Decisiva não será, mas é certamente muito importante ver os candidatos em pessoa e observar como se enfrentam. Na verdade, como sempre consideraram muitos analistas, o que o candidato tem de fazer para ganhar não é derrotar o outro na discussão substantiva, mas apresentar-se como “presidenciável” – melhor do que o seu próprio estereótipo e sem os defeitos que lhe atribuem os inimigos.

A Sky News mostrou aquilo a que se chama “a frase assassina” que ocorreu em muitos debates; quando um dos contendores diz alguma coisa, que até pode ser um aparte (e geralmente é) que desarma o adversário. Como entre Reagan e Mondale, em 1984. Disse o Ronald: “Disseram-me para não atacar pessoalmente o Sr. Mondale; prometo que não vou usar contra a ele a sua juventude e inexperiência!”. Mondale, mais novo, sorriu desarmado, e a partir daí quem deu cartas foi Reagan.

Ontem, a situação era semelhante; tanto Trump como Clinton precisavam de deitar abaixo as péssimas imagens que têm vindo a construir sobre si próprios. O empresário tinha de mostrar que atrás da arrogância está um homem conhecedor dos problemas, calmo e ponderado quando se trata de os avaliar, suficientemente confiável para deter os códigos nucleares que podem destruir o planeta. A ex-primeira dama, senadora e ministra, tem de convencer que não é a calculista dissimulada que diz o que for preciso só para ganhar, a representante de toda a falsidade que os eleitores já estão fartos de aturar aos políticos.

Considerando, estas premissas, é justo dizer que Hillary ganhou. Usando outras também, pois os comentadores são quase unânimes neste ponto e as primeiras sondagens também reconhecem a vitória da senhora. Na da CNN/ORC, por exemplo, 62% consideram que Clinton ganhou, contra 27% para Trump.

Vendo o debate sem levar em conta as propostas dos dois campos, ou seja, despolitizando a discussão para nos atermos apenas nos aspectos cosméticos, muito importantes, também Hillary se saiu melhor. Mostrou que conhecia as questões e os números, apresentou soluções concretas. Manteve-se sempre sorridente e controlada, recebendo os ataques de Trump com um sorriso de ligeiro desdém – como quem diz “estão a ver como este tipo é impossível?” Tratou o adversário por Donald, enquanto Trump sempre se referia a Hillary como “ela”, uma deselegância. E atacou o adversário com precisão, lembrando que ele não quer mostrar as declarações de IRS, que talvez não seja tão rico – logo, não tão bem sucedido – como aparenta, e expondo a falta de soluções de Trump para uma série de questões. (Naquelas que Trump tem soluções limitou-se a dizer que discorda, sem as considerar absurdas.)

Trump, por outro lado, perdeu a compostura várias vezes, tentou ligar Hillary a “trinta anos, de governação democrática” o que é manifestamente falso, uma vez que no período do marido presidente Bill, ela não tinha quaisquer poderes e no de Obama foi Secretária de Estado, ou seja, Ministra dos Negócios Estrangeiros, sem influência na política interna do país. Além disso entre Clinton e Obama fica Bush filho, e antes de Clinton houve Bush pai e Reagan, pelo que é difícil falar em 30 ou 50 anos de politicas democráticas.

Trump esteve muito mais calmo e cordato do que é habitual nas suas apresentações a solo, e teve o cuidado de não hostilizar os negros e os hispânicos, mas não resistiu quanto aos muçulmanos, que são 3,3 milhões, cerca de 1% da população. Também não resistiu a atacar o México e a China, política que só é apoiada por uma minoria dos eleitores e, segundo as pesquisas de opinião, não convence a maioria de hesitantes.

O que os americanos puderam ver ontem foi a opção entre terem a casa dirigida por um pai impetuoso, que chega do trabalho a bramar contra a hostilidade do mundo lá fora e a distribuir meia dúzia de estaladões para meter os miúdos na ordem, ou uma mãe meticulosa, que garante as refeições a horas e os banhos tomados, mas leniente quanto aos vizinhos inconvenientes.

Ainda haverá três debates. Correcções serão feitas em ambos os campos. Os indecisos, que são quem decide, ainda hesitarão por mais algum tempo. E nós, os que não podemos votar numa eleição que definirá uma boa parte do nosso futuro, continuamos expectantes.

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