de novos produtos e serviços. Sabemos que a tecnologia avançou nos últimos trinta anos, embora existam dúvidas se o progresso tecnológico acelerou, manteve o ritmo ou abrandou.
A experiência diz-nos que a inovação tecnológica pode ser dividida em duas categorias principais: incremental ou revolucionária. Muitos avanços são incrementais, mas isso não significa que não tenham um impacto profundo ao longo dos anos. Os custos decrescentes nas viagens aéreas e em toda a indústria dos transportes abriu o mundo ao turismo massificado e tornou possível a criação de complexas cadeias de abastecimento, na qual componentes de um produto são despachados de diferentes regiões do globo antes de serem montados noutro destino.
Os avanços revolucionários, por sua vez, acontecem quando se dá uma nova descoberta científica ou quando várias tecnologias são conjugadas e aprimoradas para criar um produto ou serviço que toma conta do mundo. Podemos colocar os antibióticos na primeira categoria, e o iPhone na segunda. Os antibióticos revolucionaram os cuidados médicos e tiveram um impacto profundo na saúde humana; o iPhone transformou a forma como as pessoas usam as comunicações globais e o próprio comportamento humano.
Ora, os avanços revolucionários colocam um problema a quem tenta prever o rumo e as aplicações da tecnologia. Podemos ter opiniões informadas sobre como os avanços incrementais poderão afetar as nossas vidas, porque a possibilidade de estarmos certos ou errados não muda o facto de que a opinião foi formada com base no que podemos observar como possível ou provável de acontecer. Estamos, por assim dizer, a lidar com «incógnitas conhecidas». Os avanços revolucionários confrontam-nos com «incógnitas desconhecidas» – ou com circunstâncias incrivelmente difíceis de prever.
O impacto do iPhone é o exemplo perfeito. Bastará relembrar as famosas palavras de Steve Jobs quando o apresentou ao mundo em 2007: «De vez em quando, surge um produto revolucionário que muda tudo.»
O homem estava certo, claro, e o iPhone mudou realmente tudo, mas nem ele poderia imaginar a escala da revolução que se seguiria. Como poderia? O patrão da Apple apresentou o seu novo produto como um aparelho que servia para ouvir música, fazer chamadas telefónicas e navegar na internet. Não o apresentou como uma porta de entrada para serviços baseados na localização do utilizador, como a Uber, porque a Uber não existia nem teria existido sem antes aparecerem tecnologias como os mapas online. E Steve Jobs não teria certamente imaginado coisas como selfies, visto que os primeiros iPhones nem sequer tinham câmara frontal.
Portanto, e esta é a parte difícil, embora as mudanças revolucionárias possam parecer óbvias depois de acontecerem – como é que ninguém pensou nisto? –, dificilmente conseguimos imaginá-las até de facto acontecerem. Porque é que alguém haveria de querer tirar uma selfie, certo?
Felizmente, existem duas âncoras que nos prendem à realidade. As leis da física não mudam, para começar. O que muda é a capacidade de criarmos produtos e serviços que funcionam no âmbito dessas leis. Fazemos coisas melhor, mais depressa e mais barato, e é essa melhoria na qualidade e na oferta de bens e serviços que eleva os padrões de vida. Mas existem limites, e quanto mais nos aproximamos dos limites, mais difícil se torna manter o ritmo da inovação. Uma pessoa que voe hoje de Nova Iorque para Londres demora o mesmo tempo que demorava em 1960. Da mesma forma, a velocidade dos microprocessadores – aquelas coisas de silício que estão em toda a parte – irá atingir um dia o seu limite. Mas teremos também novos e imprevisíveis avanços em áreas onde ainda não explorámos os limites da física. A biotecnologia e a inteligência artificial poderão ser duas dessas áreas. No entanto, ninguém saberá dizer o que poderemos encontrar.
A segunda âncora diz respeito às aspirações e aos desejos dos seres humanos. Os sentimentos podem mudar com o tempo, mas as esperanças e os receios fundamentais tendem a manter-se iguais. As grandes coisas que esperamos da tecnologia não mudaram muito, e incluem paz, comunidade, família, saúde, entretenimento e por aí adiante. Por conseguinte, as tecnologias que nos ajudam nesse sentido continuarão a evoluir. As redes sociais são um exemplo atual de uma tecnologia que nos tem ajudado a alcançar esses objetivos universais. A família e os amigos são importantes; um grupo de WhatsApp permite que as pessoas conversem a qualquer instante e se mantenham a par do que acontece na vida de todos. A utilidade de uma tecnologia não se reduz ao impacto na eficiência económica. Tem que ver com algo mais profundo: se nos sentimos mais preenchidos como seres humanos.
Se combinarmos a física e os desejos humanos, temos uma estrutura para refletir sobre como a tecnologia irá progredir ao longo da geração seguinte. Existem dois testes. Primeiro, se algo pode ser feito e se pode ser feito a um preço acessível à maioria das pessoas. Segundo, se as pessoas precisam ou desejam que isso seja feito. Em ambos os casos, a resposta tem de ser positiva para os avanços tecnológicos que pretendem mudar a forma como vivemos.
Mas há mais. O que pretendemos da tecnologia muda com o tempo. Durante grande parte da história, precisámos da tecnologia sobretudo para ter o que comer. Por conseguinte, fomos capazes de desenvolver e aumentar a capacidade da agricultura e criámos maneiras mais inteligentes de armazenar e conservar alimentos. Precisámos da tecnologia para aquecer as nossas casas com mais eficiência e segurança. Em tempos mais recentes, ou desde a Revolução Industrial, utilizámos a tecnologia para elevar significativamente os padrões de vida, retirando uma porção cada vez maior de pessoas da pobreza para um estilo de vida de classe média.
Os primeiros objetivos continuam válidos, visto que ainda são muitas as pessoas no mundo que se deitam com fome. Olhando para o futuro, porém, percebemos que o foco está outra vez a mudar. Atualmente, temos um novo desafio para a tecnologia. Precisamos que nos ajude a reduzir a nossa pegada ecológica. Este será um dos grandes temas para as próximas décadas.
OS PEQUENOS PASSOS CONTAM, E MUITO
Certas coisas não enchem o olho, mas certo é que transformam as nossas vidas. Veja-se como os produtos que usamos diariamente se tornaram melhores e mais baratos, pelo menos comparativamente. Estes produtos tornaram-se mais eficientes, mais fiáveis e mais fáceis de usar. Um exemplo para os que têm idade suficiente para se lembrarem: hoje vemos menos carros avariados na berma da estrada do que víamos nos anos 70. A maioria de nós, porém, nunca viu de que forma os avanços nos métodos de produção nos permitiram chegar a este ponto. A não ser que façamos uma visita a uma fábrica de automóveis, dificilmente temos noção de como os robôs substituíram os trabalhadores humanos nas linhas de produção, ou de como a eletrónica revolucionou o controlo de qualidade. Ainda mais difícil é termos noção dos pequenos incrementos que resultaram em colheitas mais abundantes e na ampla variedade de alimentos disponíveis nos supermercados dos países desenvolvidos. Podemos discutir se as pessoas do norte da Europa deviam esperar poder comer morangos no Natal, especialmente se olharmos para o custo e o impacto ambiental de transportar esses morangos de outras latitudes, mas certo é que a maioria das pessoas não teria essa escolha sem os sucessivos avanços que conduziram a uma redução dos custos do transporte aéreo.
Do ponto de vista do mundo desenvolvido, os pequenos avanços oferecem às pessoas de classe média uma escolha de produtos e serviços que uma geração antes se encontrava apenas ao alcance dos ricos. Do lado do mundo emergente, concedem a muitas pessoas a experiência de um estilo de vida de classe média. A disseminação de tecnologias geradas em grande parte no mundo desenvolvido tem sido crucial nos países emergentes, e a forma como transformou as vidas das pessoas não irá mudar nos tempos mais próximos.
Podemos estar certos de que a tecnologia continuará a avançar, mas haverá desafios a superar. Para começar, estamos a atingir os limites do que é possível em algumas áreas. No desenvolvimento de motores de aviões, por exemplo, cada pequeno avanço se tem revelado cada vez mais difícil, e quando os engenheiros tentam ir mais além, depressa se deparam com problemas de fiabilidade.
Outro desafio, ainda maior, é que embora continuemos a ser capazes de introduzir melhorias na maioria dos produtos que produzimos, isso tem sido cada vez mais difícil de fazer na eficiência e no desempenho de muitas indústrias de serviços. A educação superior é um bom exemplo. O custo de uma educação universitária tem subido mais depressa do que o de qualquer outra indústria de serviços, e se foram implementados novos métodos de ensino para melhorar o aproveitamento dos alunos, pouco se nota.
Podemos olhar para outras indústrias de serviços com preocupações idênticas. De uma maneira geral, tem havido progressos nos cuidados de saúde, e o combate à pandemia de Covid-19 trará decerto avanços médicos que ainda não conseguimos prever, mas não é evidente que a prestação de cuidados de saúde esteja realmente a melhorar. Poderá ser verdade em alguns países, mas em grande parte do mundo desenvolvido parece existir um padrão no qual os custos sobem sem que isso se traduza em resultados. A medicina evoluiu muito e ninguém pode negá-lo, mas a indústria da saúde parece estar em dificuldade para conter os custos da sua atividade.
Nos próximos trinta anos, a educação e a saúde serão inevitavelmente responsáveis por uma percentagem crescente do PIB, à medida que a população mundial envelhece. Por conseguinte, se os padrões de vida continuarem a subir (e sim, podemos discutir se o termo continuar é o mais correto), estes dois setores terão de encontrar maneiras de se comportar mais como a indústria transformadora. Haverá descobertas técnicas que irão revolucionar ambas, e sabemos onde poderão surgir. Voltarei ao assunto mais adiante. Enquanto isso não acontece, quer a saúde quer a educação terão de tirar mais partido dos pequenos (embora úteis) avanços.
Existem muitos outros aspetos da economia mundial em que os avanços tecnológicos podem ajudar a resolver problemas aparentemente insuperáveis. Um óbvio será criar melhores condições de vida para os habitantes das cidades florescentes dos países emergentes. Como se canaliza o crescimento desenfreado, de forma a que estas se tornem habitáveis e eficientes, em vez de pesadelos urbanísticos?
Podemos encarar o problema com otimismo. São vários os avanços que podem ajudar. Na gestão da água, por exemplo. Aos poucos, as cidades estão a descobrir como podem fornecer condições de vida decentes gastando muito menos água por habitante do que acontece nos países desenvolvidos.
A Jordânia tem a menor disponibilidade de água por habitante de qualquer país do planeta. Sofre e continuará a sofrer a pressão de ser um pequeno território árido que serve de abrigo a muitos refugiados, mas consegue oferecer um estilo de vida razoável, ao nível de classe média, a 10 milhões de habitantes. Consegue-o, em parte, graças a medidas objetivas de conservação dos recursos hídricos, mas também porque se tornou uma espécie de laboratório de testes para novas tecnologias, como a implementação de um sistema de rega de pomares mais eficiente desenvolvido pelo MIT. Ideias que funcionam na Jordânia podem ser aplicadas no mundo inteiro, especialmente nas novas megacidades.
Em 2050, dois terços da população mundial viverão em cidades, e provavelmente um quarto viverá em cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Se forem bem servidas em áreas fundamentais como transportes, serviços públicos e habitação, a maior parte das pessoas será capaz de viver condignamente. A chave reside nos pequenos avanços tecnológicos. Os transportes públicos não poderão ser poluentes, algo que o custo decrescente dos veículos elétricos deverá resolver. A eficiência dos serviços de educação e saúde pode ser constantemente aprimorada pelas tecnologias de informação, embora seja mais complicado do que parece. Quanto à habitação, os mesmos pequenos avanços, simples e pouco dignos de nota, continuarão a reduzir os custos de construção e manutenção de edifícios.
Mas há mais. A importância dos pequenos avanços não reside apenas no óbvio – que com o passar do tempo oferecem amplas mudanças que beneficiam a condição humana. Os benefícios combinados de uma melhor disseminação de tecnologias aperfeiçoadas são menos evidentes. Quando muitas pessoas fazem pequenas mudanças, isso transforma o quadro geral. Por exemplo, os novos aparelhos de ar condicionado, mais eficientes, consomem até menos 70% de energia que os modelos atuais mais comuns. Qualquer casa ou escritório que atualize o seu sistema irá poupar energia. Porém, em termos do consumo energético de um país inteiro, mais vale ter muita gente com aparelhos razoavelmente eficientes do que um punhado com versões altamente eficientes.
Os governos podem ajudar. Na Europa, onde se proibiu a produção de aspiradores de alta potência, os fabricantes foram obrigados a encontrar maneiras de melhorar o desempenho dos produtos sem exceder o limite permitido. Identificar a eficiência energética dos eletrodomésticos tornou os consumidores cientes da poupança que podem fazer comprando os modelos mais bem cotados.
Mas talvez o que mais ajuda seja a velocidade com que o conhecimento é atualmente disseminado, graças à revolução digital. O acesso à informação tem impulsionado a escolha consciente dos consumidores, que por norma querem comprar os melhores produtos. Se queremos comprar um produto mais eficiente, mais fiável ou simplesmente mais elegante, só precisamos de aceder à internet, onde podemos ler várias críticas que nos ajudam a escolher o modelo que mais serve os nossos interesses. Isso é um estímulo. Portanto, quer o ritmo dos pequenos avanços tecnológicos quer a disseminação de melhores produtos e serviços são impulsionados pelo acesso a mais e melhor informação, que por sua vez é impulsionada pela tecnologia. O aspeto menos vistoso do progresso tecnológico, embora o mais importante, funciona em conjunto com o mundo «espalhafatoso» da revolução digital, a que hoje recorremos para tudo e mais alguma coisa.
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