Num discurso perante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova Iorque, António Guterres, que se recandidata à posição de secretário-geral, disse que 2020 foi um “ano horrível”, de “morte, destruição e desespero”, usando a expressão em latim “annus horribilis”, mas concluiu que existe esperança de 2021 ser um “annus possibilitatis”.

“Precisamos de mudar da morte para a saúde; do desastre para a reconstrução; do desespero à esperança; do ‘business as usual’ (como de costume, em tradução livre) à transformação”, disse o secretário-geral.

Para isso, as primeiras três prioridades são o combate à pandemia de covid-19, a recuperação económica inclusiva e sustentável e “fazer as pazes com a natureza”.

Numa altura em que se contam mais de 2,1 milhões de mortes em todo o mundo devido ao novo coronavírus, o antigo primeiro-ministro português destacou que o acesso à vacina, “um bem público global”, é fundamental, nomeadamente através da plataforma internacional Covax.

O combate à pandemia inclui impedir o vírus de se transmitir “como incêndios florestais do Sul” e todas as mutações do vírus, que, avisou o secretário-geral, podem tornar-se mais “infecciosas, mortais e mais resistentes a vacinas”.

Neste sentido, ainda sobre o combate à pandemia, António Guterres recomendou seis passos: priorização de trabalhadores de saúde e pessoas de risco, proteção dos sistemas de saúde em países pobres, assegurar fornecimento e justa distribuição das vacinas através da plataforma Covax, partilha dos excessos de dose de vacinas na Covax, mais licenciamento para aumento do fabrico de vacinas e fortalecimento da confiança pública nas vacinas.

Na recuperação económica, a segunda prioridade para 2021, o secretário-geral disse que “nenhum país deve ser forçado a escolher entre fornecer serviços básicos ou pagar as suas dívidas”, defendendo o alívio de dívidas e expansão da Iniciativa do grupo G20 para congelamento de dívidas.

Em termos de ação climática, Guterres defendeu a expansão da coligação global para neutralidade carbónica até 2050, contribuições nacionais para cortar 45% das emissões em cada país até 2030 (comparado com níveis de 2010), a adaptação e o cumprimento total de compromissos de financiamento com iniciativas climáticas.

“Nunca devemos permitir que qualquer Estado-membro tenha de dobrar a sua bandeira por causa de um problema cuja solução está nos nossos poderes”, disse Guterres, numa declaração para pedir “particular solidariedade” para os pequenos estados insulares em desenvolvimento, que se encontram em maior risco devido às alterações climáticas.

Momentos significativos para 2021, disse o secretário-geral, são as conferências COP26 em novembro, COP15 para a biodiversidade e a Conferência dos Oceanos em Portugal.

Entre as dez prioridades do ano, Guterres pediu que “seja enfrentada a pandemia de pobreza e desigualdade”: “As oportunidades das pessoas na vida dependem do seu género, raça, origem familiar e étnica, se são portadoras de deficiência e outros fatores”, declarou.

O secretário-geral acrescentou que “essas injustiças alimentam-se umas às outras, fazem com que as pessoas percam a confiança nos governos e instituições e repercutem-se por gerações”.

Entre medidas para combater este aspeto, enunciou o Novo Contrato Social internacional, mais educação, aposta na literacia em tecnologias digitais, reformas de mercados de trabalho e combate à corrupção e fraudes.

A proteção dos direitos humanos para todas as pessoas e a igualdade de género são outros dos aspetos mais importantes para 2021.

Uma outra prioridade para a ONU é reduzir divergências geopolíticas e encontrar “terreno comum”, nomeadamente com um “Conselho de Segurança unido” e o cessar-fogo global que está a ser implementado nalgumas partes do mundo.

Mesmo assim, lamentou Guterres, continuam “guerras sem sentido” e que têm de acabar, como no Iémen, República Centro-Africana, Mali e Afeganistão.

Fonte de grande preocupação é também o terrorismo que está a atingir Moçambique, o Sahel, Lago Chade e a República Democrática do Congo: “vemos o terrorismo aumentar na ausência de segurança e na incapacidade de lidar com causas de raízes económicas, climáticas e sociais”, disse o responsável.

“Reversão da erosão do regime de desarmamento e não proliferação nuclear” encontra-se também nas prioridades da ONU.

A nona prioridade é o “aproveitamento de oportunidades das tecnologias digitais, enquanto se protege contra seus perigos crescentes”: “o nosso objetivo é que as pessoas em todos os lugares tenham um acesso significativo e seguro à internet até 2030 e ter todas as escolas online o mais rápido possível”.

“Precisamos de um cessar-fogo no ciberespaço, inclusive para acabar com os ciberataques em infraestruturas vitais. Precisamos de abordar a propagação digital do ódio, exploração e desinformação”, declarou António Guterres.

Por último, a décima prioridade de 2021 será uma “reconfiguração do século 21″, em multilateralismo e uma voz mais importante para países em desenvolvimento em tomadas de decisões globais.

O secretário-geral da ONU declarou que foram dados passos importantes para o fortalecimento das Nações Unidas e que a pandemia de covid-19 foi o primeiro grande teste às reformas.