Tic-tac-tic-tac. O relógio andou lentamente, desde março, até ao regresso às aulas. Seis meses depois, mais dia, menos dia. Aconteceu. Está a acontecer.
Confesso que nunca liguei especialmente a esta data. Tanto quanto a memória me permite recuar era (curiosamente, este ano — felizmente — não tem sido) marcada pelas falhas na colocação dos professores e pelas extensas filas e demoradas entregas de livros correspondentes a cada ano escolar. Há tradições que não mudam e esta última, das editoras, mantém-se, para meu lamento e de muito pai.
O tema principal este ano é, no entanto, outro. É marcado por um regresso a um lugar de onde saímos devido a uma pandemia e para onde voltamos apesar da persistência dessa mesma pandemia.
Pensei, nos últimos dias, numa frase dita por um dos meus filhos. Proferida pelo benjamim da família, sete anos feitos numa pequenez de metro e meio, aquele com quem representei, ao longo de longos quatro meses, diversos papéis: pai, professor e auxiliar de educação. “Estou farto de pessoas eletrónicas”, disse numa consulta na pediatra, consulta concretizada fora de prazo devido ao Estado de Emergência vivido e à prioridade ao corredor Covid-19.
Tic-tac-tic-tac. O briefing sobre a “nova escola” e os comportamentos é semelhante um pouco por todas de norte a sul do país, litoral e interior, ou ilhas. Escutamos ad nauseam os três pontos principais: máscaras, distanciamento e mãos lavadas.
Já tenho os quatro filhos na escola. Primeiro um. Depois outro. Hoje foi a vez de mais dois. Duas, no caso. Entregues. Finalmente.
Todos vão viver debaixo de regras apertadas e de horários encolhidos. Todos têm uma janela de entrada e de saída nas respetivas “bolhas”. O que, com quatro filhos, faz com que o horário se estenda das 7h30 e às 18h30. Pedem-se conhecimentos de logística.
Regressaram ao local de onde, na minha modesta opinião, não deviam ter saído em março, mas na altura, face ao conhecimento existente, foi a opção a tomar.
Agora, na posse de mais informação, desejo que permaneçam nas salas de aulas até ao fim do ano escolar. Pelo menos deverá ser a prioridade máxima. Porque é nas salas de aulas reais que apreendem o verdadeiro conhecimento. Onde recebem a melhor instrução. Onde prosseguem a sua aprendizagem, desenvolvem as amizades e as relações sociais que devem ter. E, já agora, é dos sítios mais seguro e escrutinados por onde podem andar. Não duvido disso nem um milímetro.
Acompanhei no primeiro dia, viagem casa-escola-casa, só um filho. O tal de sete anos. Conto fazê-lo, doravante, seja por transporte próprio ou a pé. O resto já tem idade — e pernas — para se fazer à vida e à estrada. Duas vão pelos próprios pés e o mais velho, colecionará transportes públicos (oito, ao todo, ida e volta), somará horas, quilómetros e possibilidade estatística para apanhar o “bicho”. Algo que encaramos, entre quatro paredes, com relativa naturalidade. Temos de continuar a viver. E viveremos, todos, debaixo de um risco, que não é assim tão diferente de outros que já enfrentamos ou enfrentaremos.
Com a aproximação do dia — estranho, ou talvez não —, não fiquei com nenhum novelo de lã encravado na garganta, nem qualquer frio a percorrer a espinha ou a marinar no estômago. Não fui afetado com uma qualquer sobrecarga emocional. Para mim, a última ida à escola foi “ontem”. Tal como para ele. Mas a escola é outra. E tem novas regras.
Tic-tac-tic-tac. O tal dia aconteceu. Os pais, de máscara, cumpriram o distanciamento social nas entregas dos filhos. Aqui e acolá, cumprimentam-se recorrendo ao cotovelo. A dobradiça óssea cumpre as regras da nova socialização. À porta, um pequeno comité. Trajado de máscaras e com as mãos preenchidas de objetos, distribui borrifadelas. Os afetos saem debaixo de um som abafado.
O meu filho preparava-se para entrar por onde sempre entrou. Como sempre o fazia. De rompante, com os olhos à procura dos amigos no recreio. Uma barreira humana refreou-lhe os ímpetos. O primeiro olhar, ou antes, o entortar dos olhos, teve como alvo o termómetro digital apontado à testa. Passado o teste da temperatura, lavou as mãos com gel. Seguiu. À procura dos amigos. Será a sua normalidade a partir de agora.
Não leva mochila. Os livros cumprem um regime de escola militar. Vão para casa, juntamente com a mochila, à sexta-feira e regressam no primeiro dia da semana. Os TPC são enviados e respondidos por WhatsApp. Em dia de ginástica segue equipado de casa. Leva diariamente o cantil. Ganha em segurança sanitária, sim, perde, seguramente, em prazer de empoleirar-se num lavatório e deixar que a água que sai da torneira escorra pela garganta. Quem nunca o fez...
À hora combinada, dentro da janela horária, fui buscá-lo. O pressuposto é o mesmo. Os anos estão divididos e os pais, ou quem vai buscar, não se cruzam com os demais. Passa-se tudo muito rápido. Sem conversas.
Na viagem de mota até casa fico a saber que só podem jogar à bola em determinados locais e que há setas nas escadas que indicam locais reservados às subidas e descidas. Chegados a casa, pergunta se não poderia ser feito o mesmo nas escadas do prédio.
Tic-tac-tic-tac. O ano escolar arrancou e as notícias de casos positivos não cessam. Uma turma, duas turmas, um aluno, dois alunos, uma professora, um auxiliar. Um pai, uma mãe, um irmão. Uma turma segue para casa. Duas. A aula segue pelo ensino não presencial.
Esta será a nova normalidade. Que deve ser encarada sem receios. Ou medos e ansiedades que surgem a cada segundo dos vídeos e fotos a mostrarem ajuntamentos nos limites das portas e portões escolares, imagens sempre acompanhadas de exclamações e credos.
Como pais de quatro filhos, eu e a minha mulher estamos preparados para, a qualquer momento, saltitar entre trabalho e teletrabalho. Porque a probabilidade de uma turma de um deles ser reencaminhada para o online não é assim tão despiciente.
Tic-tac-tic-tac... O relógio começa a contar a partir de hoje. O dia em que tenho os quatro filhos na escola. Qual será o primeiro a entrar na sala do zoom? Aceito apostas.
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