Se “o Estado exercesse essa opção de compra, o produto dessa opção penso que reverteria para as respetivas instituições. Era essa a noção que tínhamos, e era assim que estávamos a trabalhar”, disse hoje Norberto Rosa, em resposta à deputada do CDS-PP Cecília Meireles, numa audição da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD.
A deputada centrista tinha questionado o antigo administrador do banco público sobre a utilização das obras da coleção Berardo como garantia para as dívidas da Fundação José Berardo, dado que os bancos “sabiam que havia um contrato de comodato com o Estado português”.
“Pedimos ao departamento jurídico para avaliarmos a exequibilidade de considerar a coleção Berardo como garantia. A informação que tenho é que o próprio [José] Berardo, ou o seu advogado, considerou que não podia dar essa garantia exclusivamente à Caixa, mas também às outras instituições de que era devedor”, contou Norberto Rosa.
O ex-administrador da CGD disse que “foi considerado que efetivamente a coleção Berardo servia como garantia para mitigar as imparidades relativamente a essa exposição”.
Norberto Rosa adiantou ainda que “a Caixa foi favorecida”, uma vez que o valor da avaliação da cotação passou a ser não só a da Christie’s [316 milhões de euros], mas “passou-se a utilizar a avaliação média das duas cotações que tinham sido feitas”, referindo-se a uma outra avaliação feita aos créditos da Fundação Berardo pela consultora “Price [WaterhouseCoopers, PwC] sob orientação do Banco de Portugal”.
“A informação que nós tínhamos, do nosso departamento jurídico, que tinha sido aceite pelos nossos auditores e que tinha sido aceite também pelo Banco de Portugal, era que efetivamente a coleção Berardo era um bom garante real para o empréstimo que tinha sido concedido”, prosseguiu Norberto Rosa.
O ex-administrador considerou que é preciso “ter confiança nos departamentos jurídicos”, já que eram “dos três bancos” e “assessorados por um escritório de advogados”.
Cecília Meireles questionou ainda Norberto Rosa sobre se o facto de eventualmente a opção de compra reverter também para a CGD não configuraria “um movimento circular”, já que o banco é detido a 100% pelo Estado.
“Eu acho que não, porque efetivamente haveria um aumento do património do Estado com a coleção”, respondeu Norberto Rosa.
Em 2015, segundo uma auditoria da EY à Caixa Geral de Depósitos (CGD), a exposição do banco público à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, depois de uma concessão de crédito de 350 milhões de euros para compra de ações.
Atualmente, o Estado pode perder a opção de compra sobre a coleção de arte de José Berardo caso uma das partes discorde do valor da avaliação, indica a adenda ao protocolo assinado entre ambos em 2016.
Em 2006, a Fundação Coleção Berardo foi criada com a participação do colecionador, do Estado, através do Ministério da Cultura, e da Fundação Centro Cultural de Belém (CCB), com a missão de criar o Museu Berardo para exibir um acervo inicial de 862 obras da coleção de arte moderna e contemporânea do empresário.
As obras foram então cedidas ao Estado, num acordo de comodato por dez anos, e avaliadas nessa altura em 316 milhões de euros pela leiloeira internacional Christie’s.
A polémica surgiu quando Berardo foi questionado no parlamento sobre as dívidas e disse que a coleção pertencia à associação em seu nome, dando a entender que os bancos não poderão aceder-lhe.
Em novembro de 2016, pouco antes do fim do contrato de dez anos entre as partes, foi negociada e assinada uma adenda ao acordo que determinou a o prolongamento por mais seis anos, com a possibilidade de ser renovada automaticamente a partir de 2022, se não for denunciado nos seis meses antes do fim do protocolo.
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