Nas ruínas da baixa de Antáquia, onde parece que nenhum prédio ficou incólume ao sismo que abalou a Turquia e a Síria a 06 de fevereiro, Omer Akcil tanto chama a atenção à missão portuguesa depois de falar com algum local, como é chamado pelos operacionais, quando são abordados por um habitante, que ainda espera encontrar os seus familiares vivos nas ruas desfeitas daquela cidade de meio milhão de habitantes.

Omer traduz do turco para castelhano, que fala com facilidade, e de volta ouve o português dos operacionais, que percebe perfeitamente.

“Criámos com ele uma relação de amizade e de lealdade. Foi absolutamente fundamental o trabalho do Omer, porque sem um guia, teria sido muito mais difícil o nosso trabalho”, disse à agência Lusa o comandante da missão portuguesa na Turquia, José Guilherme, realçando que são poucos os turcos que falam inglês.

O pintor ficou com a equipa na base das operações e “passou a ser mais um da família”, vincou o comandante.

“Vai deixar muitas saudades”, afirmou José Guilherme, referindo que foi dada uma medalha comemorativa da Autoridade Nacional da Proteção Civil ao pintor transformado em tradutor.

O encontro entre equipa e pintor foi uma obra “do destino”, conta Omer Akcil, pintor a viver na Capadócia, Turquia, mas que por vezes está por Espanha, Itália ou outros países — “depende do sentido do vento”.

“Tive um pedido da Embaixada da Turquia no México para me juntar à equipa mexicana no aeroporto de Adana. Com o trânsito, não cheguei a tempo e eles seguiram. No aeroporto, cruzei-me com a equipa portuguesa e fui com eles”, conta à Lusa o turco natural de Bursa, no oeste da Turquia.

Segundo Omer, encontrou na equipa portuguesa camaradas.

“Não falamos a mesma língua, mas temos os mesmos sentimentos. Estamos unidos pelo mesmo objetivo. E é incrível a atitude deles. Vi-os a dar voltas e voltas a ruas, sempre à procura de encontrar uma vida, sempre à procura, sem desistir”, frisa.

Considera que o tempo passado com a missão portuguesa em Antáquia será “o momento mais impactante” da sua vida.

“Ver que gente como esta existe dá-me esperança para o futuro”, admitiu à Lusa.

No trabalho com os portugueses, Omer não se limita a traduzir o que as pessoas lhe dizem.

Está sempre disponível para dar um abraço, a quem o aborda por Antáquia, à procura de familiares pelos escombros.

“Eu apenas tento dar esperança às pessoas que vou encontrando. A situação é horrível e eu gostava que, ao dar esperança, ela chegasse às pessoas no sentido certo”, explica.

No rosto de quem o abordou ao longo de mais de uma semana ou a quem teve que explicar que o seu familiar poderia não estar vivo, encontrou sempre “a mesma expressão”.

“Uma tristeza profunda nos seus rostos. A dor é muita”, conta Omer, que diz que o chamam de “pintor das almas”.

“Nunca mais esquecerei o cheiro da morte. Ficará guardado para sempre na minha memória”, diz, enquanto avança com a equipa portuguesa na baixa de Antáquia.

Já é noite na cidade, mais de uma semana passou desde o sismo, já não se procuram vivos pelos escombros, o silêncio é quase absoluto e o cheiro a morto sobrepõe-se a qualquer outro na rua.

“Imagina, nesta rua, há um mês, as pessoas estavam a dançar, a comer, a beber, a conversar com amigos ou vizinhos, a viverem a sua vida. E o sismo limpou isso tudo. Destruiu a rua por completo. Não há vestígio disso, desses momentos. É difícil aceitar essa realidade”, desabafa Omer.

[Notícia corrigida às 16:28 de 17 de fevereiro — Muda a fotografia de destaque]