Taliaa Diab é uma delas. "O meu marido e três dos meus filhos desapareceram", explica esta mulher, que fugiu com a família da cidade de Saqlawiya no começo de junho. Uma semana depois, não tem qualquer notícia sobre eles. Como ela, centenas de esposas, mães e idosos que encontraram abrigo em Amriyat al Fallujah pedem ajuda, rabiscando o nome dos familiares num pedaço de papel.
Estes familiares estão desaparecidos desde o início da ofensiva lançada a 23 de maio pelas forças iraquianas para recuperar das mãos do Estado Islâmico (EI) a cidade de Fallujah, 50 km a oeste de Bagdad e um dos principais redutos da organização extremista. Desde o início da ofensiva, há três semanas, 43 470 pessoas fugiram, a maioria das localidades que cercam Fallujah, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), publicados esta terça-feira.
Durante os primeiros dias da operação, as forças paramilitares de Hashd al Shaabi (Mobilização Popular) participaram na reconquista dos povoados em redor de Fallujah e na ofensiva para cercar a cidade. Cada vez há mais testemunhos de civis que conseguiram fugir que acusam as forças de segurança - sobretudo membros das milícias - de abusos. "Ouvimos que mataram várias pessoas, queremos saber o que acontece", preocupa-se Taliaa Diab.
"A mobilização sectária sequestrou o meu marido", afirma Marwa Mohamed, fazendo um jogo de palavras com o nome das forças Hashd al Shaabi, que provoca o riso das outras mulheres. Acusa a milícia Ketaeb Hezbolá (Brigadas do Partido de Deus), visto que "a vimos, com as suas bandeiras".
A maioria dos moradores de Fallujah e arredores são sunitas e as forças de Hachd são formadas por combatentes xiitas. A sua participação junto com forças governamentais na batalha de Fallujah pressagiou desde o início possíveis abusos contra os civis sunitas.
'Como quem assa um frango'
As autoridades iraquianas abordadas pelas mulheres no acampamento de Amriyat al Fallujah mostram-se tranquilizadoras. "Vamos transmitir a informação, estamos aqui para ouvi-los e buscar soluções", assegura-lhes um enviado do primeiro-ministro Haider al Abadi.
Em Fallujah e arredores, seis mil homens foram detidos para serem revistados desde o início da operação, há mais de três semanas, segundo o porta-voz do ministério do Interior, Saad Maan. Cerca de mil já foram postos em liberdade e outros quatro mil serão libertados em breve, assegurou. O objetivo desta detenção, que não deve durar mais de uma semana, segundo Maan, é detectar os extremistas que tentem fazer-se passar por civis.
Longe da multidão que cerca as autoridades governamentais, dois homens que conseguiram ser libertados falam, debaixo de uma barraca, e comparam os abusos que sofreram após a detenção. "Vi com os meus próprios olhos mais de 40 pessoas morrer durante a detenção pelo Hashd", explica um homem que se apresenta como Abu Ban. Mostra as feridas profundas no pulso: "É porque tive as mãos algemadas durante quatro dias, sem nada para comer, nem beber", lamenta. "Éramos agredidos com bastões. Veja o meu braço", prossegue Abu Hussein, de Azraqiya. "Eu vi-os queimar um homem como quem assa um frango", admite.
Vários milicianos proclamaram que agiam assim para vingar a execução de 1 700 oficiais - a maioria xiitas - em junho de 2014, perto de Tikrit, pelas mãos do EI, explicam os homens consultados pela AFP. Os serviços do primeiro-ministro asseguraram que fariam uma consulta sobre os abusos cometidos pelas forças de segurança na ofensiva de Fallujah. "Fugimos do Daesh pensando que estaríamos a salvo com Hashd al Shaabi e trataram-nos como o Daesh", lamenta Abu Adallah, um professor de 57 anos, usando o acrónimo em árabe do grupo EI. "Não éramos tão maltratados pelo Daesh. Tínhamos uma vida rural, na nossa quinta, e podíamos sobreviver ao cerco", conta. "Garanto-vos, deveríamos ter ficado" em vez de fugir.
Comentários