A expectativa que se cria no dia em que se conhece o laureado com um prémio Nobel é imensa.
Em 1998, com a atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago, a história não foi diferente. No ano anterior, já o nome do português pairava no ar, juntamente com o de outros escritores nacionais.
A narrativa do dia 8 de outubro de 1998 fez-se não só através do anúncio pela Academia sueca, mas também pelas notícias que foram escritas sobre o acontecimento.
Por isso, numa viagem pelo arquivo da Agência Lusa, o SAPO24 selecionou cinco notícias publicadas no dia em que Portugal esteve nas bocas do mundo, que voltam a ser agora mostradas neste artigo para que nos levem numa viagem no tempo — e nas peripécias de um Nobel.
Saramago: Sem moedas para telefonar à mulher no dia em que ganhou um milhão de dólares
Madrid, 08 Out 1998 (Lusa) - Saramago ficou sem moedas quando falava ao telefone com a mulher, comungando a vitória hoje do prémio Nobel da Literatura.
A jornalista espanhola Pilar del Rio, mulher do escritor, contou aos muitos jornalistas que "invadiram" a sua residência em Lanzarote que só pode falar com o marido por escassos minutos, porque este, que lhe estava a telefonar de uma cabina do aeroporto de Frankfurt - cidade onde se encontrava quando recebeu a notícia -,"ficou sem moedas".
Saramago foi informado da atribuição do prestigiado galardão pelo seu editor português, Zeferino Coelho, que lhe pediu para cancelar a viagem de regresso a Espanha, revelou a mulher do escritor.
"Tinha muita vontade de regressar, mas aceitou ficar" na cidade alemã, disse Pilar del Rio, que soube da notícia do Prémio através de um telefonema da Academia sueca às 11:57 (hora de Espanha).
Na opinião de Pilar del Rio, "todos os portugueses estarão orgulhosos pelo facto de José Saramago, eterno aspirante a este galardão, ter conseguido o Nobel desta vez".
Pilar realçou que a obra do escritor "é reflexo da sua personalidade", cujas principais características são a "coerência e a integridade".
"É uma pessoa muito integra, de uma só palavra. Um homem coerente e autodidacta, de uma grande cultura", vincou a mulher do Prémio Nobel da Literatura.
Saramago: Quem espera sempre alcança...
Lisboa, 08 Out 1998 (Lusa) - No ano em que Portugal conquistava a maior projecção de sempre da sua história recente, o acontecimento menos esperado, ainda que almejado durante anos a fio, era ver o nome de um escritor português eleito Nobel da Literatura.
É verdade que José Saramago pontuou sempre entre os grandes da cultura mundial cuja obra poderia ser distinguida pela Real Academia Sueca. Mas também é verdade que as expectativas alimentadas ao longo desse tempo foram sempre goradas e outros ocupavam sucessivamente o lugar que o orgulho português queria seu.
Talvez por isso mesmo, este ano, pouco ou nada se falou do Nobel da Literatura e o nome de Saramago, ainda que sempre entre os eternos candidatos, acabou por ser remetido a um certo esquecimento, não assumido embora.
Neste suceder de desilusões ele próprio fez sempre questão de, de alguma forma, minimizar o galardão, reduzindo-o por vezes ao seu valor material.
Mas hoje, ao tomar conhecimento, em pleno aeroporto de Frankfurt, da distinção que a academia sueca lhe reservara, falou de sentimentos indescritíveis, de uma sensação de grande serenidade. Do dinheiro (um milhão de dólares) também falou, para dizer que ficará com ele. Mas o prémio, que lhe agradou pessoalmente e como "patriota", esse partilha-o com todos, incluindo os leitores das suas obras.
Foi nas suas obras que a Real Academia Sueca colheu os argumentos para lhe atribuir o Nobel da Literatura, galardão atribuível apenas aos escritos de carácter idealista.
Nas páginas escritas por Saramago, o comité Nobel encontrou "parábolas sustentadas por imaginação, compaixão e ironia, que continuamente permitem captar uma realidade ilusória".
Este reconhecimento mereceu, por parte das principais individualidades portuguesas, dos governantes aos intelectuais, palavras dominadas por sentimentos de justiça e regozijo. Palavras que, em comum, têm o transformar este prémio individual numa distinção colectiva, merecida pela literatura e língua portuguesa.
Foi nesse sentido que o Presidente da República se pronunciou, ao considerar que o Nobel traduz a consagração do português e é motivo de grande satisfação colectiva, protagonizada por um "grande trabalhador da língua portuguesa".
Dos mesmos sentimentos comunga o primeiro-ministro, que vê no Nobel o "testemunho do reconhecimento internacional que Portugal tem na constituição do mundo moderno", um reconhecimento que a literatura portuguesa "já há muito tempo merecia".
O crítico Oscar Lopes vai mais longe neste comentário ao afirmar que, em 1998, o Comité Nobel descobriu finalmente a literatura portuguesa, "velha" de sete séculos. Ainda assim, "a hora é de exultação e não de recriminações".
Um entendimento partilhado por todas as reacções colhidas pela Agência Lusa, à excepção da escritora Maria Teresa Horta, que encontra entre os autores portuguesas melhores merecedores do galardão.
Também Eugénio de Andrade gostaria de ter um poeta como Nobel, mas nem por isso ficou menos satisfeito. E satisfeito ficaria também o bispo resignatário de Setúbal, D. Manuel Martins, se Saramago se deixasse iluminar por ideais cristãos. Mas este "pequeno senão", como lhe chamou, não o impediu de ficar "extraordinariamente feliz".
Por isso, a única voz deveras dissonante entre a unanimidade dos aplausos chegou do Vaticano, cujo jornal oficial critica a atribuição do Nobel a um "comunista inveterado", um escritor de "reconhecida orientação ideológica", de uma visão "substancialmente anti-religiosa" de que faz eco sobretudo em "O evangelho segundo Jesus Cristo".
Esta é, de facto, uma das obras mais polémicas do escritor, talvez mesmo a mais polémica. Mas não a única. Porque "O memorial do convento" também deu e continua a dar que falar. Em Mafra, pelo menos, onde a escola secundária quer chamar-se José Saramago, mas a Câmara diz que não. Pode ser que agora o Nobel dê um empurrão ao desejo de alunos e professores da vila do convento de Blimunda e Baltasar Sete-Sois...
Saramago: O prémio é de todos mas o dinheiro é só dele
Lisboa, 08 Out 1998 (Lusa) - O escritor José Saramago disse hoje partilhar o Nobel da Literatura com todos os países de língua oficial portuguesa, mas fez questão de afirmar que o dinheiro, esse, ficará com ele.
"Se me dão licença o prémio é de todos mas o dinheiro já agora fico eu com ele", disse Saramago numa conferência de imprensa improvisada na feira do livro de Frankfurt.
O galardoado explicou o que sentiu no momento em que recebeu a notícia em pleno aeroporto de Frankfurt, poucos minutos antes de embarcar para Madrid.
"Senti-me sozinho", disse o escritor.
"Com toda a normalidade regressava a casa quando tinha de regressar. Quando vou a sair tive de percorrer um corredor imenso completamente deserto, o que é estranho porque se trata do aeroporto de Frankfurt", descreveu Saramago, continuando: "Eu um pobre senhor que seguia completamente sozinho levando a sua mala e a sua gabardine debaixo do braço dizia para si mesmo: Pois parece que sou o Nobel".
Saramago: Escritor nunca atribuiu importância ao galardão
Lisboa, 08 Out 1998 (Lusa) - Candidato por diversas vezes ao Nobel da Literatura, José Saramago nunca atribuiu, contudo, grande importância ao galardão. Apesar disso, foi este ano que, inesperadamente, o escritor português obteve o prémio máximo das letras.
Considerado um dos autores portugueses contemporâneos mais conhecidos no estrangeiro, Saramago conta com mais de duas dezenas de obras publicadas, algumas das quais polémicas, como "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e "Memorial do Convento".
No entanto, e apesar de galardoado por diversas vezes ao longo da sua carreira - nomeadamente com o prémio "Sacanno", da cidade italiana de Francavilla a Mare (1998), o Prémio Camões de 1995, o prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores (1993) e de ficção estrangeira do jornal "The Independent" (1993) pela obra "O Ano da Morte de Ricardo Reis" - o escritor parecia minimizar a lacuna do Nobel na sua longa lista de prémios.
Em 1996, Saramago afirmou na Universidade de La Laguna, Tenerife, que, apesar de se pensar que o Prémio Nobel da Literatura confirma a importância de uma obra, a única coisa que muda é a conta bancária do contemplado.
Apesar de admitir que "ficaria satisfeito se recebesse o galardão", Saramago, candidato ao prémio também naquele ano, garantiu que a sua obra iria "ser a mesma antes e depois do Nobel, se é que existe um depois".
Dois anos antes, em 1994, o escritor, que reside desde 1993 na ilha espanhola de Lanzarote, classificava o Nobel da Literatura como "um milhão de dólares", nada mais.
"É doentio pensar que depois de oito séculos de tanta obra, de tanto escritor, não somos nada enquanto não nos derem o Nobel", afirmou em Madrid. E acrescentou: "Não quero dizer que despreze o Nobel ou que a minha atitude seja de desdém, pois, se mo dessem, aceitava-o, mas ponhamos as coisas em seu lugar e o do Nobel é um milhão de dólares".
Saramago: Escritor contente por si e por Portugal
Lisboa, 08 Out 1998 (Lusa) - O Nobel da Literatura José Saramago agradeceu hoje aos leitores o prémio que lhe foi atribuído e disse ter dois motivos de contentamento: "um pessoal e outro patriota".
"Tenho duas razões de contentamento, uma pessoal e outra que tem a ver com a circunstancia deste prémio Nobel atribuído a um escritor de língua portuguesa", disse.
Para José Saramago, que prestou um curta declaração aos jornalistas antes de uma conferência de imprensa em Frankfurt, a honra que lhe é feita dá-lhe um sentido de grande responsabilidade e de grande respeito por todos aqueles que," em Portugal, no Brasil e nos países de expressão portuguesa, trabalharam e continuam a trabalhar para poder fazer da língua portuguesa algo de mais importante".
Veja aqui o trabalho especial que o SAPO24 preparou para assinalar os 20 anos do Nobel
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